sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Velocidade sem sentido


Contra a velocidade sem sentido


Lisandro Nogueira*


Como um cineasta “difícil” e “hermético” consegue manter um filme em cartaz durante mais de dois anos em São Paulo? Alain Resnais, 87 anos, realizou Medos Privados em Lugares Públicos (2006) e obteve aquilo que é raro no cinema hoje em dia: manter um filme em exibição por tanto tempo. Em Goiânia, Medos Privados em Lugares Públicos permaneceu três meses em cartaz.

Seus filmes caminham na contramão de certa tendência do cinema francês atual de se popularizar. A proposta é bisonha, pois Hollywood domina com eficácia e há tempos os procedimentos do “cinema popular”. Se a França quer se manter como a “Grécia moderna”, nada mais salutar que cultivar as grandes obras dos criadores de alto quilate.

Alain Resnais é um deles. Realiza, desde o final dos anos 40, um cinema inteligente, “lento” e de extrema sensibilidade. A 8ª Mostra Varilux de cinema francês (que começa hoje no Cine Lumière) traz um filme bom e pungente sobre o Holocausto: Mais Tarde, Você Vai Entender (2008), do cineasta Amos Gitai. Todavia, o grande filme sobre o tema foi realizado por Resnais, em 1955: Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard).

Nele, a câmera não camufla os horrores nem pede a compaixão imediata, como faz A Lista de Schindler, de Steven Spielberg. Esse filme de Resnais trouxe à tona a necessidade premente de nos debruçarmos sobre o impacto das imagens de horror no mundo após a Segunda Guerra. Susan Sontag inspirou-se nele para refletir sobre a fotografia e a banalização das imagens no mundo contemporâneo, no livro Diante da Dor dos Outros.

Mas foi com um filme intrigante (O Ano Passado em Marienbad, de 1961), e até hoje visto com maus olhos por todos aqueles que não querem compreender e se desapegar do “olhar domesticado”, que Renais pegou a pecha de cineasta incompreensível. O fato de desprezar a linearidade e empreender um enredo atravessado por imagens desconexas, rendeu prêmios importantes ao filme e a imediata desconfiança do público. Resnais ficou rotulado como um cineasta experimental.

Hiroshima Meu Amor (1959), realizado antes de O Ano Passado em Marienbad, foi recebido com reservas, mas se tornou, com o passar dos anos, um dos filmes mais importantes da história do cinema. Ao interrogar sobre a força da memória em reagir contra os esquecimentos perpetrados pelo mundo moderno, por intermédio das imagens em alta velocidade, Resnais fez, ao mesmo tempo, um elogio à perenidade do amor e da memória. Duas instâncias que ainda nos garantem resistir com dignidade aos imperativos do tempo que escoa de forma absolutamente voraz.

Seus filmes ficam muito tempo em cartaz não por acaso. Eles fazem as perguntas fundamentais que nos afligem: por que temos medo da inexorabilidade do tempo? Por que não brincamos com a inevitabilidade da morte e fortalecemos a memória para viver dias mais significativos?
Os filmes de Resnais não bajulam o espectador preguiçoso e conformado. São preciosos e gratificam a quem os assiste com narrativas plenas de sofisticação, ao valorizar a sensibilidade, a inteligência e a capacidade para discernir o mundo sem a autoajuda das imagens velozes e sem sentido de boa parte do cinema atual.

Lisandro Nogueira é professor de Cinema na Facomb/UFG/texto publicado hoje em O Popular.

4 Comentários

Lisandro Nogueira disse...

Foto do filme "Hiroshima, meu amor". Não aparece os créditos. Foto recuperada na internet.

Anônimo disse...

Eu assisti "Medos Privados em Lugares Públicos" em SP e em Goiânia.
Na época (ano passado) eu fiquei tão empolgada que cheguei a escrever muito sobre ele.
Não há como ficar inerte.
Foram duas idas ao cinema e duas vontades de levar o filme para casa.
Lembro das cenas como uma coleção.As coleciono com enorme carinho.Tanta delicadeza assim me comoveu.

Otimo texto Lisandro!

lisandro disse...

CAros amigos, o texto foi uma solicitação do jornal O Popular. Duas mostras do cinema francês em cartaz: uma no Cine Cultura em homenagem ao cineasta Alain Resnais; a outra, no Lumière, com varios filmes franceses contemporâneos. Boas mostras com ótimos filmes.
ps- gostei imensamente de "Medos privados..." e gosto da sua participação aqui no blog.

Marcelo disse...

Genial o filme "Medos Privados em Lugares Públicos", fiquei alguns dias com este filme na cabeça.
Professor, valeu pelas dicas e pelo "Os filmes de Resnais não bajulam o espectador preguiçoso e conformado.", adorei.

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