segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Jacques Lacan não aprovaria seus discípulos.

Gosta de Lacan e Joyce mas não gosta de Godard e Glauber Rocha - o debate da forma e do conteúdo.

Lisandro Nogueira

Após 25 anos promovendo debates sobre cinema, me chama a atenção alguns psicanalistas e escritores: são devotos de Lacan - (um Jean-Luc Godard da psicanálise), cultuam a alta literatura (James Joyce, por exemplo - um Godard da literatura) e raramente gostam de Glauber Rocha (um Barthes do cinema). Gostam de ver e debater filmes americanos (a narrativa clássica) e privilegiam sempre o conteúdo desses filmes.

O cinema é um dos suportess mais utilizados para o debate e discussão nas artes, nas humanidades e em quase todos os campos do conhecimento. Não foram só os Estudos Culturais que submeteram o cinema ao papel de suporte das discussões intelectuais . Além de "esquecer" costumeiramente a "forma do filme", esses campos do conhecimento e seus teóricos privilegiaram em seus estudos o "cinema clássico". Isso porque seus mecanismos lineares e simples reforçam a idéia de que o conteúdo (o tema, o enredo) é mais importante do que a linguagem.

Posto nesta perspectiva, o cinema reduziu-se a apenas um suporte para estudar essa ou aquela área do conhecimento. Um exemplo comum são alguns estudos da psicanálise, que se detêm nos personagens e nos diálogos (tema), sem jamais se importar com a linguagem específica do cinema.

Para eles, o que importa é deslanchar uma plêiade de teorias de Freud, Jung ou Lacan, focalizando os personagens e seus embates dentro da trama. É um exercício importante, porém expõe seus limites ao negligenciar a construção cinematográfica do objeto. Geralmente, os filmes clássicos apresentam personagens sem grandes nuances, nos quais inexistem as ambigüidades encontradas em filmes mais densos.

É comum o cinema ser usado por psicanalistas, educadores, historiadores, antropólogos como recurso para estudos variados sobre o processo cultural, político ou social. Os filmes são produtos da cultura e são fundamentais para a compreensão de processos sociais. Afinal, realizam representações, articulam discursos, mobilizam e fundam ideologias.

Portanto, é natural que sejam usados para a pesquisa e o debate. Por outro lado, conjugando forma e conteúdo, o estudioso poderá enriquecer sua análise ao não se limitar a fazer a ponte comum entre suas referências teóricas e a superfície das tramas (personagens e diálogos).

15 Comentários

João A Fantini disse...

Este comentario é seu lisandro?
bem, essa historia é muito chata. é verdade que o cinema é muito usado desta maneira. a literatura tambem. não somos os unicos, mas isso não importa. o que é bem chato é que essa critica é da ´turma´ da comunicação e sempre soa como reserva intelectual de mercado. fomos, os pesquisadores em comunicação e psicanalise defenestrados do COMPOS em parte por isso. por outro lado, na epoca, foi anunciado publicamente que o cnpq queria uma ´limpeza´na comunicação, essa nossa teoria tão cara. todo mundo da area sabe disso, ninguem fala. já passou. a comunicação esta salva.
ok. na maioria das vezes usamos o conteudo dos filmes apenas. nao esqueça que poucos dominam a linguagem do cinema, e grande parte nao tem pretensoes de teorizar nada.
Para encerrar, Hitchcok antes dos franceses o elevarem a categoria de arte era considerado um cinema menor. nao estou comparando uma coisa a outra. apenas dizendo que este tipo de excesso de escrupulo que nao considera o valor das coisas para as pessoas comuns, o Pop enfim, normalmente tem duas fontes, ou a velha e boa neurose de todos nos ou a mais velha ainda, mas nao tao boa, reserva do seu cantinho para capinar.
Acredite. Para quem assistiu os Jetsons e agora ve as pessoas brigando para catar lixo, o papo é um pouco deprimente. bom, mas ai já é um problema maior.
abcs
fantini

Lisandro Nogueira disse...

Caro João,
Concordo em parte com você!!! Meu objetivo aqui é debater a postura intelectual de alguns psis em relação ao cinema. Ora, gosta de Lacan mas só faz debate com filme americano??...Por outro lado, o pessoal do cinema, em parte, e em muitas situações, "conversa entre si". O que estamos observando hoje no meio acadêmico e na sociedade de uma maneira geral, é o distanciamento intelectual. O Morin afirma q. sem a "religação dos saberes" não é possivel a discussão sobre o mundo. Os psicanalistas estariam mais confortáveis para o debate cinematográfico se dessem mais atenção a FORMA. O que observo, tanto na psicanálise como no cinema, é a falta de interlocução -fruto de uma época individualista e feudal. Vamos continuar a conversa.

Anônimo disse...

Lisandro,
sem entrar propriamente no mérito da discussão que você propõe, acho importante notar que seu discurso apresenta nele mesmo um problema tão sério quanto o do tema ali apontado: excessiva reverência. A luta pela democracia e a igualdade, em todo o mundo, tem como subproduto atitudes, em geral, muito desrespeitosas com tudo, temas, pessoas, instituições, obras, trabalhos. Mas no campo intelectual, crítico, a reverência além da conta, como em seu caso ("Lacan, o Godard da psicanálise", "Joyce, o Godard da literatura", "Glauber, o Barthes do cinema" – ninguém é "o Pelé" de nada?), não dá boa liga às idéias que se pretende formular. Para Lacan ser o Godard/Pelé da psicanálise, esse campo de estudos e discussões teria de ser mais cristalizado, institucionalizado e incorporado de modo consolidado (menos sujeito a dúvidas) ao saber humano, o que possibilitaria a sacralização de autoridades efetivas e menos discutíveis na área. Mesmo o cinema abre espaço para muita dúvida: será que um cineasta tão radical, marginal e experimental quanto Godard é ou pode ser "o Stanley Kubrick" do cinema? E Glauber, ainda aprendiz em "Deus e o Diabo", mestre somente em "Terra em Transe", será "Pelé" de algo?
José Teixeira Neto

João A Fantini disse...

Não sei se entendi bem, mas sacralização é tudo que Lacan procurou evitar. lacan não é Pelé de nada. Aliás nem o Edson é o Pelé. talvez a unica boa sacada dele, ao falar do pelé em terceira pessoa, isto é, o Edson sacou 'aquilo que me ultrapassa'.
Quanto ao Lacan, foi tudo que sobrou contra a instutucionalização da psicanalise, que a transformou em mais um dos discursos da medicina.
Lacan deslocou o papel do analista do lugar do ´mestre sabe tudo´ (lugar que o discurso medico nao abre mão nem a pau), para o lugar do sujeiro suposto saber, com a sua ´Os não tolos errram..´. De quebra, deu um dedo para a Ego psychology e sua luta contra as defesas para mostrar que atras das defesas nao ha nada (o verdadeiro eu) esperando, coisa que quem entra no discurso da psiquiatria atual descobre rápido. na carne.
Mas o site é de cinema, entao eu vou calar a boca.

Lisandro Nogueira disse...

Fantini, ora João, o site é de cinema mas a psicanálsie é parceira e amiga. Penso que Teixeira passou um pouco distante do tema. É importante sim a reverência e a psicanálise é fundamental. Godard é importante e conseguiu ir além de Stanley - que é tb. um grande cineasta. É meu juízo de valor: Godard é referência total na cultura moderna. Podemos não gostar de seus filmes. Mas eles apostaram na ousadia ao discutir o mundo através da forma e do conteúdo instigantes. Quais os motivos para não dar valor e reverência? Reverência aqui significa valorar para passar para frente no processo educacional/cultural. Não é reverência no sentido servil. Mas continuemos o debate. Lembrando: o blog é nosso!! Cinema e psicanálise e todas outros papos sobre cultura.

Anônimo disse...

Lisandro afirma que "a reverência é importante", e entendo que ele se refira nesse caso à discussão de cinema e cultura. No entanto, reverenciar é algo que se pratica diante de santos, ídolos, deuses. É, portanto, uma atitude mais condizente com a postura religiosa, não sendo coerente com quem pretende ser crítico. É o que se nota nos apologistas, propagandistas, escribas e teólogos, especialistas importantes em suas áreas, mas não no campo intelectual.

Anônimo disse...

Lisandro,
em várias áreas é útil distinguir entre o mestre e os seguidores, como você faz com Lacan e os lacanianos. Mas, no campo psicanalítico, o conteudismo que você aponta (que leva os que trabalham nesse ramo do conhecimento a privilegiar obras pouco inovadoras, para não dizer lineares) está presente desde os escritos do próprio fundador, Sigmund Freud. Basta ler "Uma recordação infantil de Leonardo da Vinci" e "O 'Moisés' de Michelangelo".
José Teixeira Neto

Lisandro Nogueira disse...

José Teixeira, a reverência pode ser vista de vários pontos. Qdo. afirmei a importância da "reverência", digo pedagogicamente. Acho sim importante, em determinado momento, essa "reverência". Ela não pode ser vista apenas do ponto de vista da teologia, etc. Obviamente que essa "reverência" deve ser acompanhada de um bom contexto histórico e de uma boa formação estética/espiritual.

Anônimo disse...

Caro Lisandro,

uma "pedagogia da reverência", ou "reverência pedagógica" poderia funcionar, se houvesse uma história oficial (ou cânones, ou panteão de personalidades, ou antologia oficial das obras-primas)unânime ou majoritariamente aceita e respeitada. Como não há nada do gênero em países democráticos, só existe culto do panteão particular do professor, mas, aí, "cada cabeça, uma sentença"...
José Teixeira Neto

Lisandro Nogueira disse...

Olá Teixeira,
Você esqueceu do cânone. Não existem os cânones. A reverência se aplica a idéia de que temos as referências. Leia "Canone ocidental" do old professor Bloom.

Anônimo disse...

Caro Lisandro,
na era do puro arbítrio individualista, inaugurada com a supremacia burguesa, que cada vez mais se aprofunda (com a ajuda dos pretensos críticos...), as subjetividades absolutizadas podem decidir tudo, até fantasiar que são clássicas, que defendem as obras-primas do Ocidente, que suas puras opiniões podem ter o peso de leis férreas...
José Teixeira Neto

Lisandro Nogueira disse...

Caro Teixeira, não é isso. Você sabe muito bem q. os cânones são importantes. Você é um estudioso da estética. Os cânones (as referências e, vez em quando, as reverências) balizam e consolidam estéticas. Sem isso, Lobão e Chico Buarque podem ser colocados no mesmo barco. Não é possível. Podemos ter simpatia pelo roqueiro, mas esteticamente o Buarque é melhor (é um cânone).

Anônimo disse...

Caro Lisandro,
escrevo para ajudar na evolução do diálogo no blog, pois creio haver um equívoco básico neste seu último comentário: se alguém (Lobão) emite uma opinião de que discordamos, no que acrescenta ao entendimento fazer uma avaliação da obra desse alguém? Se Lobão fosse um verdadeiro gênio, melhor que Chico Buarque em tudo, só por isso suas opiniões teriam mais valor? Por outro lado, se ele fosse insignificante, um coitado, sem ter produzido coisa alguma de importância, não precisaríamos nem prestar atenção ao que ele dissesse? Você aproxima-se perigosamente de tornar-se um cultor da Falácia do Argumento de Autoridade (e de sua inversa, o Argumento Ad Hominem), estudada em Lógica.
Quanto à minha condição de estudioso de Estética, acho que isso acrescenta algo, é verdade. Mas, primeiro, queria que você entendesse um dado fundamental: a Estética não deve ser concebida como uma ciência normativa (reino dos cânones, preceitos e autores e obras oficiais), e sim como disciplina filosófica profundamente marcada pela crítica.
Um abraço

Zeca

Lisandro Nogueira disse...

Caro TEixeira, a estética não é uma ciência normativa - concordo com você. Mas não devemos esquecer do "juízo estético". Esse juízo edifica "hierarquias estéticas". E esse juízo é construído com a crítica. Através dela valoramos obras artísticas. Chico Buarque (o músico e compositor) tem uma obra mais consistente que Lobão. Isso não me impede de gostar da música do Lobão. Mas ao aplicar o "juízo estético", os valores apontam as diferenças.

Brasigois Felicio disse...

Toda esta interessante discussão sobre os limites e possibilidades do cinema e seus exegetas e críticos, depreende-se: na vida, como em arte, o que nos ultrapassa e o que fica - e não passa.

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