terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O medo do amanhã

As invasões bárbaras - em cartaz no Cine UFG.

Victor Hugo Caldas*

_ Nunca pensei que veria o dia em que você recusaria trufas.
_ Infelizmente, meu amigo, esse dia chegou...



O diálogo é de uma cena do ótimo Invasões Bárbaras, de Denys Arcand. Um filme que comove sem ser melodramático, que provoca a reflexão sem ser apelativo. Remy, um professor universitário canadense, descobre que tem uma doença incurável, a qual o levará à morte. A ex-mulher, Louise, liga para Sebastien, filho do casal e o avisa sobre o fato.
Sebastien não tem uma boa relação o pai e apenas se dobra aos pedidos da mãe. Louise pede para o filho providenciar conforto para Remy e reunir seus velhos amigos.


A narrativa gira em torno da morte certa de Remy. O surgimento e interação entre os personagens se dá em torno dela. Porém, a construção da história parte do drama pessoal para uma metáfora do todo: a quebra da ideologia e da tradição. Um confronto de gerações entre o pai que cresceu em uma época de diversidade de pensamento e questionamento de valores, e do filho, crescido num mundo ultra-capitalista, cujo valor máximo é o dinheiro.

Os personagens caminham em meio a contradições. Remy mostra desprezo pelo emprego milionário do filho (operador da bolsa de Londres), mas é este que permite todo o conforto que o cercará na hora da morte. Sebastien retribui o desprezo, mas corre para subornar a administração do hospital (público, com problemas semelhantes aos do Brasil), o sindicato e reunir os velhos amigos do pai. Descobre por meio de um amigo médico que a heroína pode aliviar o sofrimento do pai e consegue a conivência da polícia para obter a droga. Possibilita que o pai fale com a irmã.

Pai e filho fazem, assim, uma jornada de reconciliação. Mas Remy, além de tudo, busca a reconciliação consigo mesmo. E, para isso, percebe que deve deixar a vida da mesma forma como viveu: amando-a. Somente por esse motivo tem força para fazer de sua “partida” uma grande festa, relembrando o passado com os amigos, disparando comentários irônicos e até fumando o último “baseado”.

Arcand constrói uma narrativa que toca em variados assuntos com muita sutileza. Não permite que a história caia em pieguismos ou esbarre em soluções fáceis. A força e dinâmica dos diálogos é a chave-mestra do filme. Algo importante está sendo dito, e deve ser ouvido.

A referência ao título, na narrativa, acontece em apenas em um momento. Um professor fala na TV sobre os atentados de 11 de setembro, explicando que foi a primeira vez que os bárbaros atingiram o coração do império, o que se poderia considerar como as primeiras “invasões bárbaras” de nossa época. A metáfora estende-se a todos os outros pontos de nossas vidas. A doença invade Remy da mesma forma; o questionamento dos valores invadiu e “destruiu” a hegemonia da Igreja Católica em Quebec (morte simbolizada em outra ótima cena); mas, principalmente, a invasão e destruição de nossas certezas.


* Victor Hugo Caldas é meu aluno e orientando em trabalho de TCC, com monografia sobre cinema e jornalismo.

7 Comentários

Anônimo disse...

O filme "Invasões bárbaras" está em cartaz no Cine-UFG. Sessões às 12 e 18h. Campus 2 da Universidade Federal de Goiás. O filme fica em cartaz até quinta, dia 12; em seguida, entra em cartaz "Modiglianni". (Pedro Vinitz)

Anônimo disse...

Bom dia!! Pedro, você é assistente do blog? Esse filme é o melhor dos últimos tempos. Ele é tão bom que nem os europeus conseguiram fazer uma filme com tanta reflexão sobre a massificação e a mediocridade dos dias atuais.(Carlos Freitas)

Anônimo disse...

Uma lembrança provocativa: lembro de meu amigo professor se levantar, durante um debate na saudosa mostra O Amor, a Morte e as Paixões, para reagir indignado a esse filme, acusando-o de ser "antiintectualista". Percebo que o "antiintectualismo" não o impediu de galgar a melhor posição no ranking do blog. Isso é bom... rs
(Marco A. Vigario)

Lisandro Nogueira disse...

Caro Marco Aurélio, continuo vendo problemas em Invasões bárbaras: e o maior problema é o que você apontou; porém, o considero um bom filme. Mas o fato de não gostar inteiramente dele, não o impede de participar do blog. Lembre-se: um dos filmes que mais gosto é "O homem que matou o facínora". Ali, temos ali uma aula de republicanismo e democracia. O blog é semelhante: acolhe filmes que eu não gosto. E filmes que eu não gosto inteiramente (caso de Invasões Bárbaras. Aliás, como programador do Cine-UFG, fui o primeiro a concordar que ele deveria participar da programação. E como um professor-formador, pedi ao Victor Hugo, meu aluno, um texto sobre o filme. Quando você não gosta muito de um filme, o melhor é acolhe-lo e problematiza-lo. Vamos continuar a conversa.

Anônimo disse...

O filme acaba com meu nome, muda o sobrenome. Só isso já qualifica o filme como espetacular.
Genial.
Thomas Silva.

Anônimo disse...

Parabéns para o Victor Hugo pelo texto bem fundamentado e de boa leitura.

Mas mudando de assunto,na entrevista do Daniel Filho para a Istoé dessa semana, ele afirmou não ter nenhum preconceito quanto aos "tipos" de filmes: "Não tenho preconceito. Isso me leva a fazer tanto o filme do Renato Aragão quanto o Central do Brasil. Meu parâmetro é ser um filme que eu acho que tenha público uma boa história e que ocupe um espaço ainda não ocupado". Lisandro, o que você acha dessa afirmação dele e dos parâmetros necessários, para ele, para ser produtor de um filme? Afinal de contas, ao meu ver um filme do Didi é totalmente didatizado sem ser educativo, são filmes que apresentam uma trama contada de forma super sistemática e didatizada, mas não leva as crianças a refletirem. E certo filme do Renato Aragão, só pelo trailer me deu a sensação de ter sido um filme pensado só para estrelar a filha dele (O filme da princesa Lili). A partir disso, há uma enorme diferença entre ser produtor, diretor, ator (ou qualquer outra função) do Central do Brasil e dos inúmeros filmes do Renato Aragão.

Lisandro Nogueira disse...

Olá Marina,
Daniel Filho tem méritos: é um grande produtor. O cinema não vive sem a figura do produtor. Porém, existem produtores e produtores. Daniel é sério e sabe fazer filmes de apelo popular. O cinema brasileiro necessita de bons produtores. E dentro do objetivo dele, Daniel, os filmes devem contar uma boa história e fazer sucesso. Por outro lado, como exemplo, um dos produtores dos filmes do Godard (não me lembro o nome agora), levantava recursos poucos mas sem compromentimento com o retorno financeiro. Mas ele nunca teve prejuízo. Como a proposta é de fazer filmes baratos, eles sempre produziram "lucos". Então, Marina, o cinema precisa de produtores. Mas cada um com seus objetivos.

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