Franco Neto*
Do diretor Oliver Stone já se disse que é manipulador e conspiratório em seus filmes. Inobstante resolvamos ou não concordar sobre essas críticas, filmes como Nascido em Quatro de Julho e Platoon são realizações sérias, com teses razoavelmente equilibradas e sem maiores afetações. O mesmo não se pode dizer de W: A Life misunderestending. “Misunderestending” é uma alusão a um dos muitos tropeços verbais do presidente, algo como “mal-subestimado”. O filme pretende acompanhar parte da vida do 43º presidente americano: de sua juventude conturbada, envolvimento com bebida e fracasso profissional e acadêmico; sua ascensão política como governador do estado do Texas e depois presidente dos EUA; até a desastrosa investida contra o Iraque.
Stone, que também participa do roteiro, pretendeu ser documental, escolheu uma narrativa disfarçadamente não-linear com enxertos de avanços e retrocessos temporais da vida de Bush, enquanto o filme se desenvolve. O vôo “estético” termina aí e é contaminado pelo lastimável tom caricato de toda a película. Um todo arranjado como uma espécie de pastiche que resolve a conturbada era Bush com uma proposta vulgar: “W é um político apalermado, fraco e influenciável que na tentativa de impressionar o pai afundou seu país em uma crise sem precedentes”. Um slogan raso, uma explicação grosseira, constrangedoramente semelhante àquelas encontradas em manifestações indignadas de ocasião nos blogs adolescentes espelhados pela rede.
Não vamos discutir a falta de sofisticação intelectual, por assim dizer, do ex-presidente, seu conservadorismo servil ou o peso da influencia do pai. Mas reduzir a administração catastrófica dos dois mandatos republicanos a desvios de personalidade e contendas familiares é quase uma irresponsabilidade. Toda sorte de eventos postos em curso depois dos atentados às torres gêmeas, são inflexões, momentos históricos que provocaram (e provocam) mudanças violentas na paisagem intelectual, política, cultural, cognitiva da sociedade. Não se espera de um filme como esse, e porque não dizer, não se espera de Stone que trate o tema como uma anedota. Isto se assentaria melhor em uma comédia, evidente.
“W.” deixa de lado o impacto dos atentados no imaginário norte-americano; esquece de mencionar a adesão majoritária da opinião pública às políticas de Bush quando dos primeiros anos após destruição das torres gêmeas; não menciona a força conservadora branca e fundamentalista que representa parte considerável do eleitorado nos EUA; ignora as intrigas e mentiras plantadas por agências de inteligência e pela imprensa daquele país. O que equivale dizer que o filme se furta de tentar discutir vários fatos prementes que esperam interpretações, que causam perplexidade e desconfiança.
O elenco, muito irregular, também com atores inexpressivos, não melhora o desempenho do filme. O talentoso Josh Brolin não repete a boa atuação de Onde os Fracos não têm Vez (2007), seu Bush é prejudicado pelo tom jocoso do filme. Thandier Newton, como Condoleezza Rice, confunde interpretação com imitação (ruim) e estraga as cenas em que aparece. O mesmo vale para o sofrível Colin Power de Jeffrey Wright, interpretado com mesma “técnica”. A surpresa fica por conta de Richard Dreyfuss que cria um convincente Dick Cheney, vice-presidente nos dois mandatos de Bush.
O filme de Stone escolheu ser parcial. Levado pela onda anti-Bush personaliza seu filme e apenas faz coro à crítica simples, a demonização rasteira. Mas tudo com uma postura “irreverente”, como se dissesse: “vamos rir desse palerma, ele merece”. Muito mais sóbrio e competente é A Queda (2004), de Oliver Hirschbiegel. Os dois filmes procuram materializar personagens históricas, dar a elas um corpo e razões, explicações. Mas Hirschbiegel não fez de seu filme um panfleto passional, em que pesem ressalvas quanto a sua importância. Ao contrário, tentou retratar uma pessoa que de fato existiu. Alguém que inevitavelmente precedeu à personagem mítica, que agia por medo, impulso, soberba, como qualquer um. Por mais que essa interpretação/constatação possa frustrar nosso ódio como expectadores do filme e da história. O filme “W.” esquece George W. Bush e fica com a personagem. Seu diretor parece que “mal-subestimou” a história que queria contar.
Franco Neto é meu aluno de TCC em cinema - na UFG.
9 Comentários
O nome correto do ex-secretário de estado dos EUA é Colin Powell. E Thandie Newton se escreve sem o "r".
Lisandro e leitores do Blog bom dia, boa tarde e boa noite.
Professor, por não ter um tópico específico para comentar a respeito do ótimo filme que a turma viu no Cine UFG, resolvi postar aqui mesmo.
A propósito o título do filme, para aqueles que não puderam comparecer ao Cine é "Hanna e suas irmãs" de Woody Allen.
Pois bem, aqui vai um comentário de "Hanna", e, por se tratar de um tópico do filme "W de Oliver Stone" futuramente comentarei esta película.
Comentário filme: Hanna e suas irmãs
Um casal comum que leva uma vida comum e confortável em Nova York, essa poderia ser mais uma história feliz envolvendo duas pessoas. Mas, o que se vê em Hanna e suas irmãs ultrapassa essa primeira impressão de uma família próspera.
Uma sucessão de eventos trazem à tona muito do que ocorre em grande parte das famílias mundo afora. Conflitos, incertezas, desilusões, mentiras, traumas e todo tipo de casualidades que permeiam o convívio em família. É com este ingrediente que Hanna e suas irmãs nos convidam a uma deliciosa história bem humorada e carregada de emoções e dramas de seus personagens.
Hanna, Lee e Holly são irmãs com qualidades distintas, enquanto Hanna é a base da família e do casamento passando segurança e conduzindo a vida familiar de maneira a manter o equilíbrio entre os membros. A irmã do meio sofre constantes desilusões no campo do trabalho e, vez ou outra, pede ajuda financeira para Hanna. Por fim, a irmã caçula mantém um relacionamento com Frederick, homem bem mais velho que ela e que mantém um certo ar paternal. Frederick não ousa em sair de casa, prefere o isolamento a ter contato com o mundo lá fora.
O envolvimento de Elliot, marido de Hanna, com Holly, sua cunhada, dão o tom do filme, contudo, outro personagem aparece de forma magnífica na trama. Mickey Sachs, um produtor de tv com problemas no trabalho, ele é ex-companheiro de Hanna e é um hipocondríaco que leva ao extremo a sua preocupação com a saúde. É com Sachs que o tom cômico aparece de maneira a agradar aos espectadores.
Com esses personagens e seus problemas, Woody Allen consegue explorar o que há de mais extraordinário nas relações humanas. A busca pela satisfação e pelo desconhecido movem homens e mulheres de todo o mundo. E, é nessa luta de interesses pessoais que surgem as oportunidades de novos relacionamentos e novas experiências. "Hanna e suas irmãs" traz uma ótima reflexão acerca do tema família.
Quem nunca ouviu uma história de cunhado/a se envolvendo com o/a companheiro/a do/a irmão/ã, quem nunca presenciou um casamento perfeito se desmanchar sem dar pistas de que algo de errado estaria acontecendo. Esse mundo fascinante das relações conturbadas dos seres humanos é o pano de fundo desse ótimo trabalho de Woody Allen.
O filme é repleto de cenas empolgantes, mas o que passa desapercebido para uma parcela dos espectadores, despertou-me enorme interesse. Partindo para um campo, digamos, mais sombrio, destaco a cena em que Mickey Sachs se converte ou tenta se converter ao catolicismo. Ao percorrer várias religiões com a aflição da morte iminente Sachs chega a sua casa com um pacote contendo crucifixo, imagem santa, cruz, terço e outros apetrechos religiosos. Mickey coloca meticulosamente cada objeto simbolo desta religião e por fim retira um pacote de pão e um pote de maionese. Até aí nada de contraditório, mas, aquele espectador mais atendo percebeu a marca da maionese e sua possível tradução. Por motivos óbvios ou não, esquivarei-me de mencionado o nome de tal maionese. Primeiramente para despertar novo interesse a rever o filme e segundo por deixar um ar de mensagem subliminar presente nessa cena.
Abraço a todos e até mais ver.
Sobre "W" de Oliver Stone:
Em primeiro lugar, parabenizo o Franco por sua excelente análise do filme. O texto está muito bem escrito, conciso e estimulante;
Contudo, e correndo o risco de estar na contramão, não creio que o filme seja tão maniqueísta ou caricato...
Sim, a Condoleezza Rice está excessivamente caricata, excessivamente ridícula... em contrapartida, o ator que interpreta o Bush pai está ótimo!
Sim, o filme passa ao largo dos bastidores e intrigas (que forjaram evidências de armas de destruição em massa), do contexto político que tornou possível a eleição (e re-eleição) de um segundo Bush, da opinião pública (que atemorizada pelos ataques de 11 de setembro, transformaram Bush, de figura caricata, desacreditada logo nos primeiros seis meses de governo, em um presidente com 80% de popularidade...);
Contudo, NÃO era este o foco... o filme é sobre Bush... e, sim, ainda que sob o risco de servir de pretexto para expurgar os pecados americanos em sua figura patética, ele era caricato... seus abusos com álcool são notórios; a cena do Bush na prisão é real, e quase lhe custou a primeira eleição;
Sobre o Dick Cheney, sim, esta figura é a mais deplorável do governo Bush (veja matéria em: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-custo-dick-cheney,364493,0.htm); Aliás, o ex-vice presidente têm sido um calo para a administração Obama, tentando, ao contrário do que prega a tradição americana (que roga que ex-presidentes - e vices - se recolham), articular a direita americana;
Enfim, sem entrar no mérito da qualidade cinematográfica (estou na contramão novamente... já que este é um blog sobre cinema...), o filme, à excessão dos seus instantes finais, absurdos e manipulados (i.e. aqueles que mostram todo um gabinete surpreso com a constatação de que nada muito destrutivo havia no Iraque - e que justificasse a total destruição de um país) é bastante fiel no retrato que faz do Bush... totalmente aliado à direita religiosa, etc.
À exceção de poucas e infelizes cenas tomadas pela caricatura...
Obrigado pela atenção e pelos comentários, Laerte.
É próprio das adaptações cinematográficas - quer sejam feitas a partir de outras fontes artísticas ou a partir de fatos e pessoas reais - as elisões e as ampliações. Isso porque o dispositivo cinematográfico tem particularidades que, por exemplo, desestimulam a transposição de cada página de um romance ou de cada fato relevante da vida de uma personalidade. É inevitável, portanto, que diretores e roteiristas façam escolhas e decidam mostrar somente aquilo que julgam adequado à história filmada. Me parece que o problema de “W.” não é a omissão de eventos indiretamente relacionados a Bush, mas o modo como Stone decidiu construir sua tese sobre o ex-presidente. O caricatural, Laerte, você concordará, é uma simplificação. Bush realmente teve problemas com a bebida, você tem razão, e é uma personalidade histórica no mínimo controversa. Mas, perceba: o presidente bêbado e parvo; fundamentalista e manipulável é também uma interpretação, uma imagem muito bem vinda quando queremos “odiar” juntos algo verdadeiramente execrável. Gostamos dessas adesões, são da ordem daquelas que animam os defensores das causas unânimes. Trazem satisfação, contentamento. Mas não podemos pensar que essas encenações jocosas constroem um retrato fiel. São em verdade, paródias, uma maneira simples de criticar, a mais comum e a mais fácil. Tantos vídeos em sites de relacionamento fazem precisamente o mesmo. Ridicularizam personalidades, aprontam arremedos, todas com relativo sucesso.
Stone se apoderou dessa “descarga emocional”, e apenas filmou a imagem, o já conhecido. Sua solução foi apresentar um “mais do mesmo”, um Bush devidamente retocado por acentos e maneirismos, com a intenção assustadoramente clara de criar um personagem “bom para se ter raiva”. O diretor, parece, decidiu filmar “W.” com essa máxima em mente: todos detestam este sujeito, então vão pagar para ver como ele é detestável! Simples assim. Saímos do filme como entramos: nossas expectativas mais imediatas são atendidas e, veja só, ainda não sabemos o que se passou. Como é possível que este político, esta personalidade “caricata” tenha subido ao poder? E não apenas uma vez, mas duas?!
Um filme, uma peça de arte, você sabe, não é um receituário com respostas, resoluções últimas e necessárias. O que ele pode ser, o que se espera que seja, é uma forma criativa de entendimento sobre a realidade. Uma tentativa de apreensão, não importa se correta. E é claro, um filme também pode ser entretenimento. É o que temos em “W.”: por duas horas nos “divertimos” implicando com a personagem principal.
Me permita discordar, mais uma vez, daquilo que disse, Laerte, sobre o foco do filme. Os bastidores e intrigas são indissociáveis da figura de Bush como presidente. Seria mesmo difícil entender seu vulto hesitante e contraditório, seu mandato desastroso sem que considerássemos o momento de inflexão histórica em que ocupou a presidência dos EUA. O próprio filme tenta mostrar quem é o “personagem” pela apresentação do ambiente. Mostra a família, o peso da influencia do pai, os problemas com o álcool, a influência de seus assessores. Mas faz isso, me parece, de maneira simplificadora, mitificante.
Fico por aqui. Obrigado pela indicação do texto do Chris Patten, transcrito no Estadão.
Franco, obrigado pela réplica; excelente!
Sim, concordo com você! em fato, ontem, pensando sobre o filme, cheguei a conclusão que o mesmo deixa muito a desejar... chega a ser simplório...
A interpretação da Thandier Newton ultrapassa o limite do caricato... está péssima; chega a ser ofensiva à figura da Condoleezza Rice, que, gostemos ou não, possui uma carreira acadêmica invejável (chegou a ser pró-reitora em Stanford);
Enfim, você têm razão: o filme acrescenta muito pouco além das inúmeras gafes já conhecidas do Bush;
Talvez por ter morado vários anos nos EUA, consiga perceber algumas sutilezas, as quais, de alguma forma, explicam um pouco da carreira meteórica do Bush e, como um sujeito limitado (ainda que inteligente) chegou, duas vezes, à presidência dos EUA (Bush fazia parte do establishment; em fato, uma figura central em sua carreira política é aquele baixinho - Karl Rover - retratado de forma muito convicente no filme);
Enfim, comparado com "Nixon", do mesmo Oliver Stone, este filme é de fato muito fraco...
Abracos,
Laerte
Novamente agradeço os comentários, Laerte. Tivemos uma boa conversa com o filme e realmente não falamos muito sobre o Karl Rover.
Não sei o que pensa sobre isso, mas gosto de relacionar a era Bush com outros momentos em que tentamos entender como lideranças desastrosas puderam subir ao poder. Existe um filme, A Onda (The Wave), que tenta explicar a “adesão” dos alemães ao fenômeno Hitler. É um filme muito fraco, já aviso. Uma produção para a TV, mas tenta uma interpretação e a proposta é criativa, sem ser exatamente nova. Se não conhece, pode valer o esforço.
Até,
Franco Neto.
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