"GARAPA", de JOSÉ PADILHA, SERÁ LANÇADO NO FICA.
Confira entrevista com o diretor José Padilha, cineasta que dirigiu tb. "Ônibus 174", "Tropa de Elite" e "Pantaneiros" - que serão exibidos no FICA. O filme será lançado na sexta-feira, 20h, no Teatro São Joaquim, com a presença do diretor.
Entrevista para o jornal O Povo*.
P- Garapa começa com duas citações do médico pernambucano Josué de Castro (1908-1973). Eu queria lembrar uma outra fala dele para começar essa nossa conversa. Ele dizia que “enquanto metade da humanidade não come, a outra metade não dorme, com medo da que tem fome”. Isso, de certa forma, aproxima esse novo filme dos outros dois que o antecederam? A violência urbana de Ônibus 174 e Tropa de Elite tem na fome de Garapa um fator determinante?
José Padilha - Eu não acho que a fome seja um fator determinante para a violência urbana. Acho, sim, que a fome é uma forma de violência muito maior que qualquer outra. O grande dilema da fome, enquanto violência, é que ela não é ocasional, ela é constante. Pelo menos aqui no Rio de Janeiro, aqui da Zona Sul do Rio, onde moro, no Jardim Botânico, não tenho como estabelecer um nexo direto. Infelizmente, não conheço outras realidades. Mas, pelo menos aqui, no Rio de Janeiro, onde filmei Ônibus 174 e Tropa de Elite, a fome não é determinante para a violência urbana. Aqui, a violência tem muito mais a ver com a corrupção política, com a má gestão da segurança pública, com o descaso com a educação, com a questão do tráfico de drogas. Claro que eu sei que, também aqui, os índices de pessoas em condição de insegurança alimentar são extremos, mas não arrisco dizer que está aí um motor da violência urbana da cidade do Rio de Janeiro.
OP - Seus outros trabalhos no cinema acabaram por exigir que você teorizasse sobre os temas de sua criação. Com isso, você passou a ser cobrado a dominar temas não necessariamente ligados ao cinema, como segurança pública, por exemplo. Isso tem se repetido em Garapa?
Padilha – De certa forma, sim, mas eu estudei bem menos para fazer esse filme que os outros dois. Garapa é um filme sobre como é passar fome. Queria fazer um documentário que mostrasse a fome do ponto de vista de quem lida com ela, e, não, dos especialistas. Por isso, me preparei menos. Embora tenha lido muito. Não à toa, cito o Josué de Castro logo começo do filme. Minha intenção, desde sempre, era mostrar a realidade da fome, e, não, explicar como ela se dá. Agora, eu acho completamente natural que o cineasta se apodere dos assuntos que discute. Isso é prova da complexidade do cinema. Hoje, depois de Garapa, eu discuto sobre insegurança alimentar com uma maturidade que antes não tinha. Para ser sincero, a fome era algo que desconhecia. Sabia que existia, mas nunca tinha visto.
OP - Que motivação você teve para retomar uma criação documental, tendo em vista a repercussão de sua estreia como diretor de ficção em Tropa de Elite, e por que falar de fome?
Padilha – Isso é interessante. Tropa de Elite e Garapa foram filmados juntos. Eu estava, ao mesmo tempo, envolvido num projeto de ficção e num outro documental. Essa distância de tempo entre eles só aconteceu por uma questão financeira. Foi mais difícil conseguir dinheiro para fazer um filme sobre fome. A idéia de Garapa não foi algo que amadureci. Na verdade, ela me chegou pronta. Numa conversa com o Francisco Menezes, do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), ONG criada pelo Betinho aqui no Rio, ele me provocou: “Padilha, por que você não faz um filme sobre fome? Um filme sobre a realidade de quem passa fome no Brasil?”. Isso mexeu muito comigo.
OP - De que forma você venceu a frieza dos números e encontrou as três famílias cearenses com as quais constrói sua narrativa?
Padilha – Eu pensava o tempo todo naquela frase em que o Betinho diz que “quem tem fome tem pressa”. O próprio Francisco Menezes me sugeriu uma estrutura narrativa para o documentário. A idéia dele é que eu acompanhasse a realidade de três famílias em condição de insegurança alimentar máxima, em diferentes regiões do Brasil. Foi ele, também, quem me indicou o Ceará. Ele me apresentou algumas instituições que trabalhavam no enfrentamento da fome em Fortaleza e também no Interior do Estado, com a intenção de que eu começasse pelo Ceará e percorresse outros estados brasileiros. Mas eu não consegui. Eu tive pressa. Em Garapa, eu não fiz nenhum trabalho de pré-produção. Eu fiz tudo aleatoriamente. Em Fortaleza, por exemplo, a família da Lúcia foi a primeira que encontrei no Centro de Nutrição do Conjunto Palmeiras. Garapa é um filme sobre a realidade de apenas três famílias, mas, eu não tenho receio algo em afirmar que, dos filmes que eu fiz, é o mais universal. Poderia ter filmado esse documentário em São Paulo ou na África, mas filmei no Ceará. E a fome no Ceará é exatamente a mesma fome de qualquer outro lugar.
OP - A princípio, você se coloca como mero observador, mas, aos poucos, tem sua equipe meio que afetada pela realidade que filma. Numa cena, você ajuda uma criança que está sofrendo com dor de dente. Em outro momento, tira a câmera de dentro de uma casa, diante do risco do marido, faminto, bater na mulher, de rabo cheio, como ele diz. Que tipo de relação você e sua produção estabeleceram com os personagens que acompanham?
Padilha – Nós acompanhamos cada família por um período de cerca de 30 dias. Começávamos as filmagens cedinho e seguíamos até a noite. Para mim, o olhar do documentarista é o olhar de uma pessoa qualquer. Justamente por isso, cada vez que a nossa relação ia aumentando com essas famílias, ficava mais e mais difícil de filmar. É inevitável que você não construa laços. A gente se aproximou, sim, do cotidiano dessas pessoas, mas esses dois casos que você cita têm dimensões bem diferentes. Quando eu dei o remédio para o garoto com dor de dente, não era exatamente o José Padilha cineasta. Era a pessoa, que não seria capaz de deixar uma criança sofrendo. Já quando nos retiramos da casa da Lúcia, naquele momento de briga dela com o marido, é porque achamos que a câmera pudesse estar estimulando uma agressividade maior dele. Mesmo assim, ficamos por perto, acompanhando. Por mais fortes que sejam as histórias de vida dessas três famílias que escolhemos aleatoriamente, eu não acho que esteja aí o grande diferencial de Garapa. O mais forte do filme é revelar essa cara da fome, que a maioria de nós desconhece.
OP - Interessado pela fome, você acaba denunciando uma realidade, na qual os problemas têm feições múltiplas. Em Garapa, a fome é agravada pela pobreza, pelo analfabetismo, pela falta de higiene, pelo descontrole natal, pelo alcoolismo. Em que medida as populações famintas têm domínio dessa complexidade?
Padilha – Essas pessoas sabem, sim, o que está acontecendo com elas. Isso não dá para negar. Elas sabem que aquela condição em que vivem tem uma série de fatores envolvidos. Agora, a fome é uma situação de fragilidade extrema. Com isso, por mais que possam até ter consciência, algumas questões, como o controle de natalidade, por exemplo, acabam sendo muito pouco discutidas. É muito forte uma espécie de fatalismo. Alguns assuntos, evidentes naquele cotidiano, só entraram em discussão porque eu provoquei. Nesses momentos, as respostas, para mim, são muito reveladoras desse domínio que você me pergunta. Num trecho, quando questiono a um dos pais se ele não acha que quanto mais filhos ele tiver mais difícil vai ser mais difícil de conseguir comida para todos, ele me responde com um “Deus dá”. É claro que Deus não dá, ou, pelo menos, não estava dando para aquela família.
OP - No filme, você tenta estabelecer com os seus interlocutores um debate sobre a eficácia do programa Fome Zero, grande bandeira da primeira gestão do presidente Lula. A reação é muito surpreendente, porque afasta qualquer possibilidade de especulação de assistencialismo. De fato, quem tem fome, acaba sendo favorecido de alguma forma. Você diria que o projeto transformou a percepção social para a problemática da fome?
Padilha – Eu sou um entusiasta do Fome Zero. O Governo acerta, e muito, quando dá comida a quem tem fome. A fome tem pressa. Agora, diante do problema da fome no Brasil, a ajuda ainda é insuficiente. Mesmo assim, não há como negar as contribuições. A situação da fome hoje em nosso País é menor que há alguns anos. Então, vejo, sim, como um instrumento extramente eficaz. Principalmente, por conta dessa transformação de percepção que você me pergunta. Hoje a fome é assunto nacional e é um problema que precisa ser enfrentado.
OP - Em Garapa, você acompanha o cotidiano de três famílias. O número parece modesto, mas o fato é que o panorama traçado é desolador. Desesperançoso. Por esses locais onde passou com sua equipe, foi identificado alguma exceção? Você encontrou algum contraponto de dignidade nesses mesmos cenários ou a fome é geral?
Padilha – Três famílias pode parecer um recorte muito limitado, tendo em vista os 963 milhões de pessoas em todo o mundo que, segundo a ONU, vivem em condição extrema de fome, mas acredito que Garapa dê um novo significado a esse número. Olha, a verdade é que eu não procurava essa exceção, por mais que, como você, eu também espero que ela exista. Sei, por exemplo, que os vizinhos da Robertina, no Interior do Ceará, não passavam fome. Para mim, isso não muda nada, porque a Robertina, o marido e os filhos viviam numa condição de insegurança alimentar aguda. Diante disso, resta respeitar os números. No Brasil, de acordo com uma pesquisa recente do Ibase, 11,5 milhões de pessoas, assistidas pelo Fome Zero, convivem com uma grave insegurança alimentar. O que dizer das milhares que estão fora do programa? O número está dado, a gente não tem como fugir.
OP - Para finalizar nossa conversa, queria recorrer a uma outra citação. O filósofo francês Jacques Rancière afirma que a melhor maneira de ficcionar a realidade é documentá-la. Isso, de certa forma, acontece com a sua cinematografia na passagem de Ônibus174 para Tropa de Elite. É possível pensar num desdobramento semelhante para Garapa?
Padilha – Eu confesso que não pensei sobre isso ainda. Aliás, eu não me atrevo nem a pensar. Acho que isso já foi feito. Vidas Secas, do Nelson Pereira dos Santos, é um grande filme e já fez isso por mim. Naquela ficção, de 1963, está essa mesma realidade que mostro agora em Garapa.
* entrevista para o jornal O Povo de Fortaleza, em 2 de maio de 2009
José Padilha - Eu não acho que a fome seja um fator determinante para a violência urbana. Acho, sim, que a fome é uma forma de violência muito maior que qualquer outra. O grande dilema da fome, enquanto violência, é que ela não é ocasional, ela é constante. Pelo menos aqui no Rio de Janeiro, aqui da Zona Sul do Rio, onde moro, no Jardim Botânico, não tenho como estabelecer um nexo direto. Infelizmente, não conheço outras realidades. Mas, pelo menos aqui, no Rio de Janeiro, onde filmei Ônibus 174 e Tropa de Elite, a fome não é determinante para a violência urbana. Aqui, a violência tem muito mais a ver com a corrupção política, com a má gestão da segurança pública, com o descaso com a educação, com a questão do tráfico de drogas. Claro que eu sei que, também aqui, os índices de pessoas em condição de insegurança alimentar são extremos, mas não arrisco dizer que está aí um motor da violência urbana da cidade do Rio de Janeiro.
OP - Seus outros trabalhos no cinema acabaram por exigir que você teorizasse sobre os temas de sua criação. Com isso, você passou a ser cobrado a dominar temas não necessariamente ligados ao cinema, como segurança pública, por exemplo. Isso tem se repetido em Garapa?
Padilha – De certa forma, sim, mas eu estudei bem menos para fazer esse filme que os outros dois. Garapa é um filme sobre como é passar fome. Queria fazer um documentário que mostrasse a fome do ponto de vista de quem lida com ela, e, não, dos especialistas. Por isso, me preparei menos. Embora tenha lido muito. Não à toa, cito o Josué de Castro logo começo do filme. Minha intenção, desde sempre, era mostrar a realidade da fome, e, não, explicar como ela se dá. Agora, eu acho completamente natural que o cineasta se apodere dos assuntos que discute. Isso é prova da complexidade do cinema. Hoje, depois de Garapa, eu discuto sobre insegurança alimentar com uma maturidade que antes não tinha. Para ser sincero, a fome era algo que desconhecia. Sabia que existia, mas nunca tinha visto.
OP - Que motivação você teve para retomar uma criação documental, tendo em vista a repercussão de sua estreia como diretor de ficção em Tropa de Elite, e por que falar de fome?
Padilha – Isso é interessante. Tropa de Elite e Garapa foram filmados juntos. Eu estava, ao mesmo tempo, envolvido num projeto de ficção e num outro documental. Essa distância de tempo entre eles só aconteceu por uma questão financeira. Foi mais difícil conseguir dinheiro para fazer um filme sobre fome. A idéia de Garapa não foi algo que amadureci. Na verdade, ela me chegou pronta. Numa conversa com o Francisco Menezes, do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), ONG criada pelo Betinho aqui no Rio, ele me provocou: “Padilha, por que você não faz um filme sobre fome? Um filme sobre a realidade de quem passa fome no Brasil?”. Isso mexeu muito comigo.
OP - De que forma você venceu a frieza dos números e encontrou as três famílias cearenses com as quais constrói sua narrativa?
Padilha – Eu pensava o tempo todo naquela frase em que o Betinho diz que “quem tem fome tem pressa”. O próprio Francisco Menezes me sugeriu uma estrutura narrativa para o documentário. A idéia dele é que eu acompanhasse a realidade de três famílias em condição de insegurança alimentar máxima, em diferentes regiões do Brasil. Foi ele, também, quem me indicou o Ceará. Ele me apresentou algumas instituições que trabalhavam no enfrentamento da fome em Fortaleza e também no Interior do Estado, com a intenção de que eu começasse pelo Ceará e percorresse outros estados brasileiros. Mas eu não consegui. Eu tive pressa. Em Garapa, eu não fiz nenhum trabalho de pré-produção. Eu fiz tudo aleatoriamente. Em Fortaleza, por exemplo, a família da Lúcia foi a primeira que encontrei no Centro de Nutrição do Conjunto Palmeiras. Garapa é um filme sobre a realidade de apenas três famílias, mas, eu não tenho receio algo em afirmar que, dos filmes que eu fiz, é o mais universal. Poderia ter filmado esse documentário em São Paulo ou na África, mas filmei no Ceará. E a fome no Ceará é exatamente a mesma fome de qualquer outro lugar.
OP - A princípio, você se coloca como mero observador, mas, aos poucos, tem sua equipe meio que afetada pela realidade que filma. Numa cena, você ajuda uma criança que está sofrendo com dor de dente. Em outro momento, tira a câmera de dentro de uma casa, diante do risco do marido, faminto, bater na mulher, de rabo cheio, como ele diz. Que tipo de relação você e sua produção estabeleceram com os personagens que acompanham?
Padilha – Nós acompanhamos cada família por um período de cerca de 30 dias. Começávamos as filmagens cedinho e seguíamos até a noite. Para mim, o olhar do documentarista é o olhar de uma pessoa qualquer. Justamente por isso, cada vez que a nossa relação ia aumentando com essas famílias, ficava mais e mais difícil de filmar. É inevitável que você não construa laços. A gente se aproximou, sim, do cotidiano dessas pessoas, mas esses dois casos que você cita têm dimensões bem diferentes. Quando eu dei o remédio para o garoto com dor de dente, não era exatamente o José Padilha cineasta. Era a pessoa, que não seria capaz de deixar uma criança sofrendo. Já quando nos retiramos da casa da Lúcia, naquele momento de briga dela com o marido, é porque achamos que a câmera pudesse estar estimulando uma agressividade maior dele. Mesmo assim, ficamos por perto, acompanhando. Por mais fortes que sejam as histórias de vida dessas três famílias que escolhemos aleatoriamente, eu não acho que esteja aí o grande diferencial de Garapa. O mais forte do filme é revelar essa cara da fome, que a maioria de nós desconhece.
OP - Interessado pela fome, você acaba denunciando uma realidade, na qual os problemas têm feições múltiplas. Em Garapa, a fome é agravada pela pobreza, pelo analfabetismo, pela falta de higiene, pelo descontrole natal, pelo alcoolismo. Em que medida as populações famintas têm domínio dessa complexidade?
Padilha – Essas pessoas sabem, sim, o que está acontecendo com elas. Isso não dá para negar. Elas sabem que aquela condição em que vivem tem uma série de fatores envolvidos. Agora, a fome é uma situação de fragilidade extrema. Com isso, por mais que possam até ter consciência, algumas questões, como o controle de natalidade, por exemplo, acabam sendo muito pouco discutidas. É muito forte uma espécie de fatalismo. Alguns assuntos, evidentes naquele cotidiano, só entraram em discussão porque eu provoquei. Nesses momentos, as respostas, para mim, são muito reveladoras desse domínio que você me pergunta. Num trecho, quando questiono a um dos pais se ele não acha que quanto mais filhos ele tiver mais difícil vai ser mais difícil de conseguir comida para todos, ele me responde com um “Deus dá”. É claro que Deus não dá, ou, pelo menos, não estava dando para aquela família.
OP - No filme, você tenta estabelecer com os seus interlocutores um debate sobre a eficácia do programa Fome Zero, grande bandeira da primeira gestão do presidente Lula. A reação é muito surpreendente, porque afasta qualquer possibilidade de especulação de assistencialismo. De fato, quem tem fome, acaba sendo favorecido de alguma forma. Você diria que o projeto transformou a percepção social para a problemática da fome?
Padilha – Eu sou um entusiasta do Fome Zero. O Governo acerta, e muito, quando dá comida a quem tem fome. A fome tem pressa. Agora, diante do problema da fome no Brasil, a ajuda ainda é insuficiente. Mesmo assim, não há como negar as contribuições. A situação da fome hoje em nosso País é menor que há alguns anos. Então, vejo, sim, como um instrumento extramente eficaz. Principalmente, por conta dessa transformação de percepção que você me pergunta. Hoje a fome é assunto nacional e é um problema que precisa ser enfrentado.
OP - Em Garapa, você acompanha o cotidiano de três famílias. O número parece modesto, mas o fato é que o panorama traçado é desolador. Desesperançoso. Por esses locais onde passou com sua equipe, foi identificado alguma exceção? Você encontrou algum contraponto de dignidade nesses mesmos cenários ou a fome é geral?
Padilha – Três famílias pode parecer um recorte muito limitado, tendo em vista os 963 milhões de pessoas em todo o mundo que, segundo a ONU, vivem em condição extrema de fome, mas acredito que Garapa dê um novo significado a esse número. Olha, a verdade é que eu não procurava essa exceção, por mais que, como você, eu também espero que ela exista. Sei, por exemplo, que os vizinhos da Robertina, no Interior do Ceará, não passavam fome. Para mim, isso não muda nada, porque a Robertina, o marido e os filhos viviam numa condição de insegurança alimentar aguda. Diante disso, resta respeitar os números. No Brasil, de acordo com uma pesquisa recente do Ibase, 11,5 milhões de pessoas, assistidas pelo Fome Zero, convivem com uma grave insegurança alimentar. O que dizer das milhares que estão fora do programa? O número está dado, a gente não tem como fugir.
OP - Para finalizar nossa conversa, queria recorrer a uma outra citação. O filósofo francês Jacques Rancière afirma que a melhor maneira de ficcionar a realidade é documentá-la. Isso, de certa forma, acontece com a sua cinematografia na passagem de Ônibus174 para Tropa de Elite. É possível pensar num desdobramento semelhante para Garapa?
Padilha – Eu confesso que não pensei sobre isso ainda. Aliás, eu não me atrevo nem a pensar. Acho que isso já foi feito. Vidas Secas, do Nelson Pereira dos Santos, é um grande filme e já fez isso por mim. Naquela ficção, de 1963, está essa mesma realidade que mostro agora em Garapa.
* entrevista para o jornal O Povo de Fortaleza, em 2 de maio de 2009
3 Comentários
Gostaria muito de saber como podemos ajudar diretamente as pessoas que aparecem no Documentário Garapa, ou outras na mesma situação de desespero e fome. Talvez pelo fato de nos inteirarmos da vida destas famílias, senti uma grande necessidade de fazer alguma coisa por elas, garantir-lhes pelo menos o básico. Meu email: csusanna@uol.com.br
Baixar o Documentário - Garapa - A questão da FOME no Brasil - http://mcaf.ee/i9hot
Também gostaria de saber como estão as famílias do documentário e o endereço para contato. Principalmente aquela em que estão no sertão, que há um garotinho de aproximadamente 02 na época, aquele com o corpo tomado por enfermidades. Meu contato: raquelexe@yahoo.com.br
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