sexta-feira, 12 de junho de 2009

A morte vista com outro olhar


Triste e serena

A morte vista com outro olhar


Adele Lazarin e Bárbara Camargo*

A partida (Departures / Okuribitu) traz à grande cena a temática da morte. Como é difícil lidar com ela, como é difícil perder alguém. É uma dor sem limites, sem atenuantes. A morte é um dos assuntos mais difíceis de ser tratado. A maioria se cala. “Seguir adiante e continuar a vida”, admitir isso é também admitir que nossa vida muda, não importa a maneira. Aceitar que nunca mais veremos alguém que amamos é extremamente doloroso. Alguns simplesmente não conseguem. Não existe receita que abrande a dor causada pela partida, e o mais impressionante no filme é a delicadeza na forma como essa “partida” é mostrada.

Daigo (Masahiro Motoki) é um apaixonado violoncelista que resolve voltar para sua cidade natal - junto com sua mulher, Mika - após ter a orquestra, em que trabalhava, dissolvida. Lá se vê frente a um confronto com algo que ele não sabia lidar: a morte. O personagem arruma trabalho em uma agencia especializada em acondicionamento de corpos, embora nunca tivesse visto um cadáver antes. Um trabalho considerado indigno e que Daigo, por vergonha, esconde de sua mulher.

O que o protagonista faz é justamente ajudar na partida. Ele prepara o corpo para uma última despedida da família e dos amigos. O filme, dirigido pelo japonês Yojiro Takita, não tem a intenção de mostrar como é o ritual da morte no Japão e sim como as pessoas a encaram, independente da cultura. A parte mais importante do ritual é quando Daigo maquia o morto e faz com que ele se pareça exatamente como era quando vivo, os que perderam alguém reconhecem a vida na morte e seu trabalho passa a ser respeitado. A vida é restaurada e Daigo traz, por um breve momento, a pessoa amada de volta à família.

Daigo realmente entra em conflito com ele mesmo quando inicia a nova profissão. Aceitar a morte é muito difícil, geralmente as pessoas não pensam nela. Era o que Daigo fazia. Ao começar a trabalhar como nokanshi ele passa a ver a morte com outros olhos e a encará-la. Ele acondiciona o corpo para acalmar a alma. Uma tentativa de trazer, para os que ficaram, paz e serenidade.

Outro tema abordado pelo filme é a relação do protagonista o seu pai. A presença ou ausência do pai na vida de um filho ou filha sempre deixará marcas e sempre influenciará nas escolhas futuras. No caso do protagonista de A partida, a falta do pai o fez sentir-se abandonado, o pai deixou Daigo e a mãe para fugir com outra mulher. As únicas coisas que faziam Daigo se lembrar do pai era a música que ele tanto gostava e também sua paixão pelo violoncelo. A paixão do protagonista pelo violoncelo é o presente que ele herda do pai, juntamente com a pedra-carta – pedra que o personagem trocava com o pai para dizer, através de sua textura, seus sentimentos, seu estado. Quando o instrumento é tocado, quando a música se sobrepõe às imagens igualmente poéticas, as cenas são simplesmente maravilhosas.

O modo como o conflito entre pai e filho é mostrado nos leva a crer durante todo o filme que conheceremos o pai de Daigo no final. E, de uma forma irônica, é o que acontece. Pode-se acreditar que neste momento do filme esteja presente o artifício do “destino”. Ele estava destinado a voltar à cidade onde nasceu e a fazer o trabalho que fazia. Foi somente assim que teve a chance de ver o seu pai uma última vez e poder perdoá-lo.

Talvez algumas coisas sejam previsíveis, talvez não. Talvez dependa do olhar do espectador. Talvez dependa do que o espectador tenha vivenciado e a sua sensibilidade.

A morte é realmente assustadora e mais ainda “para aqueles que ficam”. O filme é uma pedra-carta trazendo uma mensagem diferente da morte. Como na sua fotografia e bela trilha sonora ela é triste e serena, uma pedra-carta restaurando a imagem da morte para o espectador e para os que sofrem com o seu vazio.

* Adele Lazarin e Bárbara Alves são alunas de cinema na Facomb-UFG.

8 Comentários

Fernando disse...

Um belo filme... vocês captaram com muita sensibilidade os "enigmas" da morte.
Acho que o filme mostra com muita propriedade o quanto nós podemos aprender com a dor.
Parabéns pela resenha.

Candido Cesar disse...

Diferentemente do texto anterior, Adelia e Barbara procuram aprofundar sobre a temática da morte. Cinema não precisa ser visto necessariamente somente como forma. Bom texto e alavanca a questão central do filme que são as perdas.

Candido Cesar disse...

Diferentemente do texto anterior, Adelia e Barbara procuram aprofundar sobre a temática da morte. Cinema não precisa ser visto necessariamente somente como forma. Bom texto e alavanca a questão central do filme que são as perdas.

Anônimo disse...

Onde estão "Análise, comentário e interpretação"?

Maria Euci disse...

O filme é tudo isso mesmo: emoção e muito pensamento sobre a morte e a relação com o Pai. Bom textos das alunas Adelia e Bárbara.

Alysson Bruno M. Assunção disse...

Cândido,

O meu texto, na íntegra, aborda sim a temática da morte. Ele apenas não foi publicado por inteiro. Mas é como você mesmo frisou: para você o importante no filme é o conteúdo, e eu defendo, assim como o prof. Lisandro, uma estética da "formatividade", onde forma e conteúdo são indissociáveis.

Sob essa perspectiva, os temas debatidos podem ter uma abordagem não apenas sobre a temática, mas como o olhar do cineasta constrói a representação.

Dizer que o olhar do cineasta é similar ao hollywoodiano não é depreciar o tema do filme, mas lembrar que em "cinemas" há uma infinidade de possibilidades, e um cineasta não se filia a uma delas inadvertidamente.

Alysson Bruno M. Assunção disse...

Prezadas alunas de "Teorias" Adele e Bárbara,

Um belo texto, que mostra que vocês estão se esforçando nos estudos cinematográficos. Captaram muito claramente o discurso, o simbolismo e o fio condutor do filme, assim como os pontos universais da temática da morte, certamente tratada com um outro olhar na cultura japonesa, que convive e valoriza muito mais a Tradição.

Convido vocês agora à seguinte reflexão: baseadas nas nossas leituras de Adorno, em Industria Cultural e Sociedade, como vocês vêem a utilização da dos recursos fílmicos e simbolismos por Takita para gerar aquela sensação de que é o "destino", ou seja, de que sabemos o que vai acontecer, que o filme deixa?

Rodrigo Magalhães disse...

Eu assisti o filme, sem querer fazer análise. Adorei, ótimo. Assito primeiro sem analisá-lo, só sentindo. Mas este eu vou assistir novamente, e senti-lo novamente. A análise fica para vocês.

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