Woody Allen, desta vez você não me convenceu...
Caroline Pires*
Crimes e pecados me incomodou do começo ao fim, pela defesa da inexistência de Deus e pela bandeira de que quanto mais mornas forem nossas escolhas na vida, mais felizes seremos. Em uma estrutura sem grandes surpresas, o filme desconstrói a ideia judaico-cristã de que o bem vencerá o mal e investe, exageradamente, no oposto disso: os que se rendem à esperança da justiça são os primeiros a serem injustiçados.
Apesar disso, é impossível negar o mérito do personagem de Levy, ele faz o filme valer a pena. Embora discorde de grande parte do que ele afirma, e isso influencie em meu conceito sobre o filme, não posso negar que Levy é um personagem cativante. Sua figura frágil e a propriedade com que aborda temas existenciais de maneira cética se contrapõem, jogando-nos no meio desse impasse, obrigando-nos, de maneira delicada e cruel, a refletir sobre nossas próprias escolhas. Essa opção de Woody Allen seria genial, não fosse por alguns erros.
O primeiro deles é que ao mesmo tempo em que “ganha” o público pelo desafio dessa cansativa e fascinante tarefa, ironiza, por meio de um ceticismo sem medida, os crentes na justiça e em Deus. E é exatamente nessa interferência exagerada que eu volto a me aborrecer com o filme. Cansam a insistência e o direcionamento de pensamento que o diretor impõe. Ele se sabota no processo de fazer o espectador refletir, ao defender que a ausência de culpa, entendida como inexistência de Deus, limita-se à simples negação dos próprios erros.
O problema maior é perceber que, depois de Woody Allen construir esse discurso de descrença no mundo, a última cena ainda fale na “capacidade de amar” –apesar do final infeliz de todos os personagens que se entregaram a esse sentimento. Não que eles devessem obrigatoriamente ter um final feliz, mas há um nítido paradoxo no filme, ao fomentar o “exercício de amar” e, além de mostrar a infelicidade que isso acarreta, incentivar uma vida sem fé em nada e em ninguém. É possível amar assim?
É como se a narrativa dissesse: não ame tanto quanto este, não seja tão cético quanto aquele, leve uma vida medíocre e serás feliz! Woody Allen não conseguiu desvencilhar-se do que condena, e acabou por dar uma lição de moral no final. Mas, quando se trata dele, sempre ficam ecoando perguntas sem respostas... será que essa incoerência não foi proposital?
Vamos deixar de lado esta e outras perguntas, afinal, uma boa parte do prazer que o cinema proporciona está justamente nessas eternas reticências que os bons filmes inscrevem.
* Caroline Pires realiza TCC em cinema na Facomb-UFG.
5 Comentários
O texto da Carolina é muito bom. Eu gosto muito desse filme. Apesar de concordar com ela em muitas coisas, ainda o considero um dos melhores filmes do cineasta Allen.
O personagem do Levy é realmente apaixonante.
Deus não existe mesmo.
E acho que é por aí mesmo: "felizes seremos quanto mais mornas as escolhas".
Gostei; tirando o primeiro parágrafo.
Pessoas que acreditam em DEus nunca admitem um pensamento que exclua Deus. Me lembrei agora de um trecho de Danto que diz: "É claro que a crença sobre falsas coisas não são necessariamente falsas crenças, e cabe notar, que uma falsa crença é uma crença da mesma forma como uma falsa proposição é uma proposição"; e outra de Crioran: "A neurstenia; esta é para o homem o que a divindade é para Deus". No mais senti que houve um fascínio da autora pelo filme, o que é bastante compreensível.
Geraldo Iensen
Senhor Geraldo,
qual o problema em acreditar em Deus?
nenhum problema em acreditar, também nenhum em desacreditar.
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