A análise do filme propriamente comporta os três pilares: descrição (análise da obra cinematográfica), comentário e interpretação. Conforme afirmei no post anterior, na composição do texto os três se fundem, para constituir o que se denomina a análise do filme. A apresentação separada dos três tem função exclusivamente didática.
Um artigo de jornal ou revista (dei o exemplo dos textos da Isabela Boscov da revista Veja) comporta geralmente a interpretação (opinião jornalística) e o comentário. Não há a descrição, que é a análise propriamente dita, pois o propósito é informar e fazer uma avaliação, tendo em vista um objetivo mais imediato.
O que faço na TV Anhanguera, às sexta-feiras, é uma mistura de comentário (informações extrafilme, sobre produção, atores, indústria etc.) com opinião e divulgação. Penso que o espaço serve também para divulgar as salas de cinema, o “ambiente cinema”, difundir a ideia de que é bom ir ao cinema ver um filme, compartilhar coletivamente um prazer bem moderno.
A análise do filme
O comentário pode ficar no plano da informação, como no caso do jornalismo que acabei de exemplificar, mas pode também alçar-se ao plano do conhecimento. Diferentemente da crítica, a análise do filme, segundo Jacques Aumont, tem por objetivo “esclarecer o funcionamento e propor uma interpretação da obra artística”. Por isso, o comentário extrafilme oriundo do conhecimento (sociologia, psicologia, história, psicanálise) difere do comentário jornalístico.
Ele é um dos pilares da análise do filme porque contribui decisivamente para compreender o funcionamento da obra e para interpretá-la. Não adianta apenas ter conhecimento de cinema (história e linguagem) para fazer a análise. É importante e fundamental que o conhecimento de quem a faz, resultado do acúmulo de longos anos de vivência e estudo, faça sentido e que o ajude efetivamente a descrever e interpretar a obra.
O professor Rubens Machado pergunta: “Quais são os procedimentos específicos da análise, do comentário e da interpretação? Qual é o espectro de possibilidades práticas e estilísticas de cada procedimento, e como se articulariam no conjunto do texto?”
Geralmente, peço ao aluno para “blocar” o filme. Isso significa separar a tabela em quatro colunas. Ou seja, na primeira observar as sequências (cenas que comportam enquadramentos e planos; planos que comportam os ângulos de filmagem), anotando o tempo (minutagem), com um breve resumo do conteúdo (diálogos, vozes) e a indicação das alterações de enquadramento, planos e cenas. Essa blocagem pode ser separada em quatro colunas, deixando a mais à direita para breves anotações pessoais.
É um trabalho “chato”, conforme resmungam alguns alunos. Todavia, é o primeiro passo para o sucesso da empreitada. Sem a blocagem o trabalho é ainda maior e o analista pode encontrar sérios óbices mais adiante/lá na frente. Uma dica: feita a blocagem, fica fácil recordar uma sequência importante, recuperar um diálogo determinante ou mesmo apreender o “estilo” do cineasta.
A blocagem não precisa ser exaustiva (saturada e cheia de minúcias e detalhes), nos moldes dos procedimentos estruturalistas dos anos 70. Na maior parte das vezes, os adeptos dessa vertente teórica passaram a valorizar mais a “equação” do que o filme, daí a análise tornar-se ser quase sempre ininteligível.
Após a blocagem, que só deve ser feita depois de ver o filme mais de uma vez, é hora de iniciar a composição do texto.
No próximo post, vamos comentar a importância e as características da descrição (análise), do comentário e da interpretação, antes de sugerir caminhos para a análise do filme.
Abaixo um pequeno trecho de um exemplo de blocagem: filme "Juventude Transviada":
RUA/ JIM-BEBADO | Câmara no chão | |||
01:23 | DELEGACIA/ JIM | PM/P. conjunto | ||
02:11 | DELEGACIA /JIM-JUDY | |||
02:27 | DELEGACIA/JUDY-DELEGADO- CONFLITO COM O PAI | PC/PM/Campo-Contracampo/Close | ||
05:23 | DELEGACIA/JIM-PLATÃO SOLIDARIEDADE | |||
06:28 | DELEGACIA/JUDY-DELEGADO (p.c.) | Profundidade de Campo | ||
7 Comentários
Deve ser bem sabido Lisandro, mas lembro também o livro Ensaio sobre a análise filmica (Vanoye, F . & Goliot-Lété, A.) da Papirus, que trata do tema.
Olá João,
É um livro importante e eu o utilizo em sala de aula. Não concordo é com a ênfase dada ao "distanciamento" em relação ao filme. O livro passa a impressão de que é possível uma análise "totalmente racional".
Mas é sim um bom guia e não temos outras alternativas seguras para a empreitada da análise.
Blocar? hehe
Aula de cinema on-line open-source.
Viva o compartilhamento.
Professor; penso que deve ser o maior barato ser seu aluno. Ou não né, deve ser exigente pra caramba.
Valeu.
Sim Lisandro, minha crítica ao livro também é essa. Parece ser parte da obsessão da frieza científca que tomou conta da universidade.
Em outra coisa, no entanto, acho que discordamos: já fiz isso, mas penso que a tal blocagem deve ser usada com muita parcimnonia, pois acho um tipo de tentativa de se 'obejetivamente científico' também, um tanto chato para o leitor....
João,
Na verdade, a blocagem é apenas para ajudar depois na confecção do texto: lembrar cenas, diálogos, etc. Ela não pode ser exaustiva de forma alguma. Sou contra tb. essa "cientificidade".
A grande questão é o texto (subjetivo e singular) e a interpretação - que é praticamente infinita.
Mas vamos continuar a conversa.
Mais uma vez seu texto somou muito para o que busco entender.
Concordo com você em tudo. Acompanho os textos da Isabela Boscov, não porque sou uma leitora da Veja, mas porque adquiri a Cinemateca Veja, e com os exemplares dos filmes, vem sempre um comentário minucioso.
Queria que você tivesse sido meu professor na Universidade, mas ainda há tempo, pois pretendo tentar o mestrado logo logo...
Conheço seu blog já tem um certo tempo, no entanto só agora me permiti comentar.
Obrigada por me permitir escrever em seu blog. Assim que tiver algo que seja de proveito para seus leitores, pode ter certeza que mandarei.
Abraços...
Tatiana,
vou ministrar uma disciplina na terça, 18h, sobre análise de filme na praça universitária. se for conveniente: lisandronogueira@gmail.com
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