segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Quem quer analisar um filme?


A análise do filme, ou, por favor professor, eu quero uma receita para fazer crítica de cinema.


Lisandro Nogueira*


Quem gosta de cinema sempre se pergunta sobre a análise do filme. Como fazer? Existe um método? Um comentário no jornal pode ser chamado de crítica? No texto acadêmico cabem análise e interpretação?

Para começo de conversa temos que distinguir “Crítica” de “Análise”. Segundo Jacques Aumont, a primeira tem a “dupla função de informação e de avaliação”; a segunda, tem por objetivo “esclarecer o funcionamento e propor uma interpretação da obra artística”.

Para um professor de cinema a análise do filme é um “nó pedagógico”. As ciências exatas e da saúde comandam o meio acadêmico e levam a reboque as humanidades e as artes. O modelo “científico”, duro e rígido, importante para as exatas e saúde, não é o melhor caminho para as outras duas áreas. As humanidades e as artes deveriam trabalhar com o ensaio e não acompanhar o “texto científico”.

Enfim, ficamos encalacrados no modelo 2 + 2 é 4 das ciências duras e somos diariamente instados a aplicá-lo. Daí a ideia de que a análise do filme tem de ser objetiva. Não é possível e não existe método nenhum para tal empreitada.

O que podemos vislumbrar são orientações e vários caminhos possíveis para uma aproximação com o filme. O primeiro item a ser discutido é a relação do cinema com as outras áreas do conhecimento.

O “pessoal do cinema”, como eram designados antigamente aqueles que se envolviam de alguma forma com o estudo do cinema, sempre cobra das outras áreas do conhecimento (psicanálise, sociologia, psicologia, pedagogia) que não usem o cinema apenas como suporte para discutir ou debater temas..

Eu mesmo participei de inúmeros debates com psicanalistas que falam da psicanálise mas não enxergam o filme. Fazem comentários extrafilme e utilizam os pressupostos de uma área específica do conhecimento para “ver o filme”.

Não sou contra esse procedimento. Afinal, o cinema é uma prática social e pode e deve ser usado para refletir sobre o mundo. Porém, não resta dúvida de que um psicanalista que busca conhecer melhor o cinema, sua história e linguagem, vai enriquecer sua abordagem. Na verdade, ele vai mesclar o extrafilme, que traz da psicanálise, com o seu cabedal cinematográfico. Geralmente as análises feitas por Maria Rita Kehl e Jurandir Freire Costa são próximas do que estou exemplificando.

Por outro lado, é extremamente desestimulante ouvir ou ler um psicanalista que não fala sobre o filme. Ele descreve inúmeros personagens com um vocabulário psicanalítico distante da forma cinematográfica. Raras vezes são psicanalistas bem preparados. Muitas vezes, contudo, conquistam a plateia porque utilizam termos sedutores que vão ao encontro da demanda afetiva das pessoas. Os bons psicanalistas são cuidadosos e tentam mesclar o cinema com as teorias de Freud e Lacan.

Há também os “cine-chatos”. São aqueles que só aceitam o debate com o uso do “específico-filmico”. São geralmente oriundos da cinefilia estruturalista dos anos 70. As análises de origem estruturalista não conseguiram grandes resultados. Contribuíram muito até um determinado momento (o conceito de texto de Cristian Metz), meados dos anos 70, mas depois se mostraram insuficientes e inadequadas para abarcar o diálogo do cinema com as outra áreas do conhecimento (e também com a complexidade da mistura do narrativo-dramático com a emergência da nova plástica da imagem a partir da novas tecnologias de captação) .

As análises do filme empreendidas naquele momento mais se assemelhavam a “equações matemáticas” do que qualquer outra coisa.

Lembro-me também de uma aula na USP, no começo dos anos 90, sobre análise do audiovisual. A professora era de uma simpatia sem tamanho. Ao mesmo tempo, seus exemplos de análise, baseados em Greimas e Barthes (Barthes do anos 70 e não aquele dos anos 80), eram terrivelmente equivocados. Brincávamos que bastava colocar o filme de cabeça para baixo e estava pronta uma análise baseada em Greimas.

Dessa forma, para quem se pergunta sobre o “método” para a análise de filmes o melhor mesmo é aproveitar algumas contribuições teóricas do cinema e de outras áreas do conhecimento, gostar muito de ver e rever filmes, abusar da sensibilidade latente e lançar-se na prazerosa tarefa da análise. Afinal, não há modelo ou receita para fazê-la.

Eu, por exemplo, utilizo três pilares: o comentário, a análise e a interpretação – oriundos dos estudos literários. O professor Rubens Machado, da ECA-USP, trabalha com esses pilares. O comentário pode ser dividido em dois ramos. O primeiro, denominamos comentário extrafilme oriundo da informação. Essa é a atividade dos jornalistas. Geralmente reúnem inúmeras informações (sobre o diretor, produção, detalhes do orçamento, marketing, celebrização dos atores) e dão uma pitada de interpretação (opinião). É o que faz, por exemplo, Isabella Boscov, crítica de cinema da revista Veja.

O comentário extra-filme oriundo do conhecimento é aquele que o analista faz utilizando os estudos da psicanálise, da sociologia, da filosofia e outras áreas. Ele mescla com a descrição do filme, trazendo à tona as especificidades da linguagem cinematográfica. O ato de descrever o filme, seqüência por seqüência, já é a análise propriamente dita. Ao descrevê-lo mesclando o extra-filme com a linguagem cinematográfica, temos em mãos a base que suscita a interpretação. É necessário além da descrição (análise e comentários extra-filme) o momento primordial do “colocar-se no texto”.

Vamos continuar a conversa sobre a análise de filmes. No próximo post vou comentar mais alguns passos...

6 Comentários

Unknown disse...

Dr. Lisandro, ler seu texto neste momento, era tudo o que eu precisava.
Vou acompanhar seus próximos posts, pois tenho certeza serão muito úteis, para meus projetos futuros.
Obrigada de verdade por estas palavras.

De uma jornalista em fase de fundamentalização...
Tatiana

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Olá professor, como vai? Na sessão dos filmes em DVD do blog, havia arecomendação de um filme com o Al Pacino, que tratava da ambição e da forma de ganhar dinheiro fácil nos EUA. Vc lembra o nome? Eu não comento sempre mas sempre visito o blog para ler os textos. Um abraço!

Lisandro Nogueira disse...

Olá Tatiana Cristina e Victor Hugo:

Tatiana: obrigado!! Como sempre eu digo: o blog é aberto e estamos sempre conversando sobre cinema; apareça sempre e, caso queira, publique aqui o seu texto;

Victor: o filme de Al Pacino é "Um dia para relembrar". Fça seus comentários.

Um abraço,

Lisandro

Herondes Cezar disse...

A propósito desse assunto, gosto da ideia de André Bazin, que disse mais ou menos o seguinte: o texto deve prolongar na inteligência e sensibilidade do leitor o impacto causado pelo filme.
É o que tento fazer. Se consigo ou não, só os leitores podem dizer.
Abraços

Maria Euci disse...

Compreendo o que Herondes Cezar quer dizer. Só posso evocar a idéia de compreensão do filme, se ele permanecer comigo (ou como "indagação", nas palavras do prof. Lisandro) como perguntas.

Aí a minha sensibilidade vai dissecá-lo para o proveito meu e de quem se interessr.

Noto há muito tempo que não existem modelo para análise de filme e nem de outras obras. Valem a disciplina, sensibilidade, estudo e interesse.

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