domingo, 13 de dezembro de 2009

"Do começo ao fim" (em cartaz)

Caminhos da formação: aprendendo e ensinando
 


Lisandro Nogueira*



Nos anos 70/80 fui formado pelo Cineclube "Antonio das Mortes". Quando comecei a frequentar as sessões e debates ele  já era maduro e tinha um mestre: Ismail Xavier. Logo incorporei a "condição sensível" para ser um membro do célebre "Antonio das Mortes" (personagem principal dos filmes do Glauber Rocha). Essa condição poderia ser resumida assim: amar o cinema mas não ser condescente com ele. Amá-lo sem paixão e saber separar o joio do trigo. E mais: aprender que um filme bom é aquele no qual as indagações vicejam. É aquele que permance anos e anos na sua cabeça. Isto é, filme bom, para os membros do Cineclube, sempre foi o "cinema de autor" - de hollywood, europeu ou brasileiro. 


O conceito de "cinema de autor" é objeto de controvérsias até hoje. Os franceses o formularm nos anos 50/60 e significa um tipo de cinema que estabelece uma visão própria do mundo. Você pode concordar, discordar, gostar ou não gostar, mas ele, o filme, possui substância e, principalmente, atitude crítica.


Essa atitude não significa prescindir de sensibilidade. Você pode ver extrema sensibilidade no cinema de ruptura de Jean-Luc Godard, de Glauber Rocha ou no hollywoodiano Nicholas Ray (Juventude Transviada). Uma característica impulsionada pelo cinema de autor foi a idéia de formação (sensibilidade unida ao ideário da formação/aprendizado). Os bons cineastas e os melhores teóricos sempre foram grandes cinéfilos e bons leitores. Ou seja, procuraram  aprimorar e dar vigor ao "sensível" - já latente - vendo filmes e lendo livros. Em seguida, repassaram esse acúmulo de experiência e contribuíram  para o surgimento de novos críticos, novos cineastas e novos cinéfilos.


Formaram  gerações  com os filmes e os estudos cinematográficos. Meu trabalho principal hoje no cinema é formar pessoas interessadas. O trabalho de formação é árduo e requer muita paciência. Mas não tenho dúvida do prazer constante e dos aborrecimentos passageiros. 

O texto abaixo é do Renato Dantas. Ele aprimora seu tino crítico a cada texto. É mais um aluno que amadurece rapidamente e consegue edificar com firmeza uma boa visão de mundo via cinema.







 Do Começo ao Fim 

Renato Dantas*


     Do Começo ao Fim conta a história de um amor entre dois irmãos. E é isso. Basicamente, o filme de Aluizio Abranches baseia-se nessa premissa na tentativa de construir algo interessante. Francisco (João Gabriel Vasconcellos.) e Thomás (Rafael Cardoso), embora tenham pais diferentes, são filhos de Julieta (Júlia Lemmertz), uma doce e compreensiva mãe. Desde pequenos, os garotos, muito unidos, chamam à atenção os pais que parecem se preocupar com essa forte sintonia não tão comum entre meninos de mesma idade. Anos mais tarde, com a morte de Julieta, os rapazes, agora adultos, têm a chance de morarem sozinhos na casa da família, onde podem viver livremente aquela paixão. A partir daí, o que acompanhamos é uma espécie de história da vida privada dos dois. Simplesmente a trama se dilui, quase desaparecendo por completo, dando lugar a cenas esquemáticas, que parecem terem sido amontoadas umas nas outras a fim de dar volume ao projeto.

     A história é tão assombrosamente sem porquê de existir que ela consegue boicotar a própria polêmica que viria a causar. Afinal, trata-se de um amor entre irmãos uterinos. Incesto, um dos maiores tabus, na verdade, mais do que o tabu, há uma vedação social (quando não legal) explícita quanto à prática, em quase toda (se não em toda) sociedade humana conhecida. Um tema forte, capaz de suscitar infindáveis debates, além de muita polêmica. Ainda mais por se tratar de dois homens. E, ao contrário do que pensa Abranches, dois homens que se amam chamam bem menos atenção do que uma relação de incesto. Esse é, portanto, o mote da história. Mas o diretor parece ter confiado demasiadamente na capacidade de o tema gerar um grande filme. Esqueceu-se por completo de tecer uma trama à altura.

     Na direção, Abranches nos brinda com alguns momentos de puro constrangimento. A sessão tortura começa logo nos minutos iniciais, na cena em que Julieta aparece pela primeira vez. Nas duas sequências, que mostram a entrada da mãe na casa, o diretor opta por usar slowmotion - aquela câmera lenta -, uma forma óbvia e patética de mostrar a candura da personagem que, aliás, conserva uma eterna falta de expressão. A fotografia insiste em mergulhar o Brasil numa baixa luminosidade típica da Europa (nem as cenas de praia conseguem ser adequadamente iluminadas), empalidecendo até mesmo a casa onde se passa parte da trama: toda branca e cheia de janelas, não transparece toda a luz que poderia. Completando a obviedade na condução do filme, a trilha sonora pontua cada momento de forma até adequada, mas é tão esperada que parece mais uma escolha pedagógica a fim de ajudar o espectador a entender o que se passa diante dos seus olhos: em cenas na argentina, tango; nas românticas, balada ao piano.



     Aqui, as respostas não dadas pelo filme não são uma construção consciente do diretor com o propósito de provocar o espectador, recurso comum das grandes obras. É, ao contrário, negligência com a própria história. O estranho é perceber como o roteiro ignora tantas questões infinitamente mais interessantes de se desenvolver e se dedica a inúmeras cenas de sexo, com o fim em si mesmas (em sentido oposto, basta observarmos a maneira sutil e delicada com que Almodóvar trata tema semelhante no seu A Lei do Desejo). Ora, um filme com a presunção de insuflar debate e reflexão (porque ninguém pensa em falar sobre incesto sem essa pretensão), deveria se preocupar menos com o impacto gráfico e sem sentido das cenas de nudez, e mais em embrenhar-se nos aspectos psicológicos que motivam e/ou refreiam os personagens. Mas, talvez, eu me engane. É provável que alguém pense em tratar o tema incesto sem a intenção de provocar reflexão. Talvez, a polêmica seja o único objetivo. 

     Para quem acompanha o efêmero mundo das celebridades, sabe-se perfeitamente que muitas carreiras são sustentadas, à revelia da falta absoluta de talento artístico, pelo inegável dom de chocar as pessoas com comportamentos não muito convencionais. Polêmica tem, portanto, alto valor comercial. E não é difícil de perceber que a estratégia deu certo. O trailer desse filme, ao ser exibido na internet, meses atrás, virou recorde de visualização. O triste é perceber que o longa não acrescenta nada ao que fora exposto no seu resumo de dois minutos. Não posso deixar de ressaltar que, ainda que sem comprometimento, sua realização não é algo simples. Em uma sociedade tacanha e cheia de limitações como a nossa (o preconceito contra a mulher, o negro, o homossexual é um dado real, mesmo que o discurso corrente seja o da “sociedade multi-étnica e plural” tão difundido quando se fala, por exemplo, em cotas nas universidades públicas), colocar dois rapazes engalfinhando-se em cenas de sexo é um trabalho corajoso e importante do ponto de vista da representatividade que se obtêm. Mas quando o sexo subverte questões maiores, o resultado é um filme erótico estendido.

* Renato Dantas é aluno do seminário de análise de filmes na Facomb-UFG.

8 Comentários

Pedro Vinitz, Alemão e Patricia disse...

Pessoal,
estou de volta ao blog e hoje o chefe Lisandro me passou uma missão: editar mais um texto de um aluno da Facomb-UFG. Já tinha lido outros textos do Renato. Não entendo de crítica mas o Renato fez um texto bom prá caramba. Ontem, eu, alemão, Patricia e Ricardo vimos esse filme. Gostamos e não gostamos. Vamos acompanhar os debates e aprender com os alunos do Ganso (esse apelido dele quando era professor de primeiro e segundo graus)

Luisa Nogueira disse...

O filme está em cartaz no Lumiere do Shopping Bougainville.

Marcelo disse...

Esse negócio de cinema é complicado hein! Formar em cinema é difícil, poxa. E eu que pego a byke vou ao cinema sem pensar nessas coisas de autor... Estudar cinema deve ser muito legal.

Weiss disse...

O filme é arrastado, cansativo e raso. O "trailler" pareceu mais ousado e, acho, vai levar muita gente curiosa pro cinema. Uma "trama" sem conflitos, personagens "cabeças", Zona Sul chic, Montanhas, Buenos Aires... Me pareceu chichê turistico gay high society. Incesto "limpeza"?! Qual é!
Talvez, o final parece insinuar algum conflito, mostrando um "super-herói" carente, arriscando seu status diante de seu amado?
Filme fraquinho.

Rodrigo Cássio disse...

Renato, eu deveria ver o filme para comentar melhor, mas o seu texto ficou muito bom. Parabéns!

Expedito dos Correios disse...

Reanto, seu texto esclarece bastante sobre o filme. Os filmes sobre os gays geralmente são mal feitos e limitados.
As cenas de sexo são constrangedoras.

Expedito

Carlos dos Correios disse...

É um abuso de um diretor obscuro colocar na tela cenas tão deprimentes. Os gays merecem mais respeito. E o diretor é gay. Ele não sabe da luta contra o preconceito e porque instila o mesmo?
Filme ruim.

Anônimo disse...

bom o filme realmente não tem muitos conflitos, porem uma historia bonita e muito bem colocada, as cenas estão lindas, ousadas mais com um toque de requinte, afinal ser gay não é chupar o outro emum desses banheiros da vida, a historia trata-se de uma relação de muito amor envolvendo 2 homens, que são lindos por sinal hehehe, descordo dos ultimos comentarios vale muito a pena ver, acho que os de cima reclamam porque no filme começo meio e fim é total feliz, ae me pergunto tem que um pegar o outro fudendo na cama com outro cara? ser´que só isso que é interessante?

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