terça-feira, 30 de março de 2010

Alguem aí poderia ligar para o Spike Lee?


UM SONHO POSSÍVEL (white power)

 Alguém aí poderia ligar para o Spike Lee?

  Fabrício Cordeiro*

Como qualquer assunto relacionado a minorias, racismo é algo delicado, e o sofrido histórico da raça negra (e, em reflexo, na cultura/arte) gera tanto razões justificadas quanto visões míopes de um mesmo problema. Por mais bem intencionado que seja, o exagerado Crash, vencedor do Oscar 2006 de Melhor Filme, é exemplo de um racismo forçado, com o próprio filme se revelando um dramalhão igualmente racista por desejar para um gênio da lâmpada que discriminação racial esteja em absolutamente todos os lugares e assim defenda um argumento oco.

Um Sonho Possível (The Blind Side, 2009) é outro filme aparentemente bem intencionado, e também indicado ao Oscar de Melhor Filme, além de premiar Sandra Bullock como Melhor Atriz (ela que também esteve em Crash). Um dos cartazes traz um jogador negro simplesmente imenso afetuosamente acompanhado por Bullock enquanto entra em um campo de futebol americano, quase como uma versão NFL de À Espera de um Milagre.

O filme tentará convencer o público de que isso é a história verídica (“baseado em fatos reais”, informa) de superação de um negro que poderia ter se tornado vítima da violência e do crime, mas aproveitou uma oportunidade e se mostrou capaz de vencer na vida e no esporte para o qual seu corpo parece ter nascido. Entretanto, alguns podem vir a questionar que, na verdade, Um Sonho Possível está mais para um filme sobre uma ricaça branca cristã do sul norte-americano que, aparentemente por tédio, decide adotar e ajudar um negro atleticamente promissor.

Bullock interpreta sua Leigh Anne Tuohy numa atuação baseada em sotaque sulista. A personagem não é uma rica qualquer, mas esposa do dono de duas ou três redes de comidas gordurosas, como chicken wings. Típicos americanos que souberam tirar proveito do sonho americano prometido pelo capitalismo, uma minoria privilegiada, e que um elemento da numerosa “minoria” discriminada. Ah, esse povo branco cristão, sempre tão legal...


Religião, política e raça estão claramente expostas, mas o diretor John Lee Hancock os trata com a facilidade de um telefilme ruim. “Big Mike” entra numa faculdade por causa de um técnico munido daqueles discursos fibrosos que só filmes assim acreditam, e depois entra para essa família como se fosse um animal de estimação a ser domesticado. Quinton Aaron o interpreta como se fosse um grande urso à espera de um pote de mel, sempre com dificuldade para aprender (aulas) e receber instruções (futebol), a não ser que sua nova mãe cumpra a função do técnico (mostrado como um idiota) e faça uma metáfora sobre família, já que Mike teve mais de 90% em Instinto de Proteção em um exame. É quase como uma ficha de RPG: personagem tem número alto em alguma habilidade, a supermãe joga o dado e, num passe de mágica, o então jogador medíocre passa a mostrar um talento que será reconhecido por vários técnicos mais gabaritados. Família é tudo, minha gente.

Equipes técnicas tomando conhecimento de um vídeo e, posteriormente, entrevistando Big Mike são especialmente constrangedoras por trazerem o irmãozinho caçula, uma figura irritante de “garotinho espertinho” pela qual Hancock desenvolve fixação o suficiente para transformar o fedelho em alívio cômico. Um Sonho Possível é todo leve e de boas vibrações, sobrando até para Carter Burwell compor trilha bobinha (imagino que tenha feito nos intervalos de seu trabalho para Um Homem Sério, dos Coen), embora tenha rápidos flashbacks que serão transformados numa cena subitamente pesada no maior estilho “oh! que coisa!”. Essa cena envolve um criminoso e sua gangue de bairro predominantemente negro, o “outro lado”, personagem que, em certo ponto, será ameaçado por essa supermãe e mulher heróica no que talvez seja a “cena de moral” mais sem noção de todo o filme.

Além da presença de Sandra Bullock, que atrai mundaréu de gente até para A Proposta, o sucesso nas bilheterias norte-americanas parece encontrar explicação nessa figura da mãe inatingível representante de um típico pensamento norte-americano, o do conservador cristão de base familiar tradicional (casados, dois filhos), fazendo uma ação mais liberal, quase “alienígena” para essas pessoas – tem aí para os dois lados. Por fim, fica a impressão de que essa mulher não duraria meia-hora no também indicado a Melhor Filme Preciosa - que tem seus problemas, mas é essencialmente negro e penoso –, e nem 10 minutos num filme de Spike Lee.

* Fabrício Cordeiro é membro do "Cine-UFG, debates"



2 Comentários

Pedro Vinitz disse...

Pessoal,
essa idéia do Nogueira de abrir mais ainda o "blog" ficou legal. E o nome cineclube ficou melhor ainda. Vou dar uma força até o final do feriado para o mestre descansar. Diz estar muito cansado. É gozado, todo professor reclama de cansaço.
Fabricio você acertou em cheio. Odiei esse filme. Rodrigo matou a pau a "Ilha do medo".

Maria Euci disse...

Meu jovem Pedro, não sei quantos anos você tem, mas os professores trabalham muito. Fui professora 37 anos. Professor Lisandro, o "Cineclube" ficou bom mesmo.

Postar um comentário

Deixe seu comentário abaixo! Participe!

 

Blog do Lisandro © Agosto - 2009 | Por Lorena Gonçalves
Melhor visualizado em 1024 x 768 - Mozilla Firefox ou Google Chrome


^