Labirinto de emoções
Rute Guedes*
Em um labirinto metáforico e literal, um policial federal que perdeu a mulher num incêndio decide investigar as atividades de um misterioso hospital psiquiátrico prisional na década de 50, localizado numa ilha praticamente isolada do resto do mundo. O espectador adentra com ele neste universo onde as forças do inconsciente e as armas da ciência travam uma guerra contra a chamada loucura.
Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio, em mais uma boa atuação) é um policial obstinado em encontrar o paradeiro de uma paciente do hospital da ilha onde também pode estar internado o suposto assassino de sua mulher, um incendiário. O policial acredita que o lugar é também um centro de pesquisa para lavagem cerebral desenvolvido pelo governo americano ou por nazistas infiltrados nos EUA --ele ainda não sabe do que se trata exatamente. Na ilha, dos médicos e enfermeiros, passando pelos próprios internos, todos parecem ocultar um segredo. Para complicar a situação, o investigador é assombrado por pesadelos com a sua jovem mulher.
Da trilha sonora que lembra os efeitos antecipatórios de Psicose e Tubarão, ao cenário enevoado e sufocante dos filmes de fantasmas, passando pelo roteiro com reviravoltas e pistas falsas, o diretor manipula as emoções do espectador. Alternando clichês do terror psicológico com diálogos intrigantes, o filme envolve o público, cativado pelo protagonista e sua luta solitária que coloca em risco a sua vida e a própria sanidade. Abismos, corredores escuros, celas e um farol numa noite de tempestade lembram os chamados filmes de B de terror e de suspense -- numa sequência, o protagonista chega a se refugiar de um furacão dentro de uma cripta.
Noutra cena, centenas de ratos fogem de um caverna nas rochas. Estes fetiches dos filmes do gênero, porém, ao contrário de enfraquecerem a trama, só colocam em evidência o talento do cineasta. Mesmo ao lidar com elementos conhecidos, ele é capaz de surpreender o público, enredando a plateia com as assombrações do protagonista. Estas, por sua vez, remetem ao próprio imaginário de gerações formadas pela linguagem do cinema, de Hitchcock aos filmes de segunda categoria de Roger Corman, chegando ao Wes Craven dos anos 80 e desprezando, obviamente, o terror atual mais comum: do tipo meleca ou torturante como Jogos Mortais.
Scorsese, mais conhecido e celebrado por sofisticados filmes de máfia ou dramas históricos, arriscou-se poucas vezes pelo suspense, caso da polêmica refilmagem de Cabo do Medo. Desta vez, a violência aterrorizante de um monstro humano não é o fio narrativo da história: o intrincado mecanismo de culpa e memória de A Ilha do Medo é que faz as vezes da faca no chuveiro ou da barbatana de um tubarão branco.
* Rute Guedes é jornalista e crítica de cinema do Jornal O Popular - publicado em 17.03.
3 Comentários
Ótima crítica!
Rute,
Seu texto diz o que eu queria dizer. E disse!!
Pedro.
Vi o filme e achei bom. Leonardo Dicaprio novamente muito bem, não mais brilhante que em Diamante de Sangue, mas ainda assim, brilhante!
Parabéns pelo post!
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