terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Não existe complexidade igual a do amor fraternal"

Daniel Burman fala de "Dois Irmãos"

Exibido no Festival do Rio, filme do diretor argentino estreia no Brasil

filme estréia sexta-feira em Goiânia



Integrante da estrelada nova geração do cinema argentino, ao lado de Lucrecia Martel, Pablo Trapero e o oscarizado Juan José Campanella, entre outros talentos, o diretor Daniel Burman está no Brasil para divulgar seu quarto longa-metragem, “Dois Irmãos”. O filme entra em cartaz na próxima semana no país, mas ganha pré-estreias a partir de amanhã no Festival do Rio.

Celebrado pela crítica e vitorioso no circuito de festivais internacionais – ganhou o Urso de Prata em Berlim por seu primeiro longa, “Abraço Partido” (2004) –, Burman viu todos os seus filmes serem exibidos nos cinemas brasileiros – os outros são “Leis de Família” (2006) e “Ninho Vazio” (2008). “Dois Irmãos” é seu maior sucesso comercial na Argentina, com 500 mil espectadores, e reúne dois grandes astros do país: Graciela Borges e Antonio Gasalla, lenda do teatro local.

Gravado em dois povoados do Uruguai, o filme foi inspirado no romance “Villa Laura”, de Sergio Dubcovsky, gêmeo do produtor Diego Dubcovsky, há 15 anos sócio de Burman. A história flagra Marcos e Susana, casal de irmãos às portas da terceira idade que acaba de perder a mãe. Trambiqueira profissional, Susana convence o irmão a vender a velha casa da família em Buenos Aires e se mudar para um fim de mundo à beira do Rio da Prata. Em um jogo de interdependência e memórias de infância, os dois sofrem e crescem.
Em uma rápida conversa num cinema paulistano, Burman falou sobre as peculiaridades do amor fraternal, medos, a onipresença da família, velhice e sua relação de amor e ódio com os musicais clássicos de Hollywood – “devo acabar fazendo um”, confessou.

iG: Por que o interesse nesse projeto e em adaptar o livro?
Daniel Burman: Na novela estão muito bem construídos esses personagens que mantêm uma relação de dependência afetiva muito forte, e me interessou muito a forma de como em certo momento da vida esses vínculos se tornam muito frágeis e o único modo de resolvê-los é rompê-los e encará-los de uma perspectiva diferente, coisa que se pode fazer muito poucas vezes. O amor fraternal é curioso, porque os irmãos são perfeitos desconhecidos que queremos conhecer. São pessoas com quem compartilhamos a infância, mas sempre de perspectivas distintas. Não existe complexidade igual a desse amor. E experimentei com o livro algo não encontrei em nenhuma outra obra. Ao terminar de lê-lo, consegui colocar os personagens principais em situações novas e saber exatamente como iam reagir, o que iam dizer, como Sherlock Holmes ou qualquer outra figura mítica. Isso só acontece quando se está muito mergulhado no universo dos personagens.
iG: Mudaram muitas coisas do livro na transposição para o roteiro?
Daniel Burman: O trabalho com o autor [Sergio Dubcovsky , autor do roteiro com Burman] foi tão próximo que já não sei mais o que era do livro e do filme. Mudamos bastante coisa. A novela era mais sórdida, inclusive com homossexualidade. O filme é mais inocente.

 
iG: Você tem irmãos?
Daniel Burman: Sim, um mais velho, mas não trouxe nada da minha família. Diria que só a experiência de observação. Muitas vezes escrevo mais baseado nos medos. Os medos são mais reais do que as experiências, porque eles mantêm-se estáveis ao longo do tempo, talvez os mesmos por toda a vida. Diria que são mais autênticos.
iG: Mais uma vez, depois de “Ninho Vazio”, você filma aposentados, idosos. Por que o interesse nessa etapa da vida?
Daniel Burman: Me atrai como a alguém que quer seguir vivendo depois de uma determinada idade (risos). A princípio parece insólito, e quando vai se chegando mais perto, a perspectiva vai muda. Isso é fascinante. Quando se é garoto, pensamos que quando chegarmos aos 40, 50 anos, estaremos acabados, e lá perto, vemos que é uma idade fantástica. E assim acontece todo o tempo. É como correr atrás do horizonte: vai se caminhando, caminhando... até que se morre (risos). Me parece um mecanismo fantástico para continuar vivendo.
iG: Mais até do que a terceira idade, chama atenção também o uso da família, presente em todos os seus filmes.
Daniel Burman: Não conheço nenhum outro tema que não seja a família. A aventura de um pintor no Himalaia que pinta com a ponta do pé me parece irrelevante, assim como tudo o que é só excêntrico não é um tema para mim. Os únicos temas são aquilo que fazemos com nossos pais, nossos filhos, irmãos, pessoas com quem compartilhamos e repetimos nossa história. Não conseguimos nunca nos afastar da família, lamentavelmente (risos).
iG: Como foi o trabalho com essa dupla incrível de atores, Graciela Borges e Antonio Gasalla?
Daniel Burman: Foi um pesadelo, mas extraordinário (risos). Um sonho ter atores tão geniais e com uma força tão grande. É como estar comandando dois Boings, com uma mão em cada fuselagem. Manusear essa potência que eles têm e colocar os dois no mesmo plano exigiu um trabalho grande, mas me orgulho de ter encarado isso e conseguido fazê-lo. São muito profissionais, dedicados, e mantêm a postura de que tudo está sujeito a revisão até o último momento, o que é muito bom em um filme.
iG: “Dois Irmãos” foi gravado em plataforma digital, notória na exibição. Gostou da experiência?
Daniel Burman: Filmamos em RED [tipo de câmera digital]. Foi minha primeira experiência e foi extraordinário. As pessoas que dizem o contrário têm algum problema, porque não vejo nenhum sentido em voltar à película. As possibilidades que o digital proporciona, inclusive narrativas... Nem precisa ser um filme de efeitos, mas ajuda em detalhes na pós-produção, às vezes invisíveis. Tem a ver com melhorar, polir. Quando se projeta digitalmente até se vê a diferença, mas em cópias em película, não se nota.
iG: Qual é a sua relação com relação com musicais? Já haviam aparecido em “Ninho Vazio” e agora de novo, no final de “Dois Irmãos”.
Daniel Burman: Eu os odeio e me fascinam (risos). Me irrita muito quando os atores começam a cantar do nada, é tão ridículo, mas ao mesmo tempo fascinante. Graças a essa relação de amor e ódio, vou acabar fazendo um musical. A linguagem coreográfica, o movimento do corpo combinado com música e atitude, chega a um lugar que nenhuma palavra ou imagem consegue. Em “Cantando na Chuva”, por exemplo, não há outro modo de expressar Gene Kelly saltando com o guarda-chuva. Não existe nenhum mecanismo narrativo para chegar a esses lugares de emoção ou ânimo, é muito forte.

* entrevista publicada no site IG.

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