domingo, 17 de outubro de 2010

"Tropa de elite 2": fascismo na tela.

Um fascista como porta-voz da nação





Rodrigo Cássio


Capitão Nascimento, o protagonista dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, de José Padilha, é uma das personagens mais significativas do cinema brasileiro recente. Muito disso vem do trabalho magnífico de Wagner Moura, que parece encontrar no líder do Bope a personagem ideal para exercer um talento incontestável de ator. Mas o que mais importa, diante das pretensões discursivas dos próprios Tropa 1 e 2, é perguntar até que ponto – e de que maneira – a saga do emblemático policial pode questionar o “sistema” político e moral do Brasil, apontado pelo filme como fonte da violência e da anomia no Rio de Janeiro.

Em cartaz em Goiânia, Tropa de Elite 2 dá continuidade à trajetória de Nascimento, agora Comandante do Bope e Subsecretário de Segurança do Rio, e faz isso sem modificar a relação dele com o público, o que acaba se confirmando como um dos aspectos mais importantes na interpretação da obra. A relação público-personagem é sempre muito próxima e eficaz. Ouvimos desde o início a voz onisciente de Nascimento descrevendo e interpretando tudo o que acontece na trama, recurso que situa o policial como uma espécie de “filtro” para os olhos e ouvidos do espectador: ele possui o controle verbal da narrativa e a presença mais marcante em cena.

Desse modo, Nascimento obtém a empatia e o respeito do público, acentuados a cada vez que a sua vida pessoal tortuosa é abalada pela arriscada profissão. Acompanhamos de perto as dificuldades enfrentadas pelo policial obsessivo, e somos convidados a investir afeto na personagem. O ponto máximo a que essa relação chega parece estar na cena em que um político corrupto é espancado, em uma armadilha preparada pelo Bope, a mando do Comandante. Ali, não sabemos dizer se o nosso sentimento de justa vingança tem a ver com a corrupção ou com o fato de que aquele político pôs em risco a vida de um parente de Nascimento. As duas coisas estão juntas, e nos envolvemos igualmente com elas.

Em Tropa 1, essa identificação do público com Nascimento deu origem a especulações sobre um discurso “fascista” do filme. A hipótese pode até ser falsa, mas não é inteiramente descabida, já que Comandante Nascimento é alguém obcecado pela aniquilação dos “vagabundos” que corrompem o “sistema”. Para ele, trata-se de fazer uma “limpeza” na sociedade, e é isso mesmo o que costumam querer os fascistas. Se nos identificamos com tal visão de mundo, por conta de mecanismos narrativos do próprio filme, há algo em Tropa de Elite 1 e 2 que merece ser pensado, no mínimo, como sintoma de um cinema capaz de aproveitar sentimentos espúrios, avessos à cidadania, como forma de conquista do público – o seu sucesso de bilheteria, assim, seria também algum sintoma da nossa barbárie.

Mas os filmes oferecem outra chave para entender melhor e aprofundar essa discussão. Será que alguém acusaria Tropa de Elite de ter um discurso “fascista” se ele não pretendesse falar tão seriamente sobre os problemas sociais do Brasil? Não é o próprio Tropa de Elite que se arroga a tarefa de questionar o “sistema” e dizer ao público quais são os nossos problemas? Ora, parece adequado também procurarmos, nos dois filmes, as soluções que eles propõem, já que a vontade de acusar os problemas é imensa. E são essas soluções que nos revelam o dilema de Tropa de Elite 2: a tarefa ingrata de desenvolver uma personagem fascista, para edificar não exatamente um discurso fascista, mas sim uma crítica moralista das relações políticas mais gerais do Brasil.

Se Tropa de Elite não é fascista, o próprio Comandante Nascimento, em Tropa 2, usa o termo para se descrever a si mesmo. “Há quem me considera fascista”, diz em certa passagem do filme, como se nessa fala Tropa 2 respondesse aos críticos de Tropa 1. O exame de consciência é oportuno. Já que a identificação de Nascimento com o espectador continua, o seu “amadurecimento” forçado parece ser a saída para afastar de Tropa 2 o incômodo rótulo radical, e garantir a análise crítica da realidade. Logo, nosso perturbado herói percebe que o “sistema” é mais complexo do que imaginava, e que os seus desafetos (como um professor e político esquerdista) podem perceber coisas que ele não percebe.

Teríamos, aqui, a porta aberta para um Tropa de Elite mais interessante como discurso sobre o Brasil? Possivelmente, mas a chance é desperdiçada. O que Nascimento descobre sobre o país é que, veja só, a corrupção está mais disseminada do que parecia. “Mais da metade desses parlamentares deveriam estar na cadeia”, pronuncia ele em uma CPI, como um porta-voz dos anseios mais politizadores da sociedade. No fundo, tem-se uma mera aparência de politização, cuja força não é maior que a de um clichê qualquer, ouvido no ponto de ônibus ou na fila do banco, para depois se dissolver no ritmo sem fôlego do senso comum.

Nascimento aprendeu a falar do “sistema”, mas não a problematizar o “sistema”. É que ele está ocupado demais acreditando no Bem e no Mal, nos homens certos ou errados. Os problemas do Brasil, para ele, são eminentemente de ordem moral – o “inimigo” pode até ser outro em Tropa 2, mas a perspectiva pela qual Nascimento vê a realidade é a mesma, e não altera tanto assim o tom fascista da personagem. Em seu horizonte, persiste a meta de preparar um mundo limpo para homens limpos, sem algo além. Perto do final, Nascimento chega a dialogar com o espectador e fazer uma alusão tácita ao projeto Ficha Limpa. Não é por acaso. A redução da política a uma pseudo-mobilização em torno da boa moralidade está presente tanto nesse afamado projeto de lei quanto em Tropa 2.

O que os defensores (dessa lei e do filme) não gostam de ver é que a redução à moral é a própria morte da política, que cede lugar à mera seleção dos Bons ou Maus “administradores” da sociedade. Para problematizar o “sistema” seria preciso abstrair-se para fora dele, e incluir na análise também o que não é nocivo, sem estar, por isso, adoecido. Tropa de Elite 2 prefere direcionar o nosso afeto e confiança a um Comandante que elimina os homens podres do “sistema”, seja invadindo a favela para matar traficantes, seja dizendo a verdade sobre os políticos corruptos. O auge da sua ação é sempre o ataque contra um vagabundo qualquer. Revelação de uma constrangedora carência política no Brasil contemporâneo?

Rodrigo Cássio é mestre em cinema pela Universidade Federal de Goiás (UFG; publicado em O Popular.

28 Comentários

Henrique Soares Faculdade Direito-PUC. disse...

Com todo respeito professor, mas o senhor forma alunos que não gostam de filmes importantes só porque são assmiliados pelo público. Tropa de Elite é muito importante e de alta qualidade. Mister pudessemos ter filmes assim sempre no cinema nacional.

Rodrigo Cássios, cuidado com os professores que exigem muita criticidade. Veja também o lado do público e da economia dos filmes. O artigo é correto mas não tenta esmiuçar o porquê de tanto sucesso.

Porque os criticos detestam filmes que o público gosta e fazem sucesso? Qual o motivo para essa perseguição aos grandes filmes?

Professor, pense em formar alunos para ver grandes filmes e os motivos para o público gostar tanto deles.

Rodrigo Cássio disse...

Henrique,

Repare que o meu texto não deixa de falar sobre os motivos de Tropa de Elite 2 ter tanto sucesso. Nos últimos parágrafos, quando ressalto o vínculo do filme com ideias presentes no senso comum, é possível chegar a uma explicação possível - entre outras, claro - para esse sucesso.

Por que você afirma que os críticos detestam os filmes que o público gosta? Por que você considera um texto crítico, como o meu, uma "perseguição" ao filme? Poderia argumentar e evidenciar essa "perseguição" no próprio texto?

Franco JR disse...

Gostei muito do texto, parabéns, é bom ler opiniões diferentes ao do senso comum.

Victor Rodrigues disse...

Gostei muito do texto. Acho que fascista pode ser um termo muito forte. Embora algumas características batam, o impacto histórico da palavra parece não encontrar ressonância nas intenções do Padilha. Que não seja "fascista", vá lá, mas é pelo menos muito simplista, superficial, ingênuo por imaginar que o "sistema" possa ser higienizado de uma vez por todas.

O filme é desesperançoso, por tratar todos os políticos de forma generalista, e colocar a bandidagem como personagem dominante da trama.. e ao mesmo tempo é fantasioso, mexe com os fetiches do público, de espancar e humilhar o político, discursar na assembléia e prender todos os corruptos, criar o maior batalhão de todos os tempos...

Mesmo assim, não tendo pessoalmente um gosto muito grande pelo cinema do Padilha, acho um filme muito bem vindo. Alguns sairão da sala do mesmo jeito que entraram, outros com uma indignação passageira, e outros com a semente plantada.

PS: Você vai pra Mostra de SP? Descobri nesse fim de semana que vai acontecer, tô super perdido! Tens alguma lista de filmes "imperdíveis"?

Lisandro Nogueira disse...

Olá Henrique Soares, penso que você deve responder Rodrigo.

Há sim confluência nas idéias e, se ele, Rodrigo, assimilou algumas delas, fico feliz. Conhecemos um pouco da história do cinema clássico e do melodrama. Desta forma, não temos como nos enganar com esse filme.

Bom, apareça sempre. E fiquei curioso em ver sua assinatura: "Henrique...da PUC". É criativo. Uma sugestão: não deixe de ouvir "Cinema NOvo", cantada por Caetano Veloso.

Henrique Soares disse...

Eu só queria dizer professor Lisandro que os criticos de cinema são de má vontade com o cinema que consegue um bom público. Acho o artigo de Rodrigo Cássio bom e correto. Só acho que é sempre de má vontade com o cinema brasileiro de grande público. O senhor, me parece, também critica muito o cinema brasileiro de grande público. Eu não entendo é essa má vontade, só isso.

Tropa de elite 1 e 2 mostram o Brasil do jeito que ele é. Só isso. E qual o problema conquistar o público?

Rodrigo Cássio disse...

Olá Victor,

Entendo quando você diz que o termo "fascista" é pesado e tem um significado histórico muito forte. Percebo que muitas vezes esse termo é banalizado por aí, e nessa banalização vai-se embora a sua riqueza semântica mais precisa.

Mas quando assisti ao filme, não tive dúvida de que a palavra serve bem para definirmos os impulsos do Cap. Nascimento. É que nesse momento eu faço valer a perspectiva do Adorno, que é um autor importante pra mim: o fascismo não é apenas um sistema político, e nem está situado no passado histórico, no aparentemente distante séc XX. O fascismo é uma tendência sempre presente na cultura do capitalismo tardio, e tem muito a ver com a transformação dos homens em mercadorias (podemos "eliminar" alguém como amassamos uma lata de refrigerante, afinal).

Sobre a Mostra de SP, estou me programando para ir. Vamos manter o contato e conversamos mais sobre isso.

Um abraço

Daniel Dias disse...

Mestre Rodrigo , com todo respeito a sua publicação , se me permite dividir minha opinião com sua pessoa e os demais internautas, considero esta publicação um tanto quanto fora de sincronia e superficial com a realidade e sobre o que acontece no Rio de Janeiro . O filme não é "crítica moralista das relações políticas mais gerais do Brasil " sob nenhuma circunstância , visto que é um filme dirigido a todos , até mais em foco para as massas e isto se torna nescessário pelo total desprezo da maioria da população em se aprofundar no conhecimento das causas de nossos problemas . Por superficial que o filme seja , não é um filme que fala de forma moralista, mas creio que este foi o espaço diegético em que o autor e diretor do filme encontraram para trazer essa reflexão . Se o filme lhe pareceu "facista" , seria melhor fazer uma análise com mais dedicação ao filme ,pois junto com o interesse de bilheteria ,nota-se que há um interesse nessas causas e de dialogar com o público .

Rodrigo Cássio disse...

Olá Daniel, claro que você pode dividir a sua opinião.

Da minha parte, penso que se você ler "com mais dedicação" o meu texto, perceberá que o fato de que Tropa de Elite 2 é um filme para o grande público não desautoriza a minha crítica ao caráter moralista do seu discurso. Ao contrário: eu ressalto no texto que o filme dialoga muito intimamente com o espectador, por conta de certos recursos narrativos e de uma estrutura dramática que se divide em Bem e Mal.

É justamente ao analisar o filme com certa dedicação, e não simplesmente por acatar aquilo que ele pretender ser e dizer, que eu o considero uma obra moralista que não consegue realizar uma boa discussão dos nossos problemas políticos-sociais.

Rodrigo Cássio disse...

Franco JR, obrigado pela leitura. Um abraço.

Gustavo disse...

Parabéns, esta foi realmente uma brilhante interpretação sobre o filme! Porém, vou defender o filme em dois pontos:
1 - Por mais "simplista" que possa ter sido a demonstração do filme sobre a relação entre política e corrupção, tendo foco maior sobre um "CPI das milícias" fictício, acredito que o filme foi feliz na demonstração, pois percebo que a maioria das pessoas que foram ver o filme sabem que existe corrupção na política, mas não sabem como ela se desenvolve e quais são seus efeitos sobre a sociedade, o que causa uma surpresa no público, e parte do sucesso do filme se dá por isso.
2 - Querer que o capitão Nascimento mude de um policial truculento e fascista para um "filósofo sobre a política brasileira" seria meio estranho hehehe!

Rodrigo Cássio disse...

Olá Gustavo,

Eu diria que o maior público, de algum modo, sabe bem como a corrupção se desenvolve. Poucas coisas são tão alarmadas e noticiadas que a corrupção no nosso país. Tropa de Elite reitera aquilo que já está visível e denunciado o tempo todo na mídia. A pergunta que faço é: qual a validade desse discurso crítico se o filme não possui virtudes formais que o diferenciam de tantos outros filmes "de ação" pertencentes a esse mesmo mundo que ele pretende problematizar?

Não é que eu exija uma transformação do Capitão Nascimento em algo que ele não pode ser. Por isso a crítica tem que falar do filme como um todo, uma construção estética e formal. Nesse sentido, por que não poderíamos questionar aquilo que o filme é? Há outros filmes, outras propostas... O que você disse pode acabar anulando o papel da reflexão. É como defender uma novela da Globo dizendo: "ah, mas isso é uma novela da Globo, o que você queria?"rsrs.

Um abraço, e obrigado pela contribuição.

Guilherme disse...

boa tarde, muito interessante sua interpretação, tanto que mesmo depois de ter pensado muito sobre o filme tive que repensar várias vezes após ler seu texto. você não chamou o padilha de fascista, mas muita gente fez esse comentário após o primeiro filme e eu acho isso um absurdo, pois eu acho que ele quis muito mais denunciar um problema, mostrar a realidade e nao defender um ponto de vista. agora o filme se passa pelo ponto de vista do nascimento, esse sim poderia ser chamado de fascista, mas padilha nunca quis transforma-lo em um heroí, quem fez isso fomos nós. padilha quis chocar, as pessoas deveriam ficar horrorizadas e nao maravilhadas. e eu acho que o nascimento realmente amadureceu, chega ao final do filme completamente desmotivado, quase sem forças, ele percebe que toda luta que ele teve na verdade nao serviu pra nada, isso nao muda o que ele fez, mas é de certa forma um amadurecimento, ele passa a respeitar o Fraga. realmente ele nao problematiza o sistema, mas o filme faz esse trabalho e de qualquer maneira nao acho que o filme tenha a pretensão de ter a profundidade de uma tese(nao sei se esse seria o termo), mas muito mais causar um impacto, fazer com que as pessoas reflitam, despertar certas emoções, despertar um interesse por uma vida politica mais ativa, mas principalmente desbanalizar a violência. as pessoas passsaram a achar a violência uma coisa normal, a vida ta banalizada, e nisso o filme é perfeito, causa um impacto que é pra acordar as pessoas. o filme, além de divertido, cumpre o seu papel,só nao espero que 500 anos de alienção e passividade acabem de um dia para o outro. E como amante do cinema, nao posso deixar de comentar a atuação do wagner moura que é impressionante. um grande abraço.

Rodrigo Cássio disse...

Olá Guilherme,
Muito legal a sua leitura atenta e a reflexão, obrigado. Discordo que o próprio filme não faça de Capitão Nascimento um herói. Há aspectos na construção da personagem que o posicionam no lugar de um herói melodramático (típico enredo de Bem X Mal), ainda que a "boa moral" que o caracteriza seja deturpada. Tanto é que ao final do filme ele está discursando na CPI com a voz da verdade, contra os políticos corruptos. Essa ambiguidade (ser fascista/ser herói) é o grande problema do filme, que pesa negativamente sobre a proposta do Padilha. O que digo é que o Padilha não conseguiu resolver esse problema, e nós somos forçados, como espectadores, a uma identificação com um "herói fascista". Isso indica os limite do filme como uma crítica da nossa realidade. Não acho, portanto, que ele vá contra a banalização. Ele banaliza muito mais.
Um abraço!

Renata, professora de sociologia. disse...

Olá Rodrigo,

Antes de qualquer coisa, o que vou dizer aqui é uma interpretação, e uma primeira interpretação, então pode ter muitos enganos.
Gostei muito do seu artigo, mas especialmente do debate por meio dos comentários. Também gosto muito do Adorno, e devo dizer que a acusação que um dos comentários acima faz de que a sua crítica é por princípio contrária àquilo que faz sucesso é uma crítica que o próprio Adorno sofreu diversas vezes (De que ele é elitista ou que tudo o que o povo gosta é por princípio ruim). E que ele mesmo denunciou, como uma justificativa da indústria cultural para abaixar o nível de complexidade de suas produções.
Falando de uma forma geral (não especificamente do filme), é a indústria que considera que "as massas" (outro termo complicado) não compreenderão a obra se ela for complexa. O que não é verdade. Nem que a obra não fará sucesso se tratar o assunto de forma mais profunda. E assim nós nos educamos para a mediocridade. Para a obra que não une forma e conteúdo.
Voltando ao tropa 2, ele traz uma proposta interessantíssima. A de responder às críticas recebidas pelo Tropa 1. Entretanto essa proposta não se realiza. Parece-me que as críticas não foram assimiladas. Simplesmente se respondeu a elas dentro daquele mesmo prisma do primeiro filme. Pois se se tivesse assimilado as críticas, seria necessário complexificar a questão ainda mais.

Guilherme, eu pensava como você quando ouvi as primeiras críticas ao Tropa 1. Que o "fascismo" não estava no filme, mas na sociedade. Que o filme apenas apresentava a realidade, e que a recepção foi fascista. Entretanto, ao reassistir o filme, vi elementos no próprio tropa que abrem a possibilidade para uma leitura como essas do filme; esses elementos estão na forma do filme... na montagem, na trilha sonora, na narração... O problema é que a uma primeira vista nós não nos prendemos tanto a toda a dimensão não-verbal presente no filme.
Assisti ontem ao Tropa 2 no cinema. Muitos amigos meus vieram falar comigo sobre o filme, e disseram que achavam que ali havia mais reflexão, era melhor do que o primeiro. De fato, no conteúdo, o segundo filme é melhor do que o primeiro. Mas a forma continua a mesma. E com montagem semelhante, a mesma trilha sonora e o ar mocinho do Nascimento (desta vez mocinho injustiçado), não é mesmo possível tratar as coisas em toda a sua complexidade.

Rodrigo Cássio disse...

Renata,
Seu comentário é perfeito. Eu assinaria tudo o que você escreveu. Fico feliz, pois é cada vez mais raro encontrar pessoas com quem se pode dialogar criticamente sobre um filme como Tropa de Elite e não ser acusado insanamente de "elitismo".
Não deixe de voltar aos blogs para debatermos mais. O meu está em http://vistoseescritos.opsblog.org

Fabio Fagundes disse...

O choque de realidade empregado pelo fantástico cineasta brasileiro José Padilha em sua maravilhosa obra “Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro” é algo assustador. Nos faz pensar sobre a complexidade do sistema político brasileiro como base de uma rede de interesses que está longe de alinhar-se aos interesses da população. Ao contrário, o que importa são os interesses de pequenos grupos...

Este filme nos traz uma reflexão sobre qual o Brasil que queremos. Pois temos uma massa de políticos “ficha suja” que se preocupam em derrubar a lei chamada ficha limpa, no supremo, como forma de se manter no poder.

Bom, em um país onde Fernando Collor de Mello foi candidato em 2010, além das fantásticas presenças na mídia de José Dirceu, Palocci, e toda a corja de bandidos travestidos de políticos, o que podemos esperar deste país?

Acredito que algum palhaço poderia dizer: pior do que tá, não fica! É Brasil, o mais votado deputado federal de 2010 não passou na prova de ditado!

Temos muito o que repensar neste país. Já passou da hora deste povo levantar a bunda da frente da novela para brigar por um país melhor.

Obrigado, Padilha, por trazer à tona esta triste realidade!

Escrito por: Fabio Fagundes
http://admempreendedorismo.blogspot.com/

Rodrigo Cássio disse...

Caro Fabio Fagundes,

Você já assistiu ao filme "Blá blá blá", do Andrea Tonacci?

Obrigado por exemplificar a banalidade que o filme do Padilha nos leva a chamar de "crítica".

Daniel disse...

Estamos confundindo autor e narrador. Pela mesma lógica do professor Rodrigo Castro, Machado de Assis seria um cara patologicamente ciumento, já que narrou pela voz de Bento Santiago. E, pela lógica, Dom Casmurro seria uma obra machista. Por favor... A série Tropa de Elite tem se revelado como uma das melhores obras do cinema brasileiro, principalmente pela pluralidade de perspectivas, pela riqueza psicológica dos personagens, pela sua ausência de precisão moral e, principalmente, por descolar de forma brilhante o narrador do autor.

Rodrigo Cássio disse...

Caro Daniel,

Aponte no texto ou em meus comentários o momento em que eu afirmei que José Padilha é fascista.

Como sei que eu não disse isso em lugar algum, não entendo a sua objeção. Você cita uma "lógica" que seria minha, mas essa "lógica" que você cita me é estranha, nunca foi minha.

Sobre as qualidades de Tropa 2, realmente discordo de tudo o que você disse. "Pluralidade de perspectivas" com aquela voz off interpretando as cenas para o espectador? "Ausência de precisão moral" em um esquema de vilania e virtude que centraliza nossos problemas na corrupção e na falta de "homens bons"? Será que assistimos ao mesmo filme?

Daniel disse...

Caro Rodrigo, você não afirma, mas considera a especulação, no quarto parágrafo, cabível. Eu, todavia, a considero descabida e absurda. Mas deixa isso pra lá, vamos ao que me interessa.
O narrador não "interpreta para o espectador", e sim evidencia a sua perpectiva, particular, que é apenas uma parte desse todo que é o filme. A comparação que fiz com Dom Casmurro não é à toa. Quem pensa que Bento Santiago está interpretando cenas para o leitor tende a pensar que Capitu é de fato infiel. Mas o "todo" é muito maior do que a visão do narrador. Estou seguro de que as opiniões que o narrador Nascimento deseja passar não se equivalem sempre às mensagens que o filme Tropa de Elite comunica. E é aí que mora grande parte de sua genialidade - a independência das vozes.
E para mim é claro, também, que existe falta de precisão moral: não é possível definir se Nascimento ou Fraga são bons ou ruins. Cada um ora é bom, é mau, é intolerante, é oportunista. As figuras morais e psicológicas são mais ricas do que estas definições. Nesse quesito, aliás, o Tropa de Elite 1 dá de 10 a 0, porque não poupa ninguém. Todos ali são culpados por sua parcela individual de babárie dentro do "sistema". Já o Tropa de Elite 2, de certa forma, absolve grande parte das individualidades para culpar um ser abstrato: "o sistema".
De toda forma, penso ser um filme riquíssimo, tão rico que talvez não caiba num país intelectualmente patrulhado como o Brasil.
Abraço

Rodrigo Cássio disse...

Daniel,

Sejamos realmente precisos. O que eu considero cabível, no quarto parágrafo, é a especulação sobre um "discurso fascista", não sobre Padilha ser fascista ou sobre o filme ser um tipo de "cinema fascista", pois um conceito como esse explicaria muito pouco. Há diferença importante entre autor, filme e discurso, e não vejo motivos pra considerar absurdo e descabido que o discurso de um filme sobre o mundo reverbere o "estado de espírito" do fascismo. Estou falando de discurso - não é do autor/Padilha, nem é uma mera classificação do filme em um tipo de cinema específico. É uma análise que busca, ao mesmo tempo, as dimensões estética e sociológica que caracterizam o objeto analisado - por isso falei em discurso, abstraindo do objeto na direção das ideias presentes numa sociedade - a nossa.

A sua tese de que o todo é maior que a visão do narrador é interessante, e a comparação com o Machado de Assis também, dentro dos limites em que podemos comparar a narrativa de um filme e a narrativa de um livro. Mas dentro desses mesmos limites eu diria que o problema de Padilha é justamente não ter a genialidade de um Machado de Assis. Se há vozes dissonantes em Tropa 2 (será que há mesmo?), elas são "canalizadas" problematicamente por aquilo que você vê como um fator positivo: a acusação de que o "sistema" é o verdadeiro inimigo. Dito de outro modo: toda modulação que promete aprofundar as personagens acaba servindo para reafirmar a presença do Bem e do Mal como os dois elementos fundantes de um sistema indesejável cujo cerne é a corrupção (isto é, um "defeito" fortemente ligado à moralidade). É que a estrutura de Bem x Mal não se resolve necessariamente nas personagens (ainda que, é claro, revele-se fortemente por meio delas, sobretudo quando o filme assume aspectos de drama doméstico). Na estrutura que canaliza os ímpetos e comprometimentos de cada um, o amadurecimento de Nascimento é insuficiente para extraí-lo das relações conflituosas e polarizadas que fazem de uma CPI (no desfecho) a equivalência metafórica das favelas em que traficantes e o Bope se confrontam - ali também, durante a fala "redentora" de Nascimento,o que vale é a defesa da correção moral, a limpeza que prega contra os políticos dizendo que a maioria deles deveria estar na cadeia - um nauseante e improdutivo "mais do mesmo". É certo que a virtude e a vilania estão em um contínuo reposicionamento na trama, mas antes de tudo preserva-se a essência desses dotes morais (reposicionar e dar nuances aos valores não significa deixar de usá-los como modo substancial de explicar a realidade, e é isso que o filme faz) - é aí que o moralismo de Tropa 2 conduz ao olhar (limitadíssimo) que Padilha nos apresenta como verdade urgente sobre o país. Nesse sentido, é notável o lugar sutilmente protegido que o filme destina ao próprio Bope. Repare que o disciplinado batalhão é na maior parte do tempo uma espécie de "mal necessário" sempre pronto para servir aos melhores objetivos - quando Nascimento se rebela contra os políticos, quem está ao lado dele? Quem salva a sua vida no atentado? O Bope muda de função, mas não muda a sua verdade.

(...)

Rodrigo Cássio disse...

Daniel,

Sejamos realmente precisos. O que eu considero cabível, no quarto parágrafo, é a especulação sobre um "discurso fascista", não sobre Padilha ser fascista ou sobre o filme ser um tipo de "cinema fascista", pois um conceito como esse explicaria muito pouco. Há diferença importante entre autor, filme e discurso, e não vejo motivos pra considerar absurdo e descabido que o discurso de um filme sobre o mundo reverbere o "estado de espírito" do fascismo. Estou falando de discurso - não é do autor/Padilha, nem é uma mera classificação do filme em um tipo de cinema específico. É uma análise que busca, ao mesmo tempo, as dimensões estética e sociológica que caracterizam o objeto analisado - por isso falei em discurso, abstraindo do objeto na direção das ideias presentes numa sociedade - a nossa.

A sua tese de que o todo é maior que a visão do narrador é interessante, e a comparação com o Machado de Assis também, dentro dos limites em que podemos comparar a narrativa de um filme e a narrativa de um livro. Mas dentro desses mesmos limites eu diria que o problema de Padilha é justamente não ter a genialidade de um Machado de Assis. Se há vozes dissonantes em Tropa 2 (será que há mesmo?), elas são "canalizadas" problematicamente por aquilo que você vê como um fator positivo: a acusação de que o "sistema" é o verdadeiro inimigo. Dito de outro modo: toda modulação que promete aprofundar as personagens acaba servindo para reafirmar a presença do Bem e do Mal como os dois elementos fundantes de um sistema indesejável cujo cerne é a corrupção (isto é, um "defeito" fortemente ligado à moralidade). É que a estrutura de Bem x Mal não se resolve necessariamente nas personagens (ainda que, é claro, revele-se fortemente por meio delas, sobretudo quando o filme assume aspectos de drama doméstico).

(...)

Rodrigo Cássio disse...

Na estrutura que canaliza os ímpetos e comprometimentos de cada um, o amadurecimento de Nascimento é insuficiente para extraí-lo das relações conflituosas e polarizadas que fazem de uma CPI (no desfecho) a equivalência metafórica das favelas em que traficantes e o Bope se confrontam - ali também, durante a fala "redentora" de Nascimento,o que vale é a defesa da correção moral, a limpeza que prega contra os políticos dizendo que a maioria deles deveria estar na cadeia - um nauseante e improdutivo "mais do mesmo". É certo que a virtude e a vilania estão em um contínuo reposicionamento na trama, mas antes de tudo preserva-se a essência desses dotes morais (reposicionar e dar nuances aos valores não significa deixar de usá-los como modo substancial de explicar a realidade, e é isso que o filme faz) - é aí que o moralismo de Tropa 2 conduz ao olhar (limitadíssimo) que Padilha nos apresenta como verdade urgente sobre o país. Nesse sentido, é notável o lugar sutilmente protegido que o filme destina ao próprio Bope. Repare que o disciplinado batalhão é na maior parte do tempo uma espécie de "mal necessário" sempre pronto para servir aos melhores objetivos - quando Nascimento se rebela contra os políticos, quem está ao lado dele? Quem salva a sua vida no atentado? O Bope muda de função, mas não muda a sua verdade.
Cinema é texto, mas também é imagem. A voz off de Nascimento interpreta o filme na relação que mantém com as imagens, e não apenas na relação que mantém com o espectador; na literatura, o texto é a própria "imagem", não há outra referência sígnica mediando a relação do sujeito do discurso – que não é o narrador, mas passa por ele - e o leitor; por isso também a comparação com o caso de Dom Casmurro é imperfeita; seria preciso analisar as imagens de Tropa 2. Tal como são dispostas em Tropa 2 (e cada filme "cria" essa disposição de um modo próprio, cada filme deve ser analisado em si mesmo), a voz off de Nascimento é sintoma recorrente do discurso possivelmente fascista de Tropa 2: observe uma das cenas finais, quando Nascimento (em off) dialoga com o espectador e pergunta: "quem banca tudo isso?". Há uma cumplicidade do narrador com o espectador que é flagrante para a pretensão da obra de criticar a realidade brasileira. O que "deve ser" o espectador para quem Nascimento dirige aquela pergunta? Quais as implicações dessa maneira de narrar? Quem "deve ser" o dialogante de Nascimento? Por que um filme recorre a esse tipo de relação tão imperativa entre texto-imagem-espectador-moralidade para falar das mazelas brasileiras? Tropa 2 pode até ser um filme de "boas intenções", mas o resultado é apenas pretensioso e muito pobre, feito sob medida para caber, por exemplo, na visão torta que muitos possuem dos intelectuais - como a de que toda crítica a um filme de sucesso é produto de patrulhas, o que não me deixa surpreso com a frase final do seu comentário elogioso ao filme.
Abraços

Anônimo disse...

Só esquerdista consegue ver FASCISMO em um País onde só existem partidos de Esquerda e no MÁXIMO Centro-direita, onde o partido dominante ( PT )tem claras ligações com regimes socialistas e até com as FARC.

Queria eu estar no Fascismo mesmo, talvez eu não tivesse dado o azar de ler uma análise tão RIDÍCULA como a desse blog.

Anônimo disse...

Tenho uma notícia bombástica de um integrante do filme Tropa de Elite. O ator Sandro Rocha, que interpretou o papel do major Rocha,que fez muito sucesso no filme. Hoje ele está ganhando dinheiro com internet. Acesse este post interessante, de uma celebridade trabalhando com negócios online.

http://blogganhardinheiro.net/index.php/ganhar-dinheiro-internet/sandro-rocha-sargento-corrupto-de-tropa-de-elite-agora-trabalha-mundo-virtual/

Atenciosamente,

Maurício

Rodrigo Cássio disse...

Ei Anônimo, vá estudar um pouco a psicologia do fascismo. Quem sabe você identifica os sintomas que estão na sua própria agressividade? Abraço de esquerdista.

Luiz Felipe disse...

Rodrigo, li a sua crítica e concordo com ela.

Gostaria de saber de você quais os aspectos dentro da narrativa achas que o filme deveria abordar, articular para fugir dessa visão simplista e limitada do real problema desta sociedade tão prejudicada pelo "sistema", como é dito o tempo inteiro no filme?

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