quinta-feira, 24 de março de 2011

"Somos todos ciborgues"

"Somos todos ciborgues", diz filósofa digital

DIÓGENES MUNIZ*


Como boa parte daquilo que bomba na web na velocidade da luz, Amber Case é jovem (tem 24 anos) e se apresenta com um trabalho potente, porém embrionário (o primeiro livro dela deve sair ainda neste ano).
Na revista "Fast Company", uma das publicações sobre inovação e tecnologia mais respeitadas, a jovem foi descrita como "nativa digital do futuro que viajou de volta no tempo para nos ajudar a descobrir como pensar".

Suas palestras foram dadas, por exemplo, ao ciclo de conferência TED (Technology Entertainment and Design) ou ao prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. Nelas, Case prega que a tecnologia humaniza ao mesmo tempo em que nos dá status de ciborgues.



Norte-americana Amber Case

"Não somos como Robocop ou o Exterminador do Futuro", diz, "mas somos ciborgues toda vez que olhamos para uma tela de computador ou quando usamos os dispositivos dos nossos celulares".
Somos ciborgues "mentais", portanto. Em vez de usarmos pernas robóticas, temos supercelulares, extensões da nossa capacidade de ouvir e se locomover.


Afinal, se precisarmos ficar frente a frente com alguém que está do outro lado do mundo, basta pegar um iPhone e acessar o dispositivo de teleconferências FaceTime. É o equivalente, diz Case, a uma viagem no tempo e no espaço.

A maioria das pessoas não enxerga o tamanho da mudança comportamental que isto traz, segundo a jovem filósofa, porque os itens tecnológicos estão cada vez mais orgânicos. Leia aqui a entrevista completa com Case.

Folha -Por que estamos nos tornando ciborgues?
Amber Case - Você é um ciborgue toda vez que olha para a tela de um computador ou usa um celular, porque está entrando numa relação tecno-social com um pedaço de tecnologia não-humana. Nossos celulares, carros e laptops tornaram-se ciborgues porque nós os empregamos para fazer coisas que não conseguimos como simples indivíduos. Nossos corpos podem estar nos mesmos lugares, mas nossas identidades e pensamentos estão viajando pelo globo.

E o que faz uma antropóloga ciborgue?
A antropologia ciborgue olha para a cultura moderna e dá um passo para trás para tentar enxergar o que está realmente acontecendo hoje. Durante a revolução industrial, boa parte da evolução da tecnologia estava relacionada à extensão do nosso corpo físico. Hoje, enquanto vivemos a revolução da informação, a evolução da tecnologia está relacionada à extensão da nossa mente. Um antropólogo ciborgue, portanto, estuda a interação entre humanos e não-humanos, incluindo o fluxo da informação e o uso de computadores e telefones.

Como esses objetos de estudo mudaram nosso comportamento?
Vivemos um tempo em que as pessoas usam sites como Facebook e Twiter para criar suas identidades. Hoje, as pessoas têm um "segundo eu" na rede. Milhões delas utilizam o que eu chamo de "templates self", ou seja, usam sites construídos para receber fotos, conteúdo e atualizações de status de alguém sem que essa pessoa necessariamente saiba, veja ou entenda as engrenagens por trás do serviço.

Como humanos, somos dependentes de socialização, mas a maioria de nós não vive em pequenos vilarejos onde essa socialização é padronizada e culturalmente mediada. Em vez disso, a maioria vive em cidades, tem seu trabalho, mora em apartamentos sem saber quem são seus vizinhos de andar.

A tecnologia nos permite superar esse modelo de vida moderno, permite nos conectar a alguém quando estamos sozinhos no aeroporto, na fila do supermercado, em nossos carros. Isso compensa o isolamento imposto pelo modo de vida atual e o rápido intercâmbio de novos contatos e amigos.

Sites como Facebook são o "fast-food" da interação social. Informações pertinentes extraídas de integrantes de nossos grupos sociais são servidas em fatias, perfeitas para petiscarmos durante momentos de tédio proporcionados pelo isolamento de nossas vidas modernas

Embora muitos devam preferir encontros na vida real, não há tempo suficiente para distribuirmos entre tantos amigos tão próximos. Por outro lado, com narrativas curtas e sem qualquer formalidade social, a toda hora estamos mantendo contatos com pessoas.

Você acha que a computação em nuvens é um dos fatores para estarmos virando ciborgues?
Sim. Muito da nossa identidade, comunicação, história e informação --o que guardaríamos em nossos cérebros ou num espaço físico-- estão cada vez mais sendo armazenados em nuvem.

Para acessarmos isso tudo, precisamos usar termos de busca ou senhas, bem como a própria interface do computador. Porque computadores são muito poderosos, mas só durante alguns anos, até precisarem ser trocados. Ou seja, precisamos sempre fazer a manutenção de nossas próteses externas para poder ter acesso às extensões de nossos cérebros e identidades.

Computação em nuvens significa que há muita informação invisível sendo baixada e acessada. E é mais fácil colocar informação nesta nuvem do que tirar de lá. Se você eventualmente perder essa informação, isso significa que você sofreu uma perda na sua mente. Você automaticamente vai sentir que está faltando algo [em você]. É uma emoção muito estranha.

Você diz que a internet cria um ambiente de maior intimidade com nossos contatos. Quais são as consequências disso?
As consequências são que você provavelmente não vai se sentir tão sozinho quando estiver viajando por uma cidade que não conhece, ou um lugar que já é tradicionalmente chato. Ou em pé numa fila, fazendo tarefas repetitivas, sentado na sua mesa no trabalho.

Mas há uma diferença entre um amigo virtual e um real, não?
Sim, a principal diferença é que o amigo virtual não está tão amarrado geograficamente quanto o real. Quando alguém faz uma amizade pelo Facebook e essa pessoa vai para outro país, não há qualquer limitação na relação. Pelo contrário: há uma vasta variedade de maneiras com que essas pessoas podem se conectar, SMS, Twitter, Skype etc.

Existe outro benefício de não se estar preso à geografia: cada vez mais encontramos as mentes das pessoas antes de encontrar os corpos delas. Deste modo, pessoas com interesses similares que estariam impedidas de se relacionar por conta da distância podem se comunicar on-line. Um amigo virtual pode ser mais próximo do que um analógico a partir do momento em que as exigências que a comunicação "olho no olho" costuma trazer são minimizadas.

* publicado no jornal FolhaSPaulo em fevereiro de 2011.

4 Comentários

Anônimo disse...

Sempre desejei viajar no tempo, sempre quis aprender os mistérios transcendentais para me conectar e avançar no tempo e no espaço. Nunca me esforcei para buscar tal conhecimento muito difundido entre culturas gnósticas e espirituais diversas. Hoje ao ler seu post, já penso que posso sem esforço intelectual algum realizar viagens transcendentais e tal como nos conhecimentos ocultos, no ciberespaço preciso de uma consicência mais aflorada.

Muito bom!

Beijos

Thomas Silva disse...

"Hoje, as pessoas têm um "segundo eu" na rede. Milhões delas utilizam o que eu chamo de "templates self", ou seja, usam sites construídos para receber fotos, conteúdo e atualizações de status de alguém sem que essa pessoa necessariamente saiba, veja ou entenda as engrenagens por trás do serviço."
Aqui mora um perigo.

Essas engrenagens precisam ser de conhecimento "público", ou seja, código aberto 'open source'. Por que?

Precisamos saber o que são feitos com essas informações individuais centralizadas.

Para um começo de "revolução humana ciborgueana" está sendo bem útil. Vide últimos acontecimentos no norte da África e Oriente Médio.

Mas precisamos estar atentos para as "engrenagens" empregadas por esses novos serviços das redes sociais. E mais atentos ainda nos provedores físicos da internet que já é de posse do governo americano. Para quem não sabe, a resolução de nomes (transforma numero em nome) na internet (protocolos tcp/ip) tem uma hierarquia, e o topo dessa hierarquia hoje é comandada pelo governo do tio sam. Fora as invenções jurídicas em torno da internet ao redor do mundo. Um caso é a proposta do AI-5 digital do senador Azeredo no Brasil.

Um bom começo para o entendimento do porquê precisamos abrir "os códigos fontes" das engrenagens ciborgueanas --> http://www.fsf.org/facebook (inglês)

' disse...

Concordo com a filósofa/antropóloga. E é exatamente por isso que tento viver nas bordas dessa "revolução da informação". É algo a ser analisado, pensado.
As pessoas incorporam estilos de vida muito facilmente, isso sempre aconteceu. A questão é realmente enxergar o futuro e tentar perceber a realidade que está se formando... questionar se isso é realmente desajado ou não, se é bom ou não. Na minha opinão não é.

E o que o Thomas disse realmente é verdade. A informação, principalmente depois do advento da computação em nuvem, é facilmente manipulada. E está sendo, claro.

Expedito Gomes disse...

É o texto mais polêmico publicado neste blog. Não tenho opinião formada. Uma coisa é certa, ou seja, a tecnologia não humaniza tanto como a autora apregoa. É o que estou afirmando depois de ler e refletir sobre o uso da tecnologia.

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