Paris, uma festa móvel em tempo e espaço
Fabricio Cordeiro*
Difícil não amar esse tour que Woody Allen tem feito pelo mundo, dando continuidade ao enorme tour que sempre fez pela vida. Desde Match Point que Allen vem se lançando no mapa, deslocando suas doces reflexões para várias cidades-chave da Europa: Londres, Barcelona, Paris... Seu próximo trabalho deve se situar entre o Rio de Janeiro e Roma. Cineasta que sempre teve sua Nova York como lar de seus filmes, essa recente mudança geográfica tem sido menos brusca do que se imaginava, revelando um Woody Allen apaixonado por onde quer que esteja.
Essa paixão está presente já no começo dos filmes. No caso de Meia-Noite em Paris, mais de trinta planos de lugares e não-lugares nos colocam na (assim considerada) cidade romântica por excelência, do dia à noite. Temos a impressão de que Allen não quer parar de observá-la, de enamorá-la antes de qualquer outro em sua primeira vez. Só depois irá nos apresentar ao escritor Gil, papel de Owen Wilson, surpreendentemente muito bom como o Woody-não-Allen da vez.
Gil está noivo e de viagem na França, acompanhado pela família da noiva Inez (Rachel McAdams, perfeita na irritação). Às vezes turista, às vezes viajante, Gil altera ocos passeios diurnos ao lado dos novos parentes e inspiradas andarilhagens noturnas que se revelam pura inspiração e dão razão a Hemingway: Paris é uma festa (móvel), e para Allen, que preenche os enquadramentos das aventuras de Gil com elementos bem mais interessantes e informativos, é também uma questão de perspectiva. Essas andanças solitárias parecem surgir como um pretexto de fuga, com Gil tentando escapar de um sujeito deveras pedante, Paul, antigo amigo de Inez. Paul é um desses clássicos sabe-tudo (vinhos, museus, história...) que chega a contrariar uma guia de Museu, o que, na ocasião, também é quase contrariar a primeira-dama francesa. Certos momentos são dignos de pena, mas com um risinho lateral.
Mais do que nunca, Woody Allen demonstra que existem aqueles que, num pedantismo distante, tratam artistas como nomes, e há aqueles que tratam artistas como pessoas, que foram ou que são. O próprio Paul, filmado como se fosse um elemento comicamente intrusivo (quase sempre começa fora de quadro, depois o invade), cairá num sumiço depois de algumas cenas, se tornando apenas um nome. E nomes, quando apenas nomes, são chatos. Em Allen, as pessoas são um objeto artístico, e daí surge a tamanha riqueza da metade noturna desse filme cuja magia anda de braços dados com A Rosa Púrpura do Cairo. Nostalgia é um elemento forte aqui, mas fica claro que também depende de como é vivida, de como pode ser superestimada, e um querido diálogo entre Wilson e Marion Cotillard sublinha bem: as “Eras de Ouro” e “Belas Épocas” se movimentam no tempo.
Meia-noite em Paris é um grande encanto em que Allen despedantiza a arte enquanto parece defender os pares certos para uma vida. Alguns pares as pessoas não escolhem e tem de lidar com isso, como o tempo em que se vive; outros pares podem ser escolhidos, como a cidade em que se vive; e outros, um pouco mais complicados, são escolhas do acaso, como as pessoas. Em outro inspirado momento da carreira de Allen, a última cena não nos deixa enganar: há romance em todos eles.
Por Fabrício Cordeiro, mestrando em cinema/comunicação na Facomb-UFG.
1 Comentário
Ótimo filme, considero Gil como um exemplo.
Fiz até um post sobre:
http://cabanadeinverno.wordpress.com/2011/10/06/meia-noite-em-paris-na-natureza-selvagem-sociedade-do-espetaculo-e-rafinha-bastos/
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