segunda-feira, 11 de julho de 2011

Caetano Veloso escreve sobre filme de Woody Allen

Woody Allen
 
 
CAETANO VELOSO
 
Por que será que acharam “Paris” parecido com “Cairo”? A proximidade das épocas em que as histórias se dão?
 
Uma amiga inteligente me disse que achou “Meia noite em Paris” legal mas muito parecido com “A rosa púrpura do Cairo”. Fiquei me perguntando por quê. Dois dias depois, Xexéo disse a mesma coisa. Mais: que Woody Allen não vem se repetindo, como dizem, mas que no caso deste último filme, ele repete aquele em que uma fã de cinema é engolida pelo filme. 
 
 
Xexéo confessa que é um daqueles admiradores de Allen que, pelos anos 1980, estavam certos de que o cineasta é um gênio excelso. Era uma turma com quem eu gostava de contrastar gritantemente. Fui contar essa história numa entrevista que dei a uma revista de cinema de João Pessoa — uma entrevista que era uma espécie de “autobiografia de um cinéfilo” —, e meu amigo Geneton Moraes a transcreveu em seu blog, o que causou uma pequena onda de revolta. É que Geneton tinha posto uma chamada tipo imprensa sensacionalista (coisa tão diferente dele!), com uma frase minha muito negativa sobre Woody, e isso deu primeira página do Segundo Caderno.
 
Na verdade, eu estava contando como reagi ao cinema de Allen logo que tomei contato com ele. Ressaltando, inclusive, que hoje gosto muito mais dele do que então — e constatando algo que o próprio Xexéo também percebe: mesmo os filmes de Allen de que a gente gosta menos ficam melhores quando revistos na TV.

Mas vi “Meia-noite em Paris” no cinema e adorei como nunca tinha adorado nenhum filme desse diretor — e nem sequer me lembrei de “A rosa púrpura do Cairo”, filme que, quando vi, só me fez pensar duas coisas: 1) que Allen pegou um esboço de roteiro de Maiakóvski e o adoçou; e 2) que Mia Farrow, que até ali era uma menina atraente, sob suas lentes ficou parecendo um cachorro sem dono, fazendo olhos compridos de vítima do destino, sem nenhum resto de sex-appeal.

Por que será que acharam “Paris” parecido com “Cairo”? A proximidade das épocas em que as histórias se dão? A vivência delirante da fantasia? Mistério. O fato é que “Meianoite em Paris” resulta arrebatador. Não é um adjetivo que eu usasse sobre nenhum outro filme de Allen. Aqui vemos o avesso do name-dropping de tantas de suas comédias: os gênios que se reuniam na Paris do
final dos anos 1920 aparecem como fantasmas maravilhosos que habitam a mente do diretor, eles vêm à tona — e não se parecem com os autores que os personagens de outros filmes de Allen citam em papos supostamente despretensiosos. Eles não surgem para valorizar as piadas do seu devoto: eles são a piada, assombram o filme como os personagens de Fellini assombram os dele: de modo necessário e inevitável.

Allen nunca escondeu que queria fazer filmes como Fellini. Mas nunca aconteceu de sequer uma cena de filme dele parecer-se com o que amamos em Fellini: a elevação dos personagens a aparições quase sobrenaturais. Quando Alice B. Toklas abre a porta para o jovem roteirista louro ou quando Cole Porter o paquera do piano; quando Dalí dá seu show de egotrip ou quando Buñuel encana com a ideia central de “O anjo exterminador”, eu choro de hilaridade, alegria e comoção. Quando a moça dos anos 1920 expressa sua nostalgia da Belle Époque e logo é transportada, com o protagonista, para lá, uma verdadeira reflexão sobre a dificuldade de aceitar o presente se apresenta de modo fluente e profundo.

Não que coisa semelhante nunca tivesse sido sugerida por outras cenas de filmes de Allen. Mas jamais com essa abertura, essa entrega, essa liberdade que os fantasmas aparecidos lhe deram. E eu, de minha parte, estou mais aberto do que quando me engajava na resistência ao hype. Fiz assim também com Wim Wenders. Em “O cinema falado”, pus na boca de um garoto: “Paris, Texas” é um dramalhão mexicano encenado como gravura hiperrealista americana com verniz alemão” — e a plateia da pré-estreia urrou uma vaia: era composta da turma que venerava Wenders no então indie Estação Botafogo.

Vontade de ser do contra? Não é tão simples assim. Há um aspecto geracional: amamos filmes que vimos na juventude e tememos que seus lugares no pódio sejam tomados. Porém, há coisa mais respeitável. É que detesto mistificações. Talvez eu tenha tido de lutar muito contra mim mesmo para não deixar que minhas eleições se dessem sem uma exigência de autenticidade, sem um “exame de consciência”. Eu queria exigir dos novos cinéfilos esforço igual.

Ruy Castro flagrou a lista dos “melhores cantores de todos os tempos da “NME”, onde não há Sinatra nem Sarah nem Ekstine: ninguém prérock. Um amigo meu, culto e sensível, me disse que as canções de Gershwin não lhe dizem nada: coisas anteriores aos Beatles inexistem. Allen ocupa o extremo oposto: tem a agressão a Dylan, tem a tosca cena dos punks em “Hannah e suas irmãs”. Eu próprio não vivo sem Ella, mas aguento tão mal a reação contra o rock quanto em 1968.
 
Mais: pessoas da minha idade viveram num Brasil de responsabilidades internacionais nulas: não falávamos para o mundo exterior, daí, pichar estrangeiros não implicava riscos. Hoje, adorando o Woody da frase sobre a masturbação (“o único sexo que você pode ter com alguém que você realmente ama”) eu ficaria triste de encontrá-lo pessoalmente com opiniões negativas sobre seu trabalho.
 
E Wim Wenders acaba de filmar Pina Bausch em 3D — e me chamou para a pré-estreia brasileira. Não desejo um “Vicky, Cristina, Rio”, mas Pina em 3D é a glória da invenção do cinematógrafo. Que as salas com o equipamento não se restrinjam a blockbusters.

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