sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Insensato coração: cínicos e autênticos.

 Cinícos e autênticos

entrevista para jornal O Popular*

Professor da UFG, Lisandro Nogueira publicou há alguns anos o livro O Autor na Televisão, resultado da sua dissertação de mestrado, defendida na USP, na qual analisa a obra do novelista Gilberto Braga. Hoje, o pesquisador, doutor em comunicação pela PUC-GO e crítico de cinema da TV Anhanguera, continua acompanhando atentamente a produção do autor de Insensato Coração. Nesta entrevista ao POPULAR, ele fala sobre a ficção seriada na televisão brasileira e, claro, das novelas de Gilberto Braga. Confira a seguir: 

  Quais os motivos para a grande audiência das telenovelas no Brasil?

A telenovela tem como base narrativa o melodrama, que teve origem no século. 18. É uma narrativa maleável, flexível e que se atualiza com enorme facilidade. Realiza comunicação rápida e realista com o público. Toca em temas emergentes, mas com superficialidade. No Brasil, tem grande apelo: são bem feitas tecnicamente e traduzem o cotidiano de maneira simples, de fácil assimilação. É o tipo de ficção pobre esteticamente que, no Brasil, conseguiu enorme êxito, entre outros motivos, devido ao baixo nível de escolaridade da população.

Décadas e novelas distintas e, mais uma vez, Gilberto Braga se sobressai com uma obra que retrata a realidade brasileira. Quais os pontos comuns e as diferenças entre as duas?

Gilberto Braga sempre dialogou com Hollywood - principalmente os filmes dos anos 50. Assimilou e se inspira nos textos de filmes de Douglas Sirk, Minelli, Hitchcock e Wilder. Vale Tudo e Insensato Coração reforçam o melodrama contemporâneo, ou seja, a substituição dos velho maniqueísmo do bem contra o mal para o novo maniqueísmo dos cínicos x autênticos. Mas Braga exagera na dose e se torna um moralista de mão cheia. Isto porque seu drama é simplório: os personagens agem sempre através de uma resolução pessoal, unicamente pela "vontade". Sabemos que não é bem assim nem nos grandes romances nem na vida real. Há uma superficialização na abordagem de temas fortes como corrupção e relações familiares. A diferença entre as duas é que ele aumentou o número de personagens cínicos.

O senhor ressalta que, como Gilberto Braga bebeu da fonte do escritor italiano Alberto Moraiva (1907/1990), ele retrata o mundo com um cinismo cortante. Poderia explicar essa linha de raciocínio?

Gilberto Braga, Sílvio de Abreu, Manoel Carlos são bem preparados intelectualmente. São leitores atentos, cinéfilos compulsivos e assíduos nos teatros. Inspiram-se bastante nas grandes obras. Moravia, no livro Os Indiferentes , não poupa ninguém na burguesia italiana dos anos 30, grande e pequena. Nem as crianças são boas e têm compaixão por alguém. Braga tira daí o chantilly, o recheio, e coloca no seu bolo televisivo. Se Moravia vai fundo com seus personagens perversos, Braga trabalha com a maldade num nível palatável, com a possibilidade do final sempre feliz.

Em 1988, em Vale Tudo , Nathalia Timberg era Celina, tinha um mordomo homossexual apaixonado pelo cinema e, para fugir do estresse, ia às compras. Agora, em Insensato Coração , é Vitória, que continua sendo assistida por um mordomo, com formação superior em hotelaria, e dispensou o ócio. É dona e administra um shopping. Gilberto Braga é um observador contumaz da contemporaneidade?

A telenovela brasileira é completamente diferente das outras do mundo afora. É muito superior e atualiza constantemente o velho melodrama. A TV Globo, nos anos 70, buscou no jornalismo, na publicidade, na literatura e no teatro os melhores quadros. Sim, são cronistas atilados e a diferença é que sabem traduzir grandes mudanças na sociedade para um formato que agrada imediatamente o público. As pessoas se identificam imediatamente com personagens bem construídos nesse modelo.

Qual a influência no Jornal Nacional , que está posicionado entre duas telenovelas?

Os autores das telenovelas sabem que o espectador acabou de ver notícias espetaculares. Eles aproveitam a indignação, nem sempre politizada, desse espectador. Canalizam esse torpor cheio de impotência e apresentam personagens que se "vingam" de maldades diversas. Desta forma, esses personagens angariam a adesão e o lugar cativo no coração de quem se sente injustiçado. É uma espécie de compensação que, quase sempre, se esgota ali mesmo na poltrona. Tanto é verdade que nós ficamos indignados com os problemas apresentados, mas não vamos para as ruas, desde sempre.

Uma questão ética de Insensato Coração gira em torno dos crimes cometidos pelo banqueiro Cortez. Caso ele não cumpra a pena na cadeia, isso é sinal de que o Brasil está pior do que o de Vale Tudo ?

É costume no Brasil os ricos não serem punidos. No folhetim do século 19, os ricos malvados, de vez em quando, pagavam caro pela prepotência. Em O Dono do Mundo (1991), Braga foi ousado, mas teve que recuar por causa da queda da audiência. Os rumos da telenovela são medidos pela audiência. Penso que o Brasil vive uma onda moralista, da supremacia do "politicamente correto". Não podemos ver o País só por esse ângulo e Braga exagera. O país melhorou muito, em todos os aspectos. São os bônus e ônus do processo democrático. As novelas retratam esse rico período da história brasileira.

Embora os personagens de Insensato Coração tenham posturas condenáveis, a figura do vilão, como a de Odete Roitman, de Vale Tudo , não ficou evidente. Há, sim, nomes como os de Léo e Cortez, mas nada que se compare ao ódio e o fascínio que Odete exercia. Os vilões estão mais próximos do mundo real?

A telenovela não cria nada de novo. Ela apenas atualiza um velho gênero do século 19. Os vilões são os mesmos. O que mudou foi a atualização dos bons contra os maus para os autênticos contra os cínicos. Sempre houve um fascínio pelos vilões, mas, no final, o que o espectador espera é a vitória do bem contra o mal. Braga tenta copiar o que aconteceu no cinema dos anos 90, adaptando o "psicopata" para os seus personagens cínicos.

* entrevista para jornal O Popular feita pelo jornalista Sebastião Vilela Abreu.

2 Comentários

Anônimo disse...

A entrevista é ótima, mas creio que doutor em comunicação pela PUC-GO foi um equívoco.

q48 comprar disse...

Eu sempre digo que essas coisas publicadas pela grande mídia influenciam massas e também são influenciadas pela massa.

Se as pessoas não dessem audiência para certos programas medíocres, por que motivo iriam mantê-lo na programação?

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