quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Cinema de Arte X Entretenimento, 2. parte

O prof. Jorge Coli, articulista do caderno Mais., respondeu gentilmente os comentários sobre o artigo dele publicado no último domingo.


* Prezado professor Lisandro,

creio que no seu texto existem alguns pequenos equívocos. Em primeiro lugar, filme de arte não é filme cult: os filmes cult são cultuados por grupos de espectadores, que os elegem por algum interesse singular. Os filmes de Ed Wood são cult, mas não são "de arte".A expressão "indústria cinematográfica" é bastante metafórica e nada rigorosa: ela não quer dizer que existem filmes feitos "em série". Isso não é possível: os filmes são diferentes entre si sempre, e cada um é um projeto específico.

As séries, no cinema - Star Wars, por exemplo, são como as séries em pintura (Santas Vitórias de Cézanne; montes de feno de Monet).Não me referi à questão da "politique des auteurs", dos Cahiers du Cinéma porque é uma questão paralela, embora bastante complementar, à que eu queria tratar.Na verdade, a diferença entre filme de arte e filme "de divertimento" está na intenção inicial que preside à tarefa, e não no seu resultado.

Muito filme que se pretende de arte não convence como arte, e muitos "de divertimento" são admiráveis.
Acrescento aqui o final de um artigo escrito pelo grande historiador do cinema, Joel magny:

"De tout temps, le cinéma américain, même inconsciemment, a su allier les vertus du commerce et celles de l'expression personnelle. Aujourd'hui, il semble que nombre de cinéastes aient su saisir ce qui unit cinéma d'auteur et succès commercial : étonner ! Jean Cocteau n'aurait sans doute pas été l'ennemi de cette conception : un « auteur » n'est pas celui dont le nouveau film redit, même en mieux, ce qu'un public, naïf ou savant, pouvait reconnaître de son initiateur, mais celui qui sait surprendre, étonner, dérouter, ravir le meilleur des connaisseurs comme celui pour qui chaque film est le premier".++

Espero ter esclarecido melhor a questão. Grato pela mensagem Jorge Coli.

++ Tradução: "Sempre, mesmo inconscientemente, o cinema americano soube combinar as virtudes do comércio com aquelas da expressão pessoal. Hoje, parece evidente que numerosos cineastas souberam aprisionar aquilo que une cinema de autor e sucesso comercial: surpreender! Sem dúvida, Jean Cocteau não seria inimigo desta concepção: um 'autor' não é aquele cujo novo filme rediz, mesmo da melhor forma, aquilo que um público, ingênuo ou sábio, poderia reconhecer como a sua iniciação, mas aquele que sabe surpreender, espantar, desviar da rota, arrebatar o melhor dos especialistas, como se cada filme a que assistisse fosse o primeiro."

* Comentário do Lisandro (postado dia 22.09):

Jorge Coli escreveu na Folha de SPaulo um texto instigante sobre o “filme de arte” (Cult) e o “filme de entretenimento”.

Para ele, realizam-se hoje filmes com a griffe “cinema de arte” para separar e distinguir os públicos. No argumento dele, há um pacto entre os diretores desses filmes e um certo público intelectualizado. São filmes tediosos nos quais não há prazer e fruição, mas sim a orquestração de um devir estético enganoso. Ou seja, o público culto recebe burocraticamente os filmes cerebrais para o seu deleite e auto-elogio. Como sempre, os textos de Coli são primorosos do ponto de vista das observações estéticas. Sabemos que há muita enganação nos chamados filmes “Cult”.

Mas sabemos também que os “filmes de entretenimento” não podem ser considerados “de arte” de forma automática. Há critérios feitos ao longo da história do cinema para separar o joio do trigo. Coli esquece de citar a célebre teoria do autor formulado pelos franceses na década de 50. Foram eles que buscaram no filme americano a “arte” e recuperam cineastas como Elia Kazan, Nicholas Ray e Hitchcock.

Os filmes de autor são em geral filmes mais instigantes porque problematizam mais as questões de conteúdo e da forma. Coli é preparado e inteligente. Como pano de fundo, ele combate a arrogância do “filme Cult ou de arte” (denominações que considero problemáticas) e propõe uma valorização do “filme comercial”.

Ele quer dizer que existe arte nos filmes da indústria cinematográfica. Aqui, discordo de Coli: em determinados períodos (p. ex.: anos 50 nos EUA) é sempre possível ver arte na indústria. Mas no geral, o filme produzido em série, seja nos Eua, Europa ou Brasil, não consegue ser arte. Vamos ao debate...

13 Comentários

Herondes Cezar disse...

O Prof. Jorge Coli diz coisas que meus ouvidos gostam de ouvir. Ganhou, portanto, a minha admiração.

Marco A. Vigario disse...

Idem.

Lisandro Nogueira disse...

Caros amigos,
O prof. Coli sempre ganhou a minha admiração também; mas o cinema industrial-melodramático domesticou o nosso olhar. Concordo com ele q. certos filmes pretensamente de "arte" são pura empulhação. Mas o bom "filme de arte" é que torna o cinema interessante e renova, inclusive, o cinema industrial - renovação que Coli esquece de tributar ao cinema de vanguarda/arte/experimental. O melhor exemplo é Spilberg e Lucas.

Victor Hugo disse...

O filme, seja ele de arte ou industrial, não "é" antes de ser visto pelo espectador. Se a quetsão é o engodo de um cinema que pretende ser de arte mas não é, ele deve ser desmontado por quem vê o filme. O fato de ter-se criado uma casta de "esclarecidos" e desprezar o cinema de arte por isso é fazer a mesma coisa que fazem os jogam toda hollywood na vala comum. Na experiência que construí como espectador, ficou muito claro que existe um cinema que exige mais, que diz mais, que revela mais. Porém, não deixei de ver os filmes que eu via antes e que cresci vendo (hollywoodianos).

Anônimo disse...

O caráter metafórico da expressão "indústria cinematográfica" não a torna pouco rigorosa. Na verdade, essa é uma antiga contraposição ao conceito de "indústria cultural", sobre a qual Adorno e Horkheimer chegam a comentar na Dialética do Esclarecimento.

A idéia de uma "indústria cultural" é metafórica mesmo. A produção dos filmes em série não deve ser entendida literalmente, mas sim pela observação de uma forte analogia entre a produção da arte e dos demais bens materiais no capitalismo tardio.

Uma analogia que não se dá apenas no método de produção, mas na constituição estética das obras. O que também não depende apenas da intenção do realizador. Um exemplo simples vindo de Adorno e Horkheimer: os filmes da indústria têm um ritmo que acompanha o ritmo do trabalho fabril. Isso torna o espectador dócil para o mundo do trabalho, naturalizando as condições sociais do próprio trabalho.

Logo, nesses termos, as particularidades de um filme industrial (que, é claro, existem) não são suficientes para contestar a validade de expressões como a de indústria cinematográfica e de produção em série.

Penso que analisar o cinema industrial em busca das diferenças de uma obra para outra, das expressões autorais, mais “artísticas” (não gosto do termo, aqui, pois acaba simplificando um problema maior), é algo possível e importante, desde que não se perca de vista que o mecanismo da produção industrial impõe limites à liberdade criativa em nome da comercialização dos seus produtos. Não vejo como uma discussão sobre a arte nas sociedade industriais possa omitir esse dado.

Herondes Cezar disse...

Rodrigo também diz coisas que soam como música para meus ouvidos. E conquistou também a minha admiração. Entretanto, tenho algumas crenças (preconceitos?) já bem arraigadas que me levam a querer ver um filme de cada vez, independentemente das condições em que foi elaborado. Mesmo concordando com o pensamento expresso, e bem fundamentado, por ele, tenho cá meu viés de ver os filmes. Eu não consigo ver apenas o mal na padronização industrial. Falando empiricamente, obras de arte são construídas com linguagem, seja qual for, dependente de alguma padronização. Quem cria se relaciona de algum modo com padrões existentes. E, no limite, a rejeição total aos padrões certamente resultará numa obra incompreensível. De outro lado, noto que os cineastas mais "independentes" (vá lá, Godard, por exemplo) tendem a produzir filmes seguindo uma certa padronização por eles mesmos criada, a ponto de se tornarem tão previsíveis quanto os mais fiéis serviçais do cinema dito industrial. Aqui, humildemente, e com todo o respeito aos que pensam diferente, ouso opinar sobre esse tema controverso e com o qual se ocupam melhormente os mais bem dotados de informação e inteligência.

Anônimo disse...

Herondes: Concordo com você que cada filme deve ser visto por si mesmo, já que cada filme, em certo sentido, é único. Contudo, para analisar criticamente um filme é necessário cotejá-lo com outros, situá-lo em uma história do cinema e procurar as suas filiações a uma ou outra orientação estética. E isso só é possível com uma abstração em direção a conceitos que podem ser aplicados ao filme analisado.

No seu último comentário, há um uso muito largo da palavra "padronização". O que é próprio da linguagem de Godard não pode ser tomado como uma "padronização". Digamos que esta só ocorre quando um conjunto grande de obras de vários diretores é tributário de um conjunto mais ou menos fixo de princípios. A formação discursiva de um único autor certamente produz um estilo, mas não uma padronização. A própria idéia de autoria, que o Lisandro lançou aqui, opõe-se à de padronização. Um autor só é possível quando, de alguma maneira, escapa do “padrão” (que, por definição, é a ausência de diferenciação e singularidade).

A partir disso, é claro, cada caso é um caso. Truffaut admirava Hitchcock e Jean Renoir, considerando a ambos autores. E estes nem são diretores que contrariam radicalmente o cinema narrativo-clássico (industrial), apesar de terem produzido obras com traços singulares. Se concordamos com Truffaut, percebemos que o problema da autoria é sério: não se trata simplesmente de dividir o cinema industrial, de um lado, e os cinemas de ruptura, de outro.

Essa dificuldade se dá porque estamos no terreno dos conceitos, que são abstratos e gerais, e precisam ser bem manuseados. Um único conceito não esgota a análise de um filme (você tem razão, por isso, em considerar cada filme um caso único). Mas isso não implica que devemos abandonar os conceitos. Muito pelo contrário. Sem eles a crítica não pode fazer nada. Por isso não concordo com o prof. Coli, quando dispensa conceitos que considero fundamentais, como o de “indústria cinematográfica”.

Herondes Cezar disse...

Rodrigo: Se expressei meu ponto de vista foi em contribuição ao debate, mas não tenho o mínimo interesse por polêmicas. Por isso, só volto ao assunto para explicitar duas questões.
Primeira: não sei de onde você inferiu que eu estaria sugerindo que cada filme deva ser visto isoladamente, fora de qualquer contexto. A expressão "um filme de cada vez" não quer dizer "um filme isoladamente". E, mais que a história escrita do cinema, julgo imprescindível o conhecimento dos filmes que originaram a história.
Segunda: quando disse "um filme de cada vez", eu queria dizer também que não levo em conta a chamada "teoria dos autores", que pra mim não passou de uma "política dos autores", circunscrita aos anos 1950 e 60. A meu ver, quem crê nessa "teoria" deve crer também em Papai Noel, coelhino da Páscoa etc.

Anônimo disse...

Herondes: Se você não tem interesse em polêmicas, não devia ter feito uma caricatura de quem leva em consideração uma teoria dos autores. Não entendi essa sua reação, pois eu não quis polemizar em nenhum momento.

Uma teoria, qualquer que seja, só pode ser digna da confiança ou da desconfiança de alguém a partir de uma discussão sobre a sua consistência interna, ou seja, com argumentos, evidências, estudo de casos etc. Quando o que temos é apenas uma indisposição injustificada, não é possível chegar a lugar algum.

Há muitas chaves para discutir a idéia da autoria - não é algo que pertence apenas à política dos autores da Cahiers du Cinéma. Considero que um bom livro que trata da autoria no cinema é o de Jean-Claude Bernardet, sobre Sganzerla e Bressane, chamado "O Vôo dos anjos". Ele parte da psicanálise para estudar esses dois cineastas. Fica a indicação.

Lisandro Nogueira disse...

Caríssimos Herondes e Rodrigo: o debate está ótimo e salutar. Estou refletindo sobre as posições. Mas já posso dizer que existe uma "questão de geração" entre vocês. Herondes e Eu fomos tb. sufocados pelas "modas autoriais". Em certa época, dizer alguma coisa contra Godard era um sacrilégio. Fomos marcados pelo submarxismo reinante nas Universidades (que nos formaram, daí a rejeição ingênua e despolitizada contra os EUA). Hoje, sabemos da importância em compreender o Melodrama - e não simplesmente denunciá-lo. Mas sabemos tb. que o "cinema de autor" nos deu os melhores frutos. Os cineastas dos anos 60 criaram uma sensibilidade indiscutível. Vamos prossseguir o debate. Herondes viveu um período ímpar como cinéfilo e Rodrigo tem essa preocupação salutar com os conceitos. Continuemos.

Anônimo disse...

Também gosto do debate. Espero que não tenham entendido mal a minha insistência na teoria. Não considero um Godard, nem qualquer cineasta de ruptura, impassível de críticas. Apenas me esforço pela discussão mais embasada. Herondes, que é mais experiente que eu, sabe da importância disso - não é por acaso que ele fundou um cineclube. Um abraço a todos!

Lisandro Nogueira disse...

Caro Rodrigo, Herondes sabe tudo sobre cinema. Fundou o lendário Cineclube Antonio das MOrtes. Penso que Herondes é um homem da Nouvelle Vague: valoriza o bom cinema americano e descarta a empulhação do cinema de arte. A discussão de vocês (ou nossa) não passa por aí: temos essa convergência: gostamos do bom cinema.

Fernando disse...

Bom mesmo é o Vickcristinabarcelona...
Ainda bem que nós, não cinéfilos temos o Woody Allen pra fazer filme pra gente...
Fernando

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