terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O prazer, a gratificação e seus limites no cinema.

Rede de Mentiras e Queime depois de ler:

Lisandro Nogueira

Os filmes Rede de mentiras (Body of Lies) e Queime depois de ler (Burn After Reading) têm um ponto em comum: o tema do controle da informação. A grande diferença entre eles é que o primeiro prende-se a uma rigidez narrativa, criadora de óbices na investigação dos problemas do mundo. Queime depois de ler ironiza a ilusão de que se pode controlar totalmente as informações, estilo e trama.

Os espiões de Rede mentiras, interpretados por Leonardo Di Caprio (foto) e Russell Crowe, são impulsionados a buscar uma "verdade" sempre ao alcance, pois detêm poderes "naturais". Esse tipo de filme é alicerçado nas narrativas de muita intensidade, com grandes ações, nas quais a luta do bem contra o mal é sempre o pano de fundo visível e onipresente.

Os personagens agem no sentido de pôr termo a alguma questão. Além disso, os personagens não têm densidade: vigoram os estereótipos e a conseqüente identificação imediata do espectador com seu herói. Leonardo Di Caprio é obstinado e segue uma "conduta ética" sem limites. Como o personagem está enquadrado num padrão narrativo, as questões são invariavelmente superficiais, pois não são problematizadas.

O estilo no cinema de estrutura clássica, como afirma David Bordwell, sempre trabalha em função do padrão. Rede de mentiras segue esse padrão e convida o "espectador a formular hipóteses altamente prováveis, e então confirmá-las". O filme não quebra nenhuma regra e não diverge da expectativa enraizada no espectador de alcançar a gratificação esperada e firmemente codificada.

As perseguições monumentais (a pé, em automóveis ou helicópteros), a duração "infinita" de cenas espetaculares e os primeiros planos insistentes na beleza dos atores conformam o estilo ao padrão clássico.

Nessa perspectiva, os temas são tratados apenas na superfície. Se quisermos, a partir de Rede de mentiras, abordar com alguma profundidade o conflito dos americanos contra os inimigos do Oriente Médio, teremos sempre as limitações impostas pela pouco maleável narrativa clássica. Não é por acaso que, nos debates sobre filmes de "estrutura clássica", a narrativa é quase sempre posta de lado, em proveito da discussão extrafilme e dos argumentos que raramente levam em conta a estética – a forma, suas possibilidades e limites.


Se no debate privilegiarmos a discussão da "estrutura", os temas apresentados serão vistos de outro prisma. Ou seja, não precisaríamos ir muito longe (buscar tantos argumentos extrafilme para justificar aquilo que a forma já demonstra ser frágil) e comprenderíamos todo o conjunto (tema e narrativa) com mais pertinência.

Mas como isso não é praxe, o resultado é quase sempre o mesmo: somos seduzidos pelo padrão, que nos dá bons prazeres visuais e retrata do mundo a superfície das profundas questões – existenciais, políticas, econômicas ou culturais. Mas, para compreender temas como a espionagem, as ambições humanas e a cultura policial americana, Queime depois de ler supera Rede de mentiras, que exige mais do espectador, em regra, habituado a narrativas leves, de grande poder de sedução e gratificação.




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