sexta-feira, 10 de abril de 2009

Gran Torino, o golpe alto de Clint Eastwood.

Gran Torino, o golpe alto de Clint Eastwood.

Anselmo Pessoa Neto*

Andar a contrapelo já foi iniciativa de esquerda. Mas após o advento das eleições “livres”, em que todo cidadão passou a ser todo o tempo virtualmente candidato, o padrão comportamental das pessoas passou a ser ditado pelo senso comum, pela média das opiniões. E também partidos e pessoas de esquerda passaram a refletir a norma do “politicamente correto” que é, em último instância, a nova roupagem com que o atraso se apresenta. Atraso, nesse caso, de extração acadêmica estadunidense e crivado de ideologia rasteira.

O filme de Clint Eastwood, Gran Torino, ao arrepio do bom senso moldado a constrangimentos, escapa completamente aos ditames da “boa” consciência acrítica, pois, ao mesmo tempo em que foge aos maniqueísmos vazando sentidos por todos os lados, demonstra ter posições transgressoras muito claras.

Gran Torino tem início com uma missa em que morte e vida são questionadas: a morte será o fim, será o começo? Para lá da resposta e do grau de subjetividade que cada um pode dar a essas perguntas, o dado imediato exposto nessa primeira sequência é o mal-estar, colhido em um primeiro plano magistral, de Walt Kowalski. Esta cena inicial, que celebra a morte da mulher de Walt Kowalski, está em exata simetria com a missa que celebrará situação análoga em relação a ele ao final do filme. Com um porém extremamente significativo: a cena da missa para ele não será a última cena do filme, será a antepenúltima. E este é uma dado para se guardar. Por que a morte não é o fim? Porque a vida continua depois da morte para os que não morreram, com a sua mesquinhez (penúltima cena) e com o seu júbilo (última cena).

Entretanto, a tentativa de entender e explicar vida e morte não tem emergência. A emergência de Gran Torino é a sociedade estadunidense e ― por força de sua cultura e do encurtamento das distâncias com as novas mídias e as novas formas de comunicação ― as sociedades mundiais. A emergência de Gran Torino é a nova configuração e o aprofundamento da sociedade multiétnica. Walt Kowalski é um estadunidense convicto, do tipo que deixa a bandeira de seu país hasteada em frente de casa e odeia as invasões bárbaras. Mas ele é o Polaco para os seus amigos, isto porque é de origem polaca, assim como os seus amigos são de origem italiana e irlandesa. Nenhuma “raça”, como se pode ver, de grande prestígio para estadunidenses zelosos de suas raízes inglesas. Polonês, irlandês e italiano foram a “escória” do processo civilizatório dos Estados Unidos. Sem prejuízo do caráter artístico, os filmes Lamerica, de Gianni Amelio, e Gangues de Nova York, de Martin Scorsese, são boas aulas para entender essa história.

Walt Kowalski, em suma, seria um racista, e machista, para a colcha de retalhos dos estudos culturais de matriz estadunidense, origem do politicamente correto globalizado. Contraditoriamente, como sucede sempre nesses casos, Walt Kowalski seria um racista de “raça” inferior (que racista é de “raça” superior?) e não constrangido pelo patrulhamento de nenhum tipo de vítima. A língua, que é onde se dá com maior ênfase a batalha dos que têm “raça” e dos militantes dos gêneros, é um sistema tão aberto e permissivo que o vocabulário policiado será sempre, de alguma forma, violado, justamente porque nenhuma língua é politicamente correta ou lógica. Além do que, na língua falada, a entonação é o que dá o tom. Por isso Walt Kowalski irá abusar de uma linguagem chula, ele que é o herói, no mesmo nível da dos bandidos.

Mas o racista, ao final e ao cabo, é menos racista do que “as raças” organizadas em gangues e com o linguajar próprio das minorias. Gangues latinas, gangues asiáticas, gangues de negros. Todas com padrões comportamentais próprios e inchadas de ressentimentos. Para as gangues, o mundo é dividido em “raças”. E para as “raças”, a lei é a desordem. As gangues podem aquilo que o indivíduo não pode, porque é o sentimento de “raça” que faz a força.

Que pessoas e grupos que acreditam que existem “raças” e que o Estado, isto é, que nós, os outros, devemos pagar a “reparação histórica” para eles, os credores, considero normal. A coisa estranha é o esposamento, por parte de partidos e pessoas que se declaram não racistas, não xenofobistas e não machistas, das bandeiras das minorias “raciais” e sexistas ― agora transmutadas no “politicamente correto”. Gran Torino enseja essas reflexões e a nostalgia de uma esquerda que escrevia e lia coisas como O direito à preguiça, de Paul Lafargue, libelo tão a contrapelo do senso comum. Como um dia o foi O manifesto do partido comunista, de Marx e Engels, antes de ser submetido a releituras que, quase, aplainaram definitivamente suas pontiagudas interpretações da história da humanidade.

Gran Torino bem poderia ser o marco a partir do qual a crítica malcomportada, as altas posições ideológicas do dissenso redescobrissem o gosto de lutar.

* Anselmo Pessoa é prof. na Faculdade de Letras da UFG. (Publicado com o título de “Sem maniqueísmos”, em O Popular de 08 de abril de 2009, em “Magazine”, p. 02.)

19 Comentários

Anônimo disse...

Pessoal,
Estava faltando um textos desses para falar do "politicamente correto" em Gran Torino. Teve um pequeno debate recente sobre filme com Werten, Rodrigo Cassio e Lisandro. Falaram do odioso "politicamente correto". É insuportável chamar alguém de afrodescendente. Conheço o Anselmo. Ele tb. põe o pingo nas letras e mete bronca nesse péssimo "politicamente correto". Clint é o herói da verdadeira esquerda. Milordi e Alemão concordam comigo pois discutimos esse texto do Anselmo e vimos o filme duas vezes.(Pedro).

Alemão disse...

Pedro,
Esse prof. Anselmo falou tudo: o "politicamente correto" acabou com a política que existia no ocidente. Meu prof. do cursinho me disse que a esquerda morreu nos Eua e na Europa depois do "politicamente correto". A Europa chega a ser mais politicamente que os Eua. Prefiro achar que o "cara" que o Obama fala não é o Lula. É o Clint e a turma do Greepeace.

ps- O Ibama de Goiás é "politicamente correto", ou seja, não saca o mundo e só saca a lei. Sacaram?

Rodrigo Cássio disse...

Belo texto do Prof. Anselmo! Conectando ao debate anterior, penso que é uma resposta ao texto do Pondé. Não porque conteste aquele, mas porque faz bem o que Pondé apenas promete: uma crítica política. Abraços.

Mara - disse...

É a primeira vez que entro no blog para dar uma opinião. Acho que o vocês chamam de "politicamente correto" veio dar um pouco mais de civilidade nas relações socias e individuais. Há mais respeito. É importante sim denominar "afrodescendente" em vez de "preto" ou "negro". Os ganhos são maioores que as perdas. Essa é a minha opinião.(mara)

Daniel Christino disse...

Para deixar as coisas um pouco mais complexas vale lembrar que Clint Eastwood é filiado ao Partido Republicano desde 1951 e foi eleito prefeito da cidade de Camel pelo mesmo partido.

Fernando disse...

Será que os conservadores são mais inteligentes? ou é porque não estão preocupados em ser "politicamente corretos"? O politicamente correto me parece aquele véu da aparência, que cobre a essência.

Lisandro Nogueira disse...

Olá Daniel e Fernando:
O filme mostra claramente que o "politicamente correto" sufocou a Política. Nas universidades, desde os anos 80, essa praga consumiu o pensamento e instalou a fragilidade conceitual e política. Mas alguns grupos nadam de braçada e fazem do conceito um aditivo para suas máquinas de poder.

Rodrigo Cássio disse...

Pessoal,

Penso que o "politicamente correto" é apenas um dos elementos do filme de Eastwood. E não é o principal. Ao mesmo tempo, a obra é muito afeita à origem política do seu diretor, como lembrou bem o Daniel.

Essa ênfase no "politicamente correto" pode causar certa conivência. Se o Eastwood faz uma crítica a essa "praga" (como diz Lisandro), ele também deixa de lado uma série de problemas que poderiam ser tratados, e não o foram porque se trata de uma narrativa sustentada em estereótipos, que se alimenta do elogio necessário do mérito individual (melodrama) e, portanto, que passa ao largo de temas embaraçosos, que esse formato não costuma confrontar.

Gran Torino é um filme comum. No máximo, um bom filme. Eastwood é, sim, um cineasta que defende a narrativa clássica. Faz isso muito bem, mas vejo muita agitação em torno do seu nome, e não concordo que ele seja assim tão relevante para o cinema.

Daniel Christino disse...

Rodrigo, é a primeira vez que eu vejo alguém acusar o Clint Eastwood de ser ele mesmo.

Não se trata disso.

Em relação a Gran Torino, acho simplesmente genial a dissolução do discurso ideológico na pragmática da linguagem. A cena em que o personagem principal e seu amigo barbeiro ensinam o jovem imigrante a "falar como homem" é pura desconstrução, no bom sentido.

Em várias entrevistas o diretor disse que pretendia apenas fazer um bom filme. E foi o que ele fez. Tecnicamente perfeito, homenageando a narrativa clássica - coisa comum em Eastwood desde Coração de Caçador - e abordando um tema polêmico, com equilíbrio.

Além disso, foi a esquerda que caiu nesse buraco do politicamente correto, obrigando seus simpatizantes a pedirem desculpas publicamente por coisas como a tal "cartilha" do Ministério da Cultura. Lembram? Culpa do atordoamento pós muro de Berlim. A esquerda não viu o buraco. A direita viu. Fazer o quê?

E tem mais. Gran Torino é imensamente melhor do que Milk, assim como Bird era melhor do que Mais e Melhores Blues. Na minha opinião Eastwood é tão importante para o cinema atual quanto Spike Lee, Gus Van Sant e essa patotinha do politicamente correto. Talvez até mais importante.

Rodrigo disse...

Oi Daniel,

Concordo que Gran Torino é um filme melhor que Milk. Esse, aliás, é um filme apenas razoável. O que mostra que não é a filiação ideológica que determina a qualidade estética.

Nesse mesmo sentido, não se trata de acusar o Eastwood de ser ele mesmo. Apenas quis ressaltar que a noção do "politicamente correto" produz uma chave de leitura, entre outras, que são igualmente políticas.

Também vejo Gran Torino como um filme equilibrado, que escapa de maniqueísmos, mas até certo ponto. Pois será que não o faz substituindo estes maniqueísmos por outros? Será que não o faz camuflando os seus maniqueísmos na imagem de conciliação de um velho racista e uma família oriental? Afinal, os orientais só se tornam palatáveis na medida em que aceitam os valores que o velho Walt defende.

Não há uma discussão do Estado como instância reguladora da vida; as gangues são presas, e pronto. Não se fala da trajetória histórica dos EUA até o estado atual de violência étnica (Benjamin Button, veja só, é mais equilibrado nesse ponto). O passado é nostalgia de uma moral mais rígida, ou dos horrores da guerra. Em nenhum dos casos, o passado é ponto de partida para uma auto-crítica dos valores que a estrutura do filme corrobora.

Em suma, muita coisa fica nas arestas do herói de Gran Torino. São limites relacionados à forma do filme, sem dúvida (e, aqui, forma e conteúdo estão entrelaçados, naturalmente).

Clint Eastwood é um bom diretor. Mas não penso que Gran Torino seja um de seus melhores filmes. Também acho que essa marca de grande cineasta da nossa época tem mais a ver com a força da tradição a que ele pertence do que com uma avaliação mais meditada das suas contribuições para a linguagem cinematográfica.

Lisandro Nogueira disse...

Caros amigos,
Esse debate bom e sincero entre Daniel e Rodrigo me lembrou uma época do Cineclube Antonio das Mortes. Fizemos um bom debate sobre Clint, Milos Forman e Costa-Gravas. Debate quente!! com o pessoal da Faculdade de Direito e com um pessoal bacana da esquerda e com alguns não tão legais da mesma esquerda. 1983 ou 1984: não me lembro...

Mas nunca gostamos de Gravas,de Clint, de Forman. E foi muito por causa da grande influência do livro "O discurso cinematográfico" do Ismail Xavier. Outra conclusão: nenhum deles renovou a estrutura clássica de narrar em termos de linguagem - Rodrigo aqui tem razão. Mas Clint, dos três, foi o que mais avançou na maneira de tratar os temas e a história - o enredo. "Os imperdoáveis"(1992) é um grande momento e repete Ford de "O homem que matou o facínora" (1962.

Quando debatemos a atualidade do cinema clássico me lembro sempre de Adrew Sarris - ele levou a idéia de valorização do cinema americano da N. Vague para os EUA. Clint, hoje, assim como Elia Kazan e Nicholas Ray, são bons porque conseguem fazer dentro de uma "cinema industrial" um cinema instigante que trata, na medida do possível, de temas complicados. A narrativa de estrutura clássica de Clint é realmente limitada. Mas o cinema é sempre uma prática social e isso deve ser levado em conta (vejam o comentário do Jeferson de Anápolis, no post acima, ele reclama do minha falta de consideração com o cinema americano) porque a maioria ainda é refém do "olhar domesticado".Então entendo Rodrigo quando pede uma forma mais burilada. Eun tb. defendo sempre isso. Mas não podemos fechar os olhos para o tratamento das temáticas nesse tipo de cinema.

Desta forma, quando concordo totalmente com o Rodrigo em relação as limitações estéticas do Clit, me afasto totalmente da sua frase "não há uma discussão do Estado como instância reguladora da vida". O Estado regulando a vida de alguém só me lembra os mais duros regimes do mundo moderno. O Estado não deve e não pode regular a vida de ninguém - lembrei agora das aulas do Chiquinho Linhares, nos anos 80, e sua defesa delirante de Bakunin e Phoudon, numa mistura estranha de referências do anarquismo.

Daniel: Milk é um panfleto e "Mais e melhores blues" é tão bom quanto "Bird". Mas Charlie Park é melhor do que os filmes (rs,rs). Penso que devemos valorizar um cara conservador que têm atitudes "de esquerda".

Prefiro Clint a Costa-Gravas - se é possivel essa comparação. Na época do Cineclube "Antonio das Mortes"(1978-2005) não gostávamos dele, Gravas. Foi aí que descobrimos que nos éramos de esquerda. Na forma e no contéudo. É assim até hoje.

Penso que o debate prossegue legal e bom de ler e pensar. Daniel e Rodrigo iluminam sempre o blog com bons comentários. São dois iluministas e republicanos de ótimo quilate.

ps- foi o "politicamente correto" q. minou e melou os debates. isso enfraqueceu a Sociedade Civil.

Lisandro Nogueira disse...

Caros amigos,
só para lembrar: Maria Rita Kehl é super de esquerda, petista séria e pensamento crítico de primeira. Jamais foi "politicamente correta". Observem a nova entrevista e seus textos contra o femininismo e a cultura da "falta de autoridade" - quando confundem dentro da esquerda autoritarismo com autoridade.(Lisandro)

Rodrigo disse...

Oi Lisandro,

Só pra esclarecer, eu não cobrei do filme que ele afirmasse o Estado como instância reguladora, mas que problematizasse esse tema. Justamente porque tivemos duros regimes com o controle do Estado é que essa problematização é importante: não teríamos novas formas de regulação, embutidas implicitamente na própria afirmação das identidades étnicas? (e aí podemos ir além do Estado, e pensar a própria ordem econômica globalizada). Isso tem muito a ver com o "politicamente correto". Zizek é um autor que discute isso muito bem.

Sobretudo, não quero cobrar que o Clint tenha uma postura ideológica que ele não tem. Mas o fato é que um tema como este não poderia despontar em um filme que deposita todas as fichas na moralidade de um herói virtuoso e nostálgico, tal como o Walt.

Bom debate o nosso. E o filme também é bom, não discordo disso (rs).

Abraços a todos.

Anônimo disse...

Li tudo rápido e não tenho muito o que acrescentar. Mas vou tentar alguma coisa pro Lisandro parar de reclamar que os alunos da turma dele não comentam nesse blogue.

Rodrigo, quando você fala que muito do filme fica nas arestas do herói (?), já coloca que isso está relacionado à forma. Então, cade o problema? A forma do filme depende totalmente da construção dessa personagem central porque é exatamente o-mundo-através-dela o interessante do filme. As limitações na abragência do filme, ao meu ver, são decorrentes dessa escolha que abre possibilidades diferentes. Acho que o importante aqui não é se o passado representado pelo velho é ou não abordado, o importante é simplesmente ser um velho que vê sua grama sendo suja, seu carro sendo roubado, seus filhos querendo só sua grana, a bioascese (de que fala Foucault) no centro de todas as importâncias, o mal-estar da civilização no rosto de um cara que quase morreu por aquela sociedade cheia de gangues estúpidas. E o melhor é que ele não é um ressentido. Isso, pra mim, já basta pra marcar esse personagem bem construído, e logo, o filme. Claro que o Walt não me atingiu como, em exemplo recente, o Daniel Plainview (de There Will Be Blood), mas certamente tem seu lugar.

E até onde a narrativa de Gran Torino é clássica se esse é um herói amargo, seco, racista, e que, apesar de todas as tensões apontarem para uma resposta violenta, se ferra no fim. Claro, o ato é digno de um herói, mas, de forma alguma clássico. Pra mim (e meus conhecimentos limitados), isso está mais perto da tragédia que do melodrama, que você citou.

Ah, e ninguém falou da trilha sonora. Foi composta por um tal de Jamie Cullum seguindo umas idéias que o Clint deu a ele. Tá ai – http://www.youtube.com/watch?v=NoLc43YuuTw&feature=related. É simpática, levemente melancólica, mas ainda um popzinho fácil e sem sal. Talvez, como todo o resto do filme, tenha seu pé na tradição hegemônica.

Obs: Um problema nessa discussão entre os iluministas republicanos é que o Daniel apenas pontuou, não argumentou.

Rodrigo disse...

Oi Aron,

Muito bom seu comentário. Você devia participar mais vezes.

De fato, a construção da personagem de Walt e a forma do filme são indissociáveis. O que você escreveu sobre isso condiz com a perspectiva que eu apresentei. O que importa, a partir disso, é que cuidemos da nossa liberdade de fazer uma crítica da forma, e não apenas do conteúdo.

Se nós dois concordamos que os limites da abordagem de Gran Torino são os limites que a forma do filme permite, nada mais justo que o esforço de transcender esses limites; ou seja, pensar o cinema para além do que está dado nessa obra.

Eu vi o filme apenas uma vez. Isso me permite dizer, talvez ainda com muito impressionismo, que o caráter mais forte do melodrama, neste filme do Clint Eastwood, fica por conta do elogio do mérito individual. Ainda que Walt não seja um ressentido, ele é uma personagem que afirma com todas as forças a resolução de conflitos bastante complexos com um elogio do indivíduo moralmente correto e virtuoso. Algo que já está nos melodramas de Griffith.

Quando noto as "arestas" que não podem ser discutidas nesse formato, chamo a atenção, por exemplo, para aquilo que essa resolução pelo mérito individual não permite despontar como problema: mostra-se o indivíduo, deixa-se amortecido o contexto mais profundo em que ele próprio, o indivíduo, está mergulhado. Talvez o Walt não seja o foco ideal para pensarmos isso, mas repare nas gangues, no lado "mal" que não se curva à boa moralidade civlizatória. São personagens que apenas servem de anteparo para o desfile de Walt na narrativa. Não se discute, por exemplo, a condição histórica do negro. Tudo o que temos são os "negros maus", que podem ser bons caso adquiram uma "alma branca", incorporando os valores corretos. Não quero defender o movimento negro ou algo do tipo: quero apenas mostrar que o discurso tem suas fronteiras, e não podemos negligenciá-las, mesmo quando aceitamos que Gran Torino é um filme "equilibrado". Não seria esse equilíbrio uma aparência? Tenho aqui as minhas suspeitas.

Sobre a relação entre melodrama e tragédia, creio que "Gran Torino" é um caso semelhante ao "O Lutador", que discutimos em outro post. Há um entrelaçamento sutil destes gêneros. Mas a predominância, até onde posso ver, ainda é a do melodrama. Do mesmo modo, considero Clint Eastwood um dos cineastas menos interessados em superar o cinema clássico como normatividade. Sem dúvida, não se trata do mesmo cinema dos anos 1930-50. Há momentos, por ex, em que a câmera de Eastwood é moderna (repare na cena em que Thao é agredido com o cigarro). Mas são incorporações mínimas do ponto de vista da estrutura do filme, que é bastante conservadora.

Abraços

Anônimo disse...

O Prof. Anselmo, com a sua lucidez, demonstra que, diante de uma obra de arte, não faz o menor sentido indagar se o artista é de direita ou de esquerda. Os verdadeiros artistas enxergam além das ideologias. Ninguém nunca questionou, por exemplo, qual era a ideologia de Ingmar Bergman.
Herondes

yedasm@hotmail.com disse...

Anselmo, foi muito bom ler seu texto no blog do Lisandro; espero que volte mais vezes.Vc conduziu bem a análise, cuidadosa e acessível.
Abraço, Yêda Marquez

yedasm@hotmail.com disse...

Anselmo, foi muito bom ler seu texto no blog do Lisandro; espero que volte mais vezes.Vc conduziu bem a análise, cuidadosa e acessível.
Abraço, Yêda Marquez

Lisandro Nogueira disse...

Olá Ieda,
Anselmo é tímido e fica sem jeito para responder; bom...eu respondo por ele e concordo com você: a análise ficou muito boa. Apareça sempre por aqui.
Lisandro

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