quinta-feira, 21 de maio de 2009

Os modismos intelectuais


* ACOMPANHAR O DEBATE NOS COMENTÁRIOS - ABAIXO DO TEXTO.
BREVEMENTE NOVOS POSTS.



Zizek e Caetano Veloso


Lisandro Nogueira

No meio universitário os "modismos intelectuais" são tantos que são parecidos com os do mundo da moda. Nos anos 70, eram os estruturalistas (semióticos, etc); nos anos 80, foi a vez da Escola de Frankfurt. No momento, celebram-se os Estudos Culturais. São escolas bem interessantes e abrigam intelectuais de altíssimo nível.

O problema é a recepção aqui no Brasil. Ficamos reféns desses modismos e acabamos não valorizando boas escolas brasileiras - com bons pensadores - e não enraizamos os conhecimentos que são acolhidos, celebrados e depois, sem mais e sem menos, esquecidos.

Lembro-me de Erich Fromm. Seu livro "Meu encontro com Max e Freud" era quase uma bíblia nos anos oitenta. Há poucos dias, conversando com um colega da sociologia da UFG, perguntei se ainda utilizam Fromm na bilbiografia: "Não, ele é datado!", afirmou.

Os frankfurtianos hoje são vistos de lado, sem muito entusiasmo. Atualmente a celebração fica por conta dos Estudos Culturais e do francês Gilles Deleuze. É impressionante com são citados em teses e mais teses. Quais os motivos para não discutir mais o Erich Froom e outros autores? Fromm já discutia o que Zygmunt Bauman entoa em seus livros sobre as modernidades - aliás, o polonês está na moda. Será que Deleuze cabe em qualquer pesquisa? Os Estudos Culturais são a solução para qualquer questão-problema? Eles são muito importantes e fundamentais. Todavia, não "cobrem" todo o espaço da pesquisa e do debate cultural.

Outro exemplo: os núcleos psicanáliticos, tão focados nos estudos sobre Freud, ignoram solenemente Reich. Nos anos 70 e 80, Reich estava na moda. Era impossível não ouvir falar em "Escuta! Zé Ninguém", "A função do orgasmo" e tantos outros livros. Não se fala mais em Reich. Os jovens psicanalistas ignoram um dos mais importantes discípulos de Freud. E mais: mal compreenderam Freud e já começam a pronunciar um "lacanês" (Jacques Lacan) sem eira e nem beira. Por isso, gosto dos Lacanianos sérios. Maria Rita Kehl, por exemplo. Alguns empastam Lacan e se empostam para afirmar o incompreensível. Os "discípulos afetados" (fashion) do Lacan vão passar; ele, bons comentadores e seus escritos permanecerão.

A última importação do mundo intelectual fashion é o esloveno Slavoj Zizek. Ele é celebradíssimo por psicanalistas, historiadores e tantos outros. Zizek têm seus méritos (afirmo isso por causa dos meus amigos que o conhecem e o valorizam). Mas tenho a intuição que pode se esquecido assim como aconteceu com Fromm e tantos outros. Uma das características do "modismo intelectual" brasileiro é celebrar a "novidade" e depois esquecê-la ou ignorá-la, simplesmente. Continua a pergunta: quais os motivos para os modismos?

Um aperitivo enquanto pensamos na resposta. Comentários...(o debate prossegue nos comentários abaixo; para abri-los é só clicar na palavra "comentários")

PS: por falar em Zizek, no blog do Antonio Cícero, poeta, duas respostas não publicadas na versão impressa da revista Cult. No número mais recente, Caetano Veloso, em entrevista exclusiva, afirma não concordar com Zizek. O baiano é sempre instigante, contraditório e inteligente.

49 Comentários

Pedro disse...

Pessoal,
Esse Zizek deu uma entrevista genial na TV Cultura, no programa Roda Viva. O cara é "doido" e inteligente demais. Fala pelos cotovelos e pelo cérebro privilegiado. A Maria Rita Kehl ficava babando.
Caetano já acho meio chato.

Alvaro Jose -UEG disse...

Zizek é muito bom e Deleuze é o máximo. Os frankfurtianos não conseguiram abarcar o novo mundo pós-mídia. Penso assim e devo dizer que Bauman é tão bom quanto qualquer intelectual frankfurtiano.

Saulo Prado disse...

"A se eu soubesse o que eles sabem, certamente não saberia o que sei"

Deputada Cilene Guimarães Escritorio Virtual disse...

Parabéns pelo seu blog Lizandro,um blog fundamental na blogosfera, que orgulha todos nós goianos.

Rodrigo Cássio disse...

Caetano me deixou tonto com tantas citações. Ao final, não entendi bem o motivo pelo qual ele discorda de Zizek. Até porque, ao contrário do que diz Caetano, Zizek não afirma que "toda crítica à liberdade de expressão nos países comunistas é mera tramóia liberal burguesa".

Recentemente, traduzi ao português um artigo de Zizek no qual ele afirma, com toda a clareza, que o regime stalinista foi mais "irracional" que o nazismo. Diz Zizek: "À luz de Stalin, nos recentes anos 1930, ninguém estava seguro: qualquer um poderia ser denunciado inesperadamente, preso e considerado um traidor". Isso não é uma crítica à liberdade de expressão em um país sob a égide do comunismo?

A tradução completa está aqui: http://vistoseescritos.wordpress.com/2009/04/04/zizek-e-os-totalitarismos/

Zizek é realmente muito bom. A depeito dos modismos (que são realmente terríveis). E a despeito também do Caetano, que reduz uma tradição inteira de pesquisa à ideia de que "eu não sou manipulado, eu tenho clareza de pensamento". rs

Lisandro disse...

Caro Rodrigo,
Penso que Caetano faz um trabalho útil: "salvar" o Zizek dos modismos e do submarxismo presente nas Universidades brasileiros. Os marxistas sérios não entram na onda dos modismos. ps: vou reler Erich Fromm.

Rodrigo Cássio disse...

Lisandro,
Dessa vez discordamos. Caetano é um músico genial, e um intelectual interessado. Mas não vejo como ele pode ter salvo o Zizek apenas manifestando opiniões como "o que há de mal no café descafeinado"? Isso é evitar discutir as ideias do autor. O que é pior do que discutir no meio da onda que o colocou "na moda".
Também não vejo diferença entre uma Revista Cult (o intelectual como esterótipo, o pensamento como produto - logo, volátil, descartável) e os modismos acadêmicos. Se o Caetano quer salvar Zizek, no mínimo, estava no lugar errado. rs
Abraço

Valeria disse...

O Zizek é muito inteligente. Li seu livro "Bem vindos ao deserto do Real". Muito bem pensado. Leitura imprescindível nesses tempos tão esquisitos

Carmem da UEG disse...

Boa tarde!! Concordo com Rodrigo. A revista Cult é bem fraquinha e parcial. Gosto mais de Caros Amigos e Bravo. Esse blog é muito gozado. Não sei quem é Zizek direito. Vou querer saber e ler sobre esse novo intelectual.

Marco A. Vigario disse...

Também fiquei com a impressão de que Caetano leu a orelha do livro e não entendeu nada.

Candido disse...

Prezados,
SE não fosse a Tropicália, com todos os seus acertos e erros, estararíamos ainda vivendo sob o regime militar ou sob a ditadura de um Pol Pot tupiniquim. Mas o Zizek é bom mesmo e o Caetano acerta e erra.

Candido disse...

Prezados,
SE não fosse a Tropicália, com todos os seus acertos e erros, estararíamos ainda vivendo sob o regime militar ou sob a ditadura de um Pol Pot tupiniquim. Mas o Zizek é bom mesmo e o Caetano acerta e erra.

J. Otero disse...

Caros blogueiros,
a discussão é boa. Mas podemos falar sobre os modismos. Hoje em dia a moda sobrevive por quanto tempo? O foco do texto do Lisandro são os modismos acadêmicos. Por que eles são tão fortes? Vide Zizek e Caetano que roubaram toda a discussão.

Eduardo disse...

Na música não disco, mas acho Caetano fraco como intelectual. Sobre Zizek, gosto dele. Se é passageiro, só o tempo dirá. Sua entrevista no Roda Viva, no entanto, achei trivial e desastrosa.

Anônimo disse...

Bom dia! Lisandro, fomos colegas no curso de História. Gosto do seu blog porque dá oportunidade para seus ex-alunos e alunos, realizando inclusive debates interessantes. Permita-me discordar e concordar com um dos seus alunos: Caetano Veloso perdeu a verve crítica depois dos anos noventa. Ele tem pouca autoridade para falar de intelectuais maduros. Agora concordo com você: as modas intelectuais nos massacram demais. Recordo-me do professor Pe. Palacin, seríssimo professor de história. Ele sempre disse sobre esses modismos na vida acadêmica e julgava ser um problema do noesso atávico colonialismo. Eu não sei assinar esses nomes aqui mas deixo meu nome. Maria Euci Cardoso.

Maria Euci disse...

Alguém ainda suporta ouvir falar de Caetano, Gilberto Gil e esses baianos indolentes?

Rodrigo Cássio disse...

Cara Maria Euci,
Concordo que grande parte do "modismo" resulta da nossa colonização. Seria importante estimular a autenticidade, tanto quanto a erudição. Mas isso poucas vezes ocorre, em qualquer nível da pesquisa acadêmica. E não é só culpa dos intelectuais: há toda uma estrutura que nos submete aos imperativos da "produção" e da "qualidade". Quando um Zizek deixa de ser bom pelo que escreve, passando a ser bom pela sua "atualidade" (deixando à sombra os autores "datados"), já está consumado esse vício do pensamento como uma roda vida, e não como liberdade e diálogo sincero das ideias.

Rodrigo Cássio disse...

roda viva*

Anônimo disse...

Bom dia!! Rodrigo, nunca imaginei que na internet fosse possível a troca de idéias. Frequento agora alguns blogs e, nos últimos anos, eles são mais estimulantes que o dia a dia nas escolas. Digo isso com pesar mas vivenciando talvez uma nova realidade. Voltando ao assusnto, as novas mídias impõem esses novos ícones e alguns são bons demais e esquecidos rapidamente. Passamos a viver um eterno presente que não permite a água do conhecimento chegar até o solo profundo. POr isso, cultivo os velhos Levinas, Benjamin, Rosseau e tantos outros. A roda viva não permite a solidez do conhecimento e nos induz a paixões momentâneas.
ps - Maria Euci. De novo não sei assinar mas vou aprender.

Daniel Christino disse...

Acho complicado quando começamos a teorizar nossa incapacidade de produzir teoria. Ainda mais complicado é derivar para uma discussão sobre provincianismo intelectual.

Na época em que eu fiz filosofia a figura da vez era Wittgenstein. Muito dificilmente alguém pode argumentar que ele não permanecerá, junto com Heidegger, como um marco da filosofia do século XX. Ainda assim chegou ao Brasil como moda, pelas mãos de um marxista (Giannotti). Foi moda, mas ficará.

Lendo o texto traduzido pelo Rodrigo e a entrevista do Caetano, fiquei com a impressão de que o Zizek é o Olavo de Carvalho da esquerda. Senhores, não me digam que vocês ainda acreditam na luta de classes? Ou acham que a revolução russa foi "autêntica" - que diabo de categoria política é essa? O Lisandro tá certo, o negócio é voltar a Freud, Eric Fromm e aos caras realmente relevantes.

Rodrigo Cássio disse...

Olá Daniel,

O fato de que os autores que ficam, e que são realmente bons, tenham sido alguma vez "moda", não diz nada sobre o nosso provincianismo intelectual e a nossa falta de autonomia teórica. Já a maneira como nos relacionamos com os autores que lemos, isso sim, diz muito.

Não é tanto a presença do Wittgenstein, mas a maneira como ele está presente, o que importa. Na filosofia, vivenciamos isso de modo claro. Em quase a totalidade do tempo, somos comentadores, e não autores. Vide as discussões feitas por Gonzalo e Cabrera (mas não só) em torno desse tema.

Rodrigo Cássio disse...

Quanto à semelhança de Zizek ao Olavo de Carvalho, acho um enorme equívoco. Leia o primeiro texto do Zizek em "Mapa da Ideologia", ou até mesmo uma obra menos densa, como "Em Defesa da Intolerância", e note em quais termos ele fala de luta de classes. Em todo caso: como assim não podemos acreditar em luta de classes? E podemos acreditar na epoqué? Podemos acreditar no mundo da linguagem? Essa desconfiança não é aplicar a ideia de que certas teorias são absolutamente "datadas", a despeito de como são apropriadas no presente?

Pois, como você sabe, não se trata de acreditar, mas de evidenciar as teses com fundamentos. E acho que a diferença entre o que faz um Zizek e um Olavo, nesse ponto, é drástica.

Mesmo no texto que eu traduzi, que tem um sentido de intervenção bem próximo ao dos articulistas da estirpe do Olavo, o Zizek é melhor, como pensador. Nesse texto, ele faz aquilo que Olavo evita o tempo todo: reconhecer que existem diferenças consideráveis entre os totalitarismos de direita e de esquerda. Em momento algum ele diz que o Stalinismo foi "melhor" que o Nazismo. Ele diz, sim, que o que houve de terrível em cada um desses regimes esteve fundamentado em algo particular, que impede colocá-los em uma única perspectiva.

Se há comprometimento ideológico em Zizek (por que não poderia haver?), ela não é gratuita e baseada em falácias, como geralmente ocorre nos escritos de Olavo. Reconheço os "limites" de Zizek (limites naturais, de todo pensador, todo pensamento), e não quero ser o seu "advogado". Mas acho essa aproximação dele a Olavo realmente equivocada.

Renato Rocha disse...

Lisandro,

O Zizek é esloveno e não lituano como tu afirmastes.

Daniel Christino disse...

Rodrigo, esse discurso da originalidade que o Gonçalo e o Cabrera fazem é bonito, mas perigoso. Simplesmente porque pode se direcionado contra seu enunciador: não é um despropósito exigir originalidade de quem acredita ser absolutamente essencial que sejamos originais! Nisso falham tanto o Cabrera quanto o Gonçalo. Se são originais, o são em seus erros, como todo mundo.

Quem ataca o comentário baseado no Sapere aude kantiano - e é daí que vem a neurose da originalidade - corre o risco de repetir, com ares arrogantes, o que outros já disseram anteriormente sem o saber. Mais vale a máxima agostiniana do Tolle legere. Se não conseguimos, na filosofia, escapar aos comentário é por conta da nossa própria incapacidade - e não simplesmente pelo provincianismo, isto é, pelo modo subserviente com o qual nos engajamos no debate das teorias que vêm de fora. Ou você é original no exercício do seu craft ou não é. Aliás, esse debate inteiro cabe naquela piada da centopéia.

~~~***~~~

"Acreditar" aqui significa algo como "heuristicamente relevante". O conceito de classe social, assim como o de massa, não explica os fenômenos que um dia já explicou. Ou você acha que podemos alcançar algo importante ao subsumir, por exemplo, a complexa diversidade dos indivíduos a um traço econômico único e definidor? Tudo bem, podemos revisar o conceito, mas daí porque preferi-lo ao de "campo" do Bourdieu, ou de "cena" do Interacionismo simbólico?

Em todo caso essa é só uma discordância geral em relação a noção de "classe" como categoria de análise. Não li o Zizek - e infelizmente não tenho tempo para lê-lo agora - suficientemente para me aprofundar no debate. Mas confesso que, no horizonte das minhas possibilidades de leitura, não me atraem abordagens revisionistas do marxismo.

~~~***~~~

Sobre o texto que você traduziu o que me chamou a atenção foi o contexto ideológico que o próprio Zizek, assim como o Olavo, omite: o caráter bélico do texto. O jogo argumentativo se desenrola no sentido de afastar o socialismo do nazismo, enquanto que a direita os quer juntos. O problema, obviamente, é a identificação com o que toda a platéia mundial considera o Mal absoluto na política. Reconhecer que o totalitarismo stalinista foi "irracional" significa dizer que houve um desvio de rota, inviabilizando a estratégia conservadora de associar, de modo praticamente "genético", a brutalidade do regime soviético com as idéias de Marx e Engels, Lenin e Trotsky (curiosamente é o mesmo argumento que a neo-escolástica usou para dissociar o catolicismo das perseguições inquisitórias: funcionava ali uma lógica de Estado, de poder; e não a doutrina critã como tal).

É a estratégia conhecida como "ovo da serpente". O cristianismo já contém o germe da inquisição, assim como o capitalismo contém o germe de auschewitz e o marxismo (de todo tipo) já contém o gulag. Assim, para o Zizek, o antissemitismo é uma idéia fundamental no nazismo - equivalente, em relevância doutrinária, à luta de classes -, enquanto que o stalinismo (vamos chamá-lo assim) é um desvio irracional das possibilidades positivas (autênticas) da revolução de outubro. É o mesmo expediente do Olavo: esconder para conquistar! Se você já concorda com o Zizek de saída, gostará do texto. Não há, aqui, nenhuma evidência fundamentada. Além disso o texto é muito confuso, com as paráfrases encavalando o argumento.

Concedo que o Zizek pode ser bom, mas o texto que você postou não configura uma boa defesa. Como o Fantini também gosta muito do cara, acho que vale a pena, afinal já são três pessoas inteligentes que me falam bem dele (você, o Fantini e o meu amigo Leon Rabelo). Contudo, assim como o Lisandro, sou cético.

Candido Cesar disse...

Boa noite!! Caro senhor Daniel Cristino, o professor Lisandro não falou mal do Zizek e de nenhuma corrente. O j. Otero chamava a atenção para o ponto central do texto: a questão dos modismos. Ele só lamenta que boas escolas teóricas e bons intelectuais sejam esquecidos rapidamente. De qualquer forma, eu gostei do debate profundo de você e Rodrigo Cássio. Eu lia Dante Moreira Leite e o seu excelente texto "O caráter nacional brasileiro". Na Faculdade me disseram que ele estava ultrapasado. Quando cheguei na UFRJ para o doutorado, professores de orientação marxista ou liberal, falavam da grande importância de Dante. O baixo clero, principalmente submarxista, como afirma o prof. Lisandro, é que rotula e estraga o debate sério. Repito: o problema não são os grandes teóricos. São seus seguidores que não conseguem entender as premissas e os métodos. Os seguidores, na realidade, são os responsáveis pelo "esquecimento" dos grandes intelectuais - junto com outros fatores. Acho que a causa dos modismos passa pela formação dos nossos professores. Infelizmente eles não têm mais a formação total dos antigos intelectuais. OUtro problema: a profunda ideologização do debate intelectual no Brasil, após o golpe de 64. obs: profa. Euci, estivemos juntos no seminário sobre "Política e ideologias" na UEG.

Rodrigo Cássio disse...

Oi Daniel,

Não seria um tanto redutor conceber que não escapamos do comentário, em filosofia ou em qualquer outra tarefa do pensamento, porque somos incapazes disso? Não apenas redutor, mas injusto com a nossa própria inteligência – talvez até um sintoma de que somos, sim, bastante provincianos.

Justamente porque você me fala de como é impossível reduzir a complexa diversidade dos indivíduos a um traço único e definidor é que eu imagino sermos todos aptos a ir além do que chamamos, aqui, de “comentário”. Nesse ponto, a ideia da originalidade é necessariamente problematizada. Eu não percebo uma noção ingênua de originalidade em Gonzalo nem em Cabrera (sobretudo em Cabrera, com quem dialogo e de quem leio ideias atuais a esse respeito). Há, sim, um interesse pelo que pode ser chamado de metafilosofia, e que tem, a meu ver, um grande valor para nós, tradicionais exportadores de filósofos europeus consagrados, leitores do alemão e do francês, mas raramente lidos pelos que estão do lado de lá, em qualquer língua que publiquemos.

Muito mais que uma incompetência essencial, são condições institucionais, envoltas na prática da pesquisa, e principalmente elementos relativos à nossa identidade cultural (o histórico eurocentrismo), o que impede que sejamos, por assim dizer, mais dispostos em relação à nossa própria potencialidade. Logo, de certo modo, somos mesmo incapazes e temos imensa responsabilidade pelas nossas limitações. Mas entendo isso apenas no sentido de que raramente colocamos em xeque a maneira como o estudo das ideias se enraizou e está efetivado na sociedade brasileira. Justamente o que motiva críticos como Gonzalo e Cabrera, e mais uma meia dúzia de pessoas, talvez.

***

Quando Zizek (para seguir no exemplo) revisa o conceito de luta de classes, ele só pode ter em vista um resultado heuristicamente relevante. Não vejo como isso pode escapar a qualquer projeto de pensamento que se queira atual - e, portanto, atualizador.

O seu argumento só poderia ser válido, segundo me parece, supondo uma exata correspondência entre os conceitos de "campo", "cena", "luta de classes" e "massa". O que não é o caso.

Considerando que os dois conceitos descartados por você são justamente os mais caros ao discurso teórico da esquerda, eu me pergunto se o que você considera heuristicamente relevante está isento de um condicionamento ao poder dos discursos, foucaultianamente falando. (Essa provocação é uma brincadeira, mas não deixa de fazer sentido, rs).

Rodrigo Cássio disse...

(Continuação)

Penso que é possível salvar Zizek da sua crítica quando entendemos o texto que traduzi em conexão ao que está exposto em seus trabalhos mais teóricos. Concordo que há retórica no artigo para jornal de Zizek, mas separo isso completamente do que faz o Olavo: este não possui o fundamento sólido. Olavo é um polemista. Zizek é um filósofo sério. Tenho isso claro, na medida em que conheço textos de ambos.

Agora, mesmo sem o apoio da obra de Zizek, o ovo de serpente que você identifica me deixou a impressão de que a defesa da tradição de esquerda, feita por ele, se limita a um revisionismo do caráter aparente do totalitarismo stalinista, quando ela é mais que isso. Na sua crítica, a simetria adequada ao raciocínio usado seria admitir que o nazimo pode ser pensado sem o antissemitismo, do mesmo modo que os desdobramentos da revolução russa podem ser cogitados sem o terror stalinista (Zizek teria feito o segundo, mas não o primeiro).

No entanto, esse entrelaçamento do histórico ao conceitual é justamente o que Zizek procura evitar, posto que o cerne da sua discussão, mais do que o necessário aprofundamento da história do stalinismo, é a comparação entre os fundamentos de cada um destes regimes. Que os dois foram terríveis, isso não pode ser questionado. Porém, que um deles possui um fundamento muito “pior” que o outro, é algo que pode ser analisado. Importante ressaltar que, para Zizek, o nazismo sequer possui uma originalidade de fundamento: trata-se de uma versão da luta de classes adquirida por deslocamento (verschiebung). Nesse sentido, Zizek reconhece (assim como gosta a direita) que o nazismo e o stalinismo estão vinculados a uma mesma origem. Portanto, ambos são “desvios irracionais”, e não apenas o stalinismo. Penso que isso evita um tratamento desigual, que seria mera omissão, e que prejudicaria realmente o argumento.

Candido da UEG disse...

Caros comentadores,
Nazismo e Stalinismo são a mesma coisa. Assim como os crimes em DAfur e no Sudão. Mas esses países não chamam a mídia. A consequencia é que as idéias dos nazistas e stalinistas continuam por aí, um pouco camufladas, mas estão vivas.

Lisandro disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Daniel Christino disse...

Rodrigo, vou comentar o trecho sobre originalidade primeiro.

Ou ela existe, e aí esse debate é desnecessário; ou ela não existe, e aí debater sua falta não nos tornará mais originais, exatamente porque nos lançará num locus fora daquele no qual a originalidade habita. Aqui não vale a máxima da teoria crítica de que pensar nossa condição nos emancipará das amarras históricas e ideológicas nas quais caímos e nos restituirá o leme do nosso destino. A metáfora luminosa aqui não é a da superfície versus fundamento ( e suas variantes, essência x aparência, superestrutura x estrutura, etc.) mas a do jogo, do símblo e do festival!

Foi por isso que você, ao que parece, não sacou o Tolle Legere agostiniano, Rodrigo! Não se trata de substituir a originalidade pelo comentário - reduzindo-a a uma tagalerice bajulatória -, mas de entender que é através da revisão sistemática dos textos canônicos que vamos alcançando alguma originalidade. A crítica encontra aqui seu papel, mas não possui a mesma majestade que possuía em seu reino de origem. Não se trata de desvelar fundamentos ocultos pelas circunstâncias socio-econômicas (materiais). Minha posição é o oposto exato do reducionismo.

~~~***~~~

O argumento se sustenta independente de uma correspondência. Essencialmente ele diz o seguinte - não posso deixar de notar que você realmente "vê" os argumentos como o Cabreira, interessante -: o conceito de classe tornou-se um flatus vocis. Não pretendo que os conceitos de "campo" e "cena" substituam o de "classe". Para entender o argumento precisamos entender o que significa, para uma categoria de pensamento, "perder sua heurística". Isso quer dizer que o objeto que ela referenciava desenraizou-se completamente do real, evaporou. Ele ainda resiste por uma certa inércia temática - assim como os conceitos de direita e esquerda, que já não funcionam sem um qualificativo (esquerda americana, cultural, econômica, etc.). Na minha opinião este é o GRANDE debate que deve ser feito pela esquerda, como diz o Jon Elster (leia lá no NPTO): "de volta ao Museu Britânico". O resto é perfumaria, Rodrigo!

Rodrigo Cássio disse...

Oi Daniel,

Concordo que a revisão sistemática dos textos canônicos é o que pode nos levar a alguma originalidade (ainda que você pareça ter mais segurança sobre o que isso pode significar do que eu, que não me arrisco a dizê-lo). Contudo, a majestade da crítica, nesse debate sobre o provincianismo, não me parece depender de uma originalidade possível, mas da possibilidade de o pensamento operar criativamente, a despeito do que pode resultar daí: o que nos falta não são os esforços para obedecer à máxima agostiniana do “Tolle, Lege”, e sim a disposição para direcionar esses esforços em um verdadeiro confronto com o real que nos circunda.

Arrisco dizer que é o desprendimento dos textos, e o olhar sobre as nossas circunstâncias, o que falta à perspectiva que você apresenta. Se pensarmos no que poderia ser a filosofia no Brasil, caso levássemos a sério a noção orteguiana (tão potencialmente latina!) de vida como realidade radical, o problema não ganharia outras tinturas? E aqui caberia também a crítica de Ortega ao cogito de Descartes: antes do ‘eu penso’, há essa instância vivente que ocasionalmente se compromete com a verdade, nem sempre em função de uma heurística, mas do valor que a verdade possui para o próprio “eu”.

Pergunto, agora muito orteguianamente: quais são as circunstâncias da filosofia no Brasil? Suspeito que uma confiança tão grande na hermenêutica não pode nos ajudar com essa indagação, se é que tal confiança nos remete inevitavelmente a uma tradição de pensamento que não precisa ser, necessariamente, a nossa. Mais grave ainda, em todo caso, é o pesado aparato institucional que determina o valor do pensamento, como se nós, filósofos e demais ocupados com as ideias, atuássemos em função de um ritmo produtivo que convém melhor aos jogos de basquete que ao jogo da verdade (quantos pontos no Lattes, esse ano?).

E aí entra a intriga do Lisandro: a moda, a vida acadêmica... miseravelmente, estamos distantes dos medievais, ainda que possamos citar Agostinho.

Sobre “luta de classes” e “massas”, eu vejo o risco de um argumento circular: só é heuristicamente relevante se encontra respaldo no real, e só encontra respaldo no real se for heuristicamente relevante (afinal, que real é este que nos serve de cabide, caro Daniel?). De outro modo, eu diria: um conceito só é heuristicamente relevante quando é razoável, e só podemos julgar se é razoável quando analisamos os seus fundamentos. Logo, precisaríamos ir ao texto de Zizek, para saber se o que ele diz sobre luta de classes vale a pena, ou não.

Um abraço.

Rodolfo da UFO disse...

Por falar em modismos intelectuais, onde foram parar Hebert Marcuse, Ortega y Gasset e tantos outros. Aqui em Uberlândia é a mesma coisa: ninguém sabe mais nada do passado. Usamos autores novos, que devem ser bons, mas os professores novos não conhecem o Cânone do conhecimento ocidental antes do século 20. Uma pena. Bem lembrado, prof. Lisandro. Sua irmã Consolação envia um abraço.

Rodolfo da UFU disse...

Por falar em modismos intelectuais, onde foram parar Hebert Marcuse, Ortega y Gasset e tantos outros. Aqui em Uberlândia é a mesma coisa: ninguém sabe mais nada do passado. Usamos autores novos, que devem ser bons, mas os professores novos não conhecem o Cânone do conhecimento ocidental antes do século 20. Uma pena. Bem lembrado, prof. Lisandro. Sua irmã Consolação envia um abraço.

Milordi (o mímico) disse...

Senhores e moças,

Caetano Veloso é meio chato. Eu, porém, e talvez sozinho, concordo totalmente: "Matrix é um abacaxi de caroço". É um filmezinho muito chato.

Gonçalo Armijos disse...

O Lisandro me escreve e pede que intervenha na discussão em que foi citado meu nome e o do Julio Cabrera. O Cássio participa das discussões de um grupo sobre filosofia no Brasil do qual faço parte e sei que o que afirma está baseado na leitura do que escrevo e dos textos do Julio, com quem conversa bastante. Sobre o que diz o Daniel. Bem, como popperiano declarado que sou, afirmo que se aprende com os erros. Lamentavelmente, o Daniel só fala de erros, deixando-me na escuridão sobre quais poderiam ser, especificamente, os meus. Aprenderia muito, sem dúvida, se o Daniel pudesse me iluminar sobre esses meus erros para aprender com eles. Só assim poderia, como o Lisandro pede, participar do debate com algum fundamento. De qualquer forma, fico feliz de saber que há quem acompanha o que escrevo e reflete sobre o que digo.

Lisandro Nogueira disse...

Prof. Gonçalo,

gostaria muito de ouví-lo a propósito dos "modismos intelectuais". Em 1997 participamos de um seminário sobre a Escola de Frankfurt (Heck, Adriano - hoje em Porto Alegre - Ralf, Anita Rezende) e debatemos esse tema. Recordo-me que o senhor fez um bom comentário sobre esse tema.

João A Fantini disse...

Bem lembrado Lisandro!
não sei se cabe, mas para saber mais sobre o que Zizek pensa sobre liberdades individuais nos sistemas políticos, há uma artigo dele disponível na net que considero bem interessante: Legal Luck ( disponivel em http://www.legalleft.org/wp-content/uploads/2008/05/zizek-unbound.pdf)
No mais, digo - de novo - o que disse Glauber sobre modismos: "No Brasil Alziro Zarur é mais importante que Lênin..."
Bons debates estes!

Gonçalo Armijos disse...

Para ser franco, Lisandro, eu nunca acompanhei os modismos, por isso não sei que poderia ser isso de "Estudos Culturais". Na verdade, eu me apaixono por determinados autores que, em alguns casos, me acompanham a vida inteira. E a paixão não quer dizer 'gosto deles porque concordo com eles'. Sou apaixonado por Platão, apesar de não ser idealista nem defender muitíssimas coisas que Platão defende. Gosto muito de Popper, por quem fui muito influenciado, mesmo apesar de ele ter sido um antimarxista ferrenho e nunca ter recebido a preferência das massas. Fiquei apaixonado por Feyerabend, apesar de não concordar com a tese do anarquismo filosófico. Admiro sobremaneira o Espinosa, que escreveu um dos monumentos intelectuais da nossa cultura, a Ética, e por aí vai. Por isso tudo lamento ver que as pessoas defendem ideias de quem está na moda e que mal compreendem. Foi o que ocorreu, nos anos 60, com Hegel e com Marx. Todo modismo tem mais de nefasto do que qualquer outra coisa.

Anônimo disse...

Li o texto do prof Lisandro e minha ignorância deixou-me entender poucas coisas. Dos autores citados li apenas Freud, Lacan e Reich; e li muito pouco em relação ao tamanho da obra. Lacan é bem mais instigante que Reich, talvez aí a explicação do "modismo" psicanalítico em relação a Lacan.

Os modismos sem eira nem beira como o prof. bem explicitou são passageiros, os pensadores permanecem. Torço para que isso seja real.

Li os comentários e pouco compreendi o que está escrito - de novo minha ignorância me permeia.
Já o meu filósofo goiano (leio-o no www.jornalopcao) com sua sinceridade, serenidade, autoridade... prof Gonçalo Armijos, compreendi que todo modismo tem mais de nefasto... e também não faço idéia do que seja "Estudos Culturais".

Será que o prof. Gonçalo assistiu o filme O Homem Que Não Vendeu Sua Alma que narra uma parte da vida de Thomas More? E o senhor, prof Lisandro, assistiu este filme?

Abraço e parabéns
Goiás agradece,

Thomas Silva

Gonzalo Armijos Palacios disse...

Thomas, não vi o filme, mas apenas vá para Goiânia vou procurar nas locadoras. Thomas More é um daqueles filósofos que admiro profundamente. Um abraço,
Gonzalo

Daniel Christino disse...

Caro Prof. Gonçalo,

Quem me dera ser capaz de lhe mostrar os erros que entrevejo em suas posições sem cometer eu mesmo erros de envergadura ainda maior. A palavra saiu-me, confesso, torta. Seria correto dizer que tais erros se devem mais a meus desejos de certeza do que a um vacilo de argumentação da sua pena. Resta-me, portanto, esclarecer minhas posições em pelo menos um tema: o da originalidade.

Quero também deixar claro que as discussões travadas em blogs nunca se aprofundam devidamente e que outros fóruns – e-mails e listas de discussão, por exemplo – são bem mais amigáveis no que tange à refutação ou mesmo ao diálogo crítico. Aqui as coisas tendem a ficar unidimensionais.

Igualmente importante é ressaltar a envergadura filosófica tanto do professor Gonçalo quanto do professor Julio Cabrera. Ambos possuem história e engajamento filósofico maiores do que o meu e também uma obra filosófica consistente e reconhecida. Do Cabrera li Margens das Filosofias da Linguagem e O Cinema Pensa. E do professor Gonçalo li Como fazer filosofia sem ser grego, gênio ou estar morto . Fui aluno do professor Gonçalo no mestrado da UFG sem necessitar dos créditos, simplesmente porque era o professor Gonçalo! Foi o professor que mais me desafiou intelectualmente durante a graduação e o mestrado. Por conta dele fui ler Euclides e Newton.

Isto posto, eis a questão: considero a embocadura da originalidade inadequada para o instrumento que pretendemos soprar aqui. Daí, creio, não sairá boa música.Digo isso porque a noção de originalidade (derivação de origem, cujo sentido filosófico primitivo é “causa, princípio”) está desde sempre contemplada em qualquer texto escrito por um indivíduo singular. Original é tudo aquilo que não ocorreu antes sendo, portanto, novo. Este texto que acabei de digitar, por exemplo, é original.

Por outro lado a noção de originalidade exige que uma obra seja produzida, pois se supõe original um texto quando este é comparado a outros. Grandes filósofos são originais nestes dois sentidos: pensam algo que ainda não foi pensado e tornam-se referência para o modo como a questão será pensada daí em diante, dando origem a escolas de pensamento (platonismo, aristotelismo, hegelianismo, etc.).

Daniel Christino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel Christino disse...

De acordo com o próprio livro do Prof. Gonçalo – e em inúmeros textos no Opção e entrevistas espalhadas pela Internet – não filosofamos simplesmente para acrescentar algo novo ao mundo. Filosofamos para atender a uma necessidade existencial própria, uma questão que nos define intelectualmente. E tal coisa, a princípio, nada tem a ver com a produção de uma obra filosófica. O embate filosófico pode acontecer no silêncio da leitura, sem que algo novo seja acrescentado ao mundo. Aqui não há originalidade – e nem tem como haver, já que nada há para ser comparado e mensurado – só autenticidade. O termo, derivado do grego, quer dizer “aquilo que consiste num poder absoluto, principal, primordial”. Um indivíduo autêntico, portanto, é aquele que tem poder para se assumir tal qual é em seu modo de ser singular. A autenticidade possui um genuíno valor normativo, a originalidade, por outro lado, define-se ontologicamente.

A autenticidade é condição para a originalidade, mas não condição suficiente. Platão foi original; já eu posso, no máximo, ser autêntico. Se conseguir, a partir do meu próprio esforço e talento – aliado a circunstâncias felizes! – dar à minha autenticidade intelecutal uma expressão original, ótimo. Mas posso muito bem me dar por satisfeito com a leitura e o comentário sobre Platão, desde que me auxiliem na compreensão das minhas questões próprias. Ambos os modos podem ser autênticos, apenas o primeiro é original. Ademais acredito que o epíteto “original” é concedido pelos pares ou pela tradição e não pelo próprio autor a si mesmo. Seria um tanto ridículo. Creio que a máxima da hermenêutica gadameria nos serve aqui como uma luva.

The essence of what is called spirit lies in the ability to move within the horizon of an open future and an unrepeatable past. Para terminar o livro do prof. Gonçalo foi recebido – entre os alunos do antigo ICHL II – no horizonte de uma crítica da filosofia acadêmica. Acho que isso ajudou na interpretação do seu argumento como um libelo em favor da originalidade filosófica brasileira. Seus textos foram parar até no site do Olavo de Carvalho, geralmente refratário ao que é produzido na academia. Neste ponto, entretanto, sou obrigado a fincar pé numa posição talvez bastante diferente. Não considero relevantes as questões envolvendo o contexto político/acadêmico da filosofia brasileira. Apesar de reconhcer o papel das “circunstâncias felizes” acredito que elas sejam secundárias. Considero, pelos motivos expostos acima, um equívoco que se misturem as coisas. E agradeço ao prof. Gonçalo por ainda ser o mesmo depois de tantos anos: intelectualmente desafiador!

Gonzalo Armijos Palacios disse...

Vou me limitar às primeiras afirmações do Daniel – por concordar com elas plenamente e porque levantam uma questão importante. Não penso que alguém, seriamente, possa querer fazer algo por querer ser original . Penso que se o que afirma termina ou não sendo original não interessa. O que interessa é o problema que motiva suas reflexões, o grau de autenticidade por trás do que foi dito e de se o que se afirma é verdadeiro ou não, entre outras coisas que podem ser importantes. Mas, certamente, e concordo com o Daniel nisto: ninguém que pensa ou escreve algo com seriedade e autenticidade o faz motivado pelo desejo de originalidade ou procurando a originalidade. Vou lembrar de um fato que mostra que realmente acredito no que acabo de dizer e, por coincidência, envolve o próprio Daniel. Anos atrás, quando o Daniel era estudante da Faculdade de Comunicação da UFG, um professor o procurou oferecendo-se a dar uma palestra. Pediu que o Daniel organiza-se a palestra e terminei sendo convidado, pelo professor, para ser debatedor. Eu aceitei, recebi o texto e, na véspera da conferência, fui ler o que o professor tinha escrito. A verdade é que não entendi absolutamente nada. Recorri ao auxílio de outro colega para ver se me ajudava a entender o texto que devia debater. Sem sucesso. Liguei para meu colega para sugerir que, em lugar de ler o texto, dissesse o que queria dizer, como quando se dá aula. Ele não me retornou e só apareceu na hora da conferência. Quando aquele professor terminou a leitura do texto, o Daniel me passou o microfone para começar o debate. Eu tinha preparado um pequeno texto para ser muito cuidadoso com o que iria a dizer e disse mais ou menos isto: “Lamento não poder debater o texto do colega. Não consegui ver no texto uma tese defendida pelo colega, mas advirto que o erro é meu. Há muitos autores citados e não consigo reconhecer o que o colega quer manter”. Bem, disse mais ou menos isso. O Daniel passou o microfone para o expositor que, muito bravo, disse que meu problema era que me achava um gênio e que eu pretendia ser original! Acrescentou, ainda, que eu tinha razão, que ele não defendia uma tese própria porque tinha medo de dizer o que pensava e por isso usava os clássicos da filosofia para dizer as coisas. Bom, eu fiquei pasmo com o que ele disse porque, naturalmente, reconheceu que eu tinha razão em não ter achado nada que ele mantivesse e que eu pudesse debater. Naturalmente, eu não fui chamado para debater com os clássicos, todos ou quase todos mortos e, claro, ausentes do auditório, mas com o expositor que acabava de reconhecer que não defendia nada. O Daniel passou o microfone para mim eu disse mais ou menos: “O próprio expositor reconheceu que não há teses dele para serem debatidas, portanto, me coloca na situação de não poder desempenhar meu papel de debatedor”. E devolvi o microfone para o Daniel. Foi esse o incidente por trás do título do De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio. Esse incidente prova até que ponto concordo com o Daniel quando defende essa posição específica sobre originalidade. A originalidade pode ser ou não ser uma consequência de algo que se pense ou se escreva. Mas esse não é, nem deve ser, o objetivo que alguém que pensa com paixão nos seus problemas persegue ao tentar resolvê-los. Aliás, lembro que não faz muito tempo escrevi no Opção o caso de um adolescente que, pensando em algumas dificuldades que resultam das propriedades atribuídas a Deus, construiu um argumento praticamente idêntico ao de Cícero, para terminar na mesma conclusão á que Cícero chegou. O adolescente não foi original nem passou por sua cabeça quer sê-lo, mas, levado por um problema que o agoniava, desenvolveu um argumento que penso, ainda hoje, ser autenticamente filosófico. É isso.

Gonzalo Armijos Palacios disse...

Desculpem minha filha. O texto longo se refere ao segundo texto do Daniel, na minha pressa não vi o texto anterior. Contudo, agradeço as palavras gentis do Daniel no seu penúltimo texto e concordo com seus usos de 'original', 'originalidade'.

Candido Cesar disse...

Prof. Gonzalo,

Li seu "Como fazer filosofia sem ser grego, gênio ou estar morto". Sempre o apreciei e indiquei para os meus alunos. Todavia, confesso que não entenderam sua idéia de que devemos formular nosso próprio pensamento em vez de ficar "somente" comentando os autores consagrados. Esse é o velho problema já colocado aqui nos comentários. O problema são os "discipulos" e "comentadores". Não acho que o senhor pretenda descartar os cânones do conhecimento ou da filosofia. O senhor pretende que não fiquemos só idolatrando os grandes autores, mas que possamos pensar também por conta própria.

Anônimo disse...

Os autores clássicos, penso eu, não devem ser reverenciados. Devem sim ser estudados, comentados, criticados. As modas existem e são perigosas para o mundo intelectual. E pensar próprio, infelizmente, não é para qualquer um. (profa. Maria Euci)

Gonzalo Armijos Palacios disse...

Candido e Maria Euci,
Não consigo entender como alguém poderia defender a tese de que os clássicos não devam ser lidos. A melhor homenagem que lhes podemos fazer é lê-los e conhecê-los bem. Por algo são clássicos. Por outro lado, se alguém quer ficar só na leitura dos clássicos, está no seu direito. O problema, penso, é proibir que os estudantes, a partir da leitura dos clássicos, não possam pensar por si mesmos. Nas minhas aulas pretendo motivar nos estudantes o espírito filosófico, crítico, mas, sinceramente, não sei como poderia fazê-lo sem discutir os textos dos pensadores clássicos. E não poderia fazê-lo sem, eu mesmo, ter feito um esforço para conhecer bem o que os clássicos disseram. Aliás, como quem assistiu minhas aulas sabe, a maior parte do tempo em sala de aula estou com o texto clássico na mão lendo e discutindo sobre ele com os estudantes.

Adriano Oliveira disse...

Pessoal..estou formando uma tese de psicologia com base em Erick Froom e ouvi falar que existe um professor na UFG que poderia me orientar...alguém tem conhecimento de quem é este professor?

adrianodefo@hotmail.com

Adriano

Postar um comentário

Deixe seu comentário abaixo! Participe!

 

Blog do Lisandro © Agosto - 2009 | Por Lorena Gonçalves
Melhor visualizado em 1024 x 768 - Mozilla Firefox ou Google Chrome


^