quinta-feira, 23 de julho de 2009

"Hoje as pessoas estão perdidas no cinema"


Entrevista curta com Jean-Luc Godard


Fernando Eichenberg*

Uma entrevista de Jean-Luc Godard é similar a um de seus filmes: fornece indícios de um pensamento em movimento. No roteiro improvisado, a imagem completa o quadro. Sentado em diagonal na cadeira postada diante da extensa mesa de sua sala no segundo andar da produtora Alain Sarde, em Paris, os cabelos revoltos, a barba esfarpada, ele perscruta o interlocutor com o olhar ampliado pelos espessos óculos, como uma câmera, antes de responder às perguntas com sua voz rouca e inconstante. (...)

Em 1965, no Cahiers du Cinéma, o senhor escreveu: "Eu espero o fim do cinema com otimismo". Hoje, o senhor diz que chegamos ao fim de uma certa época do cinema, e mesmo da arte em geral, uma época que já durava uma dezena de séculos. É o fim do cinema?


Do cinema que se conhecia, gostando-se dele ou não. Esse cinema se tornou, hoje, quase um objeto de museu. Está nas cinematecas. Assistimos ao começo de uma época e agora é, sobretudo, seu fim. Penso que o século XX é o fim de uma época que começou no século XIX. Mas o novo cinema eu não conheço. Vou ainda ao cinema de vez em quando, mas é cada vez mais difícil. Depois dos filmes de Glauber Rocha, não assisti a mais nenhum filme brasileiro. Há filmes dos Estados Unidos quase por todo lado. Podemos ver muitos maus filmes norte-americanos, mas não podemos ver um mau filme brasileiro. E no Brasil é a mesma coisa. Hoje a realidade é a informática, a publicidade. Há filmes que são feitos, mas que não são mais vistos. Ainda se encontram alguns produtores independentes, mas é um sistema no qual não se acredita mais. Não há os meios para que se acredite.


"Talvez seja um pessimista alegre ou um otimista triste"


O senhor denuncia a renúncia do cinema como um instrumento de pensamento: "Ele foi feito para pensar e fizeram dele um espetáculo".


O cinema quase nunca teve essa função de pensamento. De reflexão e de marginalidade, sim. Mas nunca foi um verdadeiro instrumento de pensamento, senão ele teria influenciado a televisão num outro sentido. Ainda hoje, quando há artigos de fundo ou um problema, um mistério a descobrir, um mistério financeiro ou criminal, algo assim, é ainda o jornal que o faz, é a escrita. A televisão conta coisas sobre isso, faz um espetáculo, não é nunca ela que descobre. O Watergate não foi descoberto por jornalistas de televisão.

Como o senhor definiria o cinema hoje?


Hoje as pessoas estão perdidas no cinema. Mas elas preferem dizer que não estão perdidas, e agem como se não estivessem. Para mim, o cinema cobre muito mais do que se diz hoje. O que as pessoas chamam de cinema, atualmente, é um DVD, uma sessão no Champs-Elysées. Prefiro não empregar esta palavra. Não uso palavra nenhuma.

O senhor se mostra um tanto pessimista.


Não. Talvez seja um pessimista alegre ou um otimista triste.

* Entre Aspas - Diálogos Contemporâneos, de Fernando Eichenberg, Editora Globo- 2006

14 Comentários

Maria Euci disse...

Gente!! Esse Godard é muito estranho!! Ela fala cada vez coisa sem pé e nem cabeça.

Anônimo disse...

Biografia e filmografia do Jean-Louco Godard:

* Godard filmou, entre outros, "Uma Mulher é uma Mulher" (1961), "Viver a vida" (1962), "Tempo de Guerra" (1963), "O Desprezo" (1963, com Brigitte Bardot), "Uma Mulher Casada, (1964), "Pierrot le Fou" (1965), "Alphaville" (1965), "O Demônio das 11 Horas" (1965), "Duas ou Três Coisas que Eu Sei Dela" (1966), "A Chinesa" (1967), "Weekend à Francesa" (1968).

Os filmes realizados durante os anos 1960 e 1970 revelam a influência dos ideais contra a Guerra do Vietnã e o movimento estudantil de maio de 1968. Godard criou o grupo de cinema "Dziga Vertov", em homenagem ao cineasta russo, e voltou-se ainda mais para o cinema político.
"Pravda" (1969) tratou da invasão soviética da Tchecoslovaquia; "Vento do Oriente" (1969), teve o roteiro do líder estudantil Daniel Cohn-Bendit; e "Até a vitória" (1970) enfocou a guerrilha palestina.

Sua obra mostra a evolução de um estilo pessoal que mesclava a ficção com partes quase documentais, ou comentários do autor. Na maioria, eram protagonizados por Anna Karina (sua esposa entre 1961 e 1967), que foi a primeira de uma série de atrizes que revelou, como Anne Wiazemsky (sua esposa de 1967 a 1979), Maruschka Detmers, Myriem Roussel e Juliette Binoche.

Depois de uma breve passagem pelo cinema comercial com "Tout Va Bien" (1972), o cineasta passou a trabalhar com televisão e vídeo. Retornou ao cinema em 1980, com "Salve-se Quem Puder - A Vida", mantendo seu espírito crítico e inovador em "Passion" (1982) e outras produções. Em 1983, "Prénom" ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Em 1990, Godard rodou "Nouvelle Vague", filme dedicado a esse movimento cinematográfico.

"Je Vous Salue, Marie" (1984), uma visão modernizada da Virgem Maria, provocou polêmica em vários países e foi o último filme proibido no Brasil, em 1986.

Luiz Alfredo disse...

"Há filmes dos Estados Unidos quase por todo lado. Podemos ver muitos maus filmes norte-americanos, mas não podemos ver um mau filme brasileiro."

Um tanto enigmática essa afirmação: não podemos pois os filmes são todos medianos àcima? ou devido a falta de distribuição?

Muito evasivo...

Agora meu amigo Lisandro, quanto ao Vila? Não sei o que digo. Acho que falta aquele acontecimento cósmico, em que uma geração criada no clube, amando o clube e que jogue bola de verdade o defenda com garra.

E pensar que há pouquíssimo tempo batíamos na trave sempre pra subir pra série A...

Forte abraço

Valéria Borges disse...

Sinceramente, prof. Lisandro, sei que gostas desse cineasta. Mas o considero arrogante e pretensioso. Ele sempre fala "por cinema". Prefiro o François Truffaut.

ps- preciso aprender, assim como Euci, a usar a conta do "provedor".

Caroline disse...

Puxa vida... fique pensando como deve ser triste ser o Godard...

João A Fantini disse...

Godard, como os grandes, não dá nada de graça. Nas entrelinhas, no entanto, no que fala e no que fez, estão coisas importantes na história do mundo. Ele é outro, como Marx, mais falado que visto (e lido).
Precisará morrer para isso?

Rodrigo Cássio disse...

Olá,

Recomendo essa outra entrevista recente do Godard:
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT917190-1661,00.html

Abraços

Rodrigo Cássio disse...

ÉPOCA - As imagens estão muito parecidas hoje?

Godard - Todo mundo é parecido no cinema. Se alguém filma um carrasco nazista em um campo de concentração e filma sua vítima, vai filmá-los da mesma maneira. É o que as pessoas chamam de democracia.

Anônimo disse...

Godard é arrogante e pretencioso. Ponto. (pode até ser que seja, não o conheço testa a testa. E não é não será de uma entrevista transcrita num blog que tirarei minhas conclusões sobre a personalidade seja de Godard seja de qualquer outra pessoa). Reflexão nunca é de mais. Quem mesmo está falando coisas sem pé nem cabeça ?

Luiz Alfredo, me parece que, no conexto em questão, Godard se refere à falta de distribuição de qualquer cinema que não seja americano. Acho que a forma com que o cienasta falou causa uma ambiguidade apenas para nós, que somos brasileiros. O nosso “espírito de nacionalidade” (Machado de Assis) é acionado na lata quando um Godard da vida menciona nosso cinema. Será que ele está falando bem? Será que ele está falando mal? Os olhos dos europeus sempre serviram de parâmetros para nossa arte.

Abraços

Riccardo Joss disse...

Fica evidente que a maioria dos leitores do Lisandro nao gosta muito do Godard. Quem prefere o Truffaut levanta a mão. [levantando a mão]

Herondes Cezar disse...

Nem Godard, nem Truffaut. Melhor o trio Marcel Carné, René Clair e Jean Renoir. Até Godard concordaria.
Abraços

Lisandro disse...

Olá amigos,
estou entre a Bahia e Goiás, no interior do mato. Mas na pequena cidade de Dianópolis é possível encontrar internet com banda larga. O povo é bonito e Godard por aqui é uma miragem.

Antes de voltar para o interior do mato: Godard é o "sujeito moderno" por excelência. É mais que um cinesta, é um pensador do cinema. Concordo com João: assim como Glauber, poucos conhecem seus filmes. Deveríamos conhecer Godard. Concordo com Herondes tb.: o trio de cineastas que menciona é muito importante.

Vamos continuar o debate...muito bom!!!

Riccardo Joss disse...

Nem posso dizer que é o melhor, mas não pode ficar fora de uma debate sobre cineastas franceses: Éric Rohmer

Lisandro Nogueira disse...

Ricardo,
você tem toda a razão: Eric Rhomer é fundamental.

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