Juliano Tosi
"Vestida para Matar" em seu formato original (acima) e em versão cortada (abaixo)
Há algum tempo, o Alexandre Schettini, leitor do blog, perguntou a respeito dos formatos de tela.
O assunto vem a calhar, já que os canais de filmes na TV a cabo readquiriram o péssimo hábito de exibir os filmes, quase sempre, em tela cheia. Outro dia foi “Vestida para Matar”, do Brian De Palma, no Telecine.
Filmado em 1:2,35 (cinemascope) foi reduzido à tela cheia de TV, que corresponde mais ou menos ao 1;1,33.
(Um parêntese. Os formatos mais usados, desde o início do sonoro, são o 1:1,33 (a tela era quase quadrada, hoje não se exibem mais filmes usando essa janela, praticamente); 1:1,66 (a chamada "janela panorâmica", mais verticalizada um pouco do que a janela clássica); Panavision, 1:1,85 e Cinemascope, 1:2,35).
Voltando ao assunto. Pode-se argumentar, diante do que faz a TV que o DVD é a solução. Mas e quando só nos resta assistir a uma “Bela do Bas-Fonds”, do Nicholas Ray, com seu scope mutilado?
Num passado não muito distante era possível assistir a “O Homem do Oeste”, “Dragões da Violência” e “Amar e Morrer”, todos com imagem panorâmica, em seu formato original.
Hoje, o descuido com a imagem dos filmes (noves fora a qualidade da programação, que anda precária) é a regra; exceção é ver um filme ser exibido corretamente.
Mas, afinal, para que servem os formatos de tela?
Talvez a melhor resposta esteja neste pequeno vídeo disponível nos extras de “O Desprezo”, no DVD editado pela americana Criterion.
É uma comparação do filme tal como foi realizado (em scope) e tal como fora lançado em VHS (em tela cheia). As partes sombreadas correspondem ao que foi cortado no filme para a imagem “encaixar” no formato padrão das televisões.
De uma imagem em formato 1:2.35 (o segundo número indica quantas vezes a largura é maior do que a altura do quadro), passamos a uma outra quase quadrada (em formato 1:1.33). A perda é evidente: mais de 40% da imagem original!
Sem falar nos falsos movimentos de câmera (uma técnica chamada pan-and-scan), feitos para amenizar os buracos da imagem.
Se pensarmos que a mise-en-scène de um filme consiste em fazer escolhas, uma delas é descobrir o equilíbrio entre o que revelar do mundo e o que deixar fora do quadro, a maneira de melhor dispor os elementos em cena. Alterar esta relação é interferir (para não dizer destruir) direta e materialmente no filme realizado.
Ou como escreveu certa vez o Inácio: “se o filme tem um formato, deve ter lá seus motivos. Em certos casos, desrespeitá-lo é como exibir outro filme.
Afinal, ninguém nunca pensou em exibir uma Santa Ceia com apenas Cristo no centro e seis discípulos a seu lado, não é mesmo?”.
Complemento sobre uma coisa grave que o Paulo Santos Lima aponta na projeção digital feita no Brasil:
A janela usada é 1:1,78, o que mutila filmes rodados originalmente em 1:1,85 (Panavision) ou 1:2,35 (Cinemascope). Seria importante, mais do que avisar na porta que a exibição é digital, avisar que o filme não está sendo reproduzido tal como foi feito.
* Juliano Tosi a partir do blog de Inácio Araujo.
4 Comentários
esse exemplo do "Vestida para Matar" é chocante... sem dúvida, não há experiência comparável a assistir o filme em seu formato concebido originalmente!
Olá Túlio,
Até os anos 90 era dificil ver os filmes antigos. Hoje, isso acabou. Temos acesso a todos eles. Porém, isso tem um preço, demonstrado no artigo.
E mais: a qualidade da imagem é cada vez pior nas franjas da "democratização das imagens". O Youtube é prova: temos quase tudo ali, precário, mas valioso. Todavia, estamos nos acostumando com imagens ruins. E isso não é bom para uma pedagogia das imagens.
Como no velho ditado: tudo tem seu preço.
Um abraço,
lisandro
Muito oportuna essa explicação sobre o prejuízo que se tem quando são formatadas para a tela standard da tevê, chamada de "fullscreen", as imagens filmadas/gravadas em sistemas "widescreen".
Recordo que, originalmente, o formato "cinemascope" tinha duas bitolas: 1:2,35, quando usado o som ótico, que tomava parte da imagem; e 1:2,55, quando usado o som magnético. Por isso, nos primórdios, falava-se muito em "Cinemascope 55". No Brasil, houve até uma revista de filmes fotonovelizados, com esse nome.
Abraços
Herondes Cezar
É isso mesmo caro Herondes. Me lembro desses "filmes fotonovelizados".
A tecnologia muda mas nem sempre os benefícios são grandes.
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