Um filme instigante
Aline Leonardo*
Você sai de casa num dia normal, entra no seu carro (talvez a caminho do trabalho), liga o som e uma música triste vai descendo espírito abaixo, escorregadia, sorrateira, te manchando como se nódoas antigas brotassem por todo o seu corpo. E você vai ficando pesado de lembranças, de passado, vendo o dia claro se tornar cinza, se percebendo frágil, besta, igual, mortal. Em Sinédoque Nova York, do diretor Charles Kaufman, a impressão que se tem é que o diretor de teatro Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman) não consegue desligar o som e sair do carro. Ele vive, impotente, exatamente esse momento alma suja.
Hipocondríaco, maníaco por limpeza e em crise na sua vida pessoal, Cotard vê, impassível, sua mulher embarcar com sua filha para Berlim sem data de retorno. É nesse momento turvo que ele recebe a proposta de escrever uma peça e vê nisso a oportunidade de reproduzir sua vida no palco. Parece simples, mas não é. Filme denso, complicado e em muitos momentos confuso, Sinédoque é, entretanto, inteligente e sensível. É, como o título se propõe, uma figura de linguagem que leva espectadores corajosos a questionamentos interessantes.
No início exige certa dose de paciência, mas se desenrola bem. Do meio pro fim do filme, o personagem de Philip Seymour Hoffman (em mais uma atuação brilhante) se revela e podemos perceber um homem solitário, triste, sem rumo, cansado e muito, muito a fim de ter, ele próprio, um diretor, alguém que o diga como acertar - seu grande anseio numa vida de escolhas, aparentemente, erradas.
Esqueça as pipocas, encha-se de coragem, sente-se numa poltrona confortável, preste atenção a cada detalhe, a cada imagem e se deixe atingir pelo filme. Refute a idéia, caso ela surja, de sair do cinema. Vai valer a pena.
* Aline Leonardo é jornalista.
* Aline Leonardo é jornalista.
6 Comentários
Pessoal,
Filme bom mas complicado. O texto da Aline nos deixa com a pulga atrás da orelha: ela gostou ou não gostou. Acho que gostou mas ficou impaciente como todos ficaram até agora
Vi o filme novamente. É preciso "vontade para conhecer o belo". O filme é belo, sincero e poético. Exagera, é verdade. As cenas são longas. Não vejo isso como um grande problema porque estou diante de um grande filme. Aline escreveu muito bem o que o espectador deve esperar do filme.
Apesar das contradições, ALine fez uma boa introdução ao filme. Despertou-me interesse pelo filme, mesmo adiantando que há cenas longas demais. Logo lembro que estou sem net em casa para baixá-lo.
Que pena que esse filme saiu de cartaz depois de apenas duas semanas. É filme pra se ver mais de uma vez. Intrincado, sim, como intricandas são as relações e os conflitos humanos.
Marco,
Vi o filme mais uma vez: gostei ainda mais. Continuo pensando nos "exageros": tempo longo, diálogos desnecessários...Isso tudo, no entanto, é pouco diante da boa história e da "boa complicacao"".
Não cheguei a uma conclusão sobre ter gostado ou não deste filme. Acredito que seja necessário assistí-lo mais de uma vez para ter uma opinião mais formada. Entretanto faço algumas considerações: apesar de longo (e muitas vezes cansativo), Sinédoque é também muito interessante. Imagino que se muitas vezes nos perdemos no meio daquela confusão não-linear é de maneira proposital, em certo ponto do filme não há mais separação entre o que está fora e o que está dentro da montagem da peça.
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