Dois alunos: vitórias no aprendizado
Lisandro Nogueira*
Almiro Franco e Renato Dantas são dois alunos que demonstram como vale a pena investir na crítica de cinema observando conteúdo e forma. Para que o aluno empreenda uma visada cinematográfica, há a necessidade do efetivo interesse, da curiosidade intelectual e da vontade de conhecer a si próprio. Esses são alguns dos pilares básicos da formação crítica.
A geração dos anos 80/90, em muitos casos, compreendeu mal o que seja a crítica cinematográfica. Faltou o interesse intelectual efetivo pelo cinema e sua forma e sobrou "vontade política". Tanto que elegeu Costa-Gravas (diretor de filmes como "Estado de sítio" e "Z") como um cineasta-símbolo. Se deu mal e, só agora, começou a recuperar a velha idéia de que o "conteúdo" é apenas uma parte da obra.
Tenho insistido com os alunos: devemos fazer crítica juntando as duas coisas, forma e conteúdo. Os resultados são sempre estimulantes. Lembro sempre o teórico italiano Luigi Pareyson e seu belíssimo "Problemas de estética", editora Martins Fontes, quando afirma: "as duas instâncias são inseparáveis".
Almiro (escreveu o texto abaixo sobre "Apenas o fim) e Renato, conseguem, assim como outros alunos, edificar um texto crítico cotejando e equilibrando forma e conteúdo.
Proibido por quê?
Renato Dantas*
Quem há de negar que, à revelia das transformações pelas quais a sociedade passou, sexo ainda é tabu? No cinema, quando esse tema ganha uma trama e formas explícitas, a sessão é permitida privativamente àqueles maiores de 18 anos. Assim, filmes como Diário Proibido selecionam o público apto a ver todo o conteúdo adulto neles contido. Caracterizado como um drama erótico, o filme de Christian Molina é uma adaptação do romance autobiográfico de Valére Tasso, o Diário de uma Ninfomaníaca. Sucesso editorial na Espanha, o livro não consegue um representante áudio-visual com a mesma avidez e carisma junto ao público, já que o filme, produzido em 2008, só há pouco tempo chegou aos cinemas brasileiros.
Diário Proibido é a compilação de uma série de relatos da personagem principal sobre sua trajetória de dúvidas, descobertas e enfrentamentos pessoais, todos atrelados, ao que parece, exclusivamente à sua compulsão: sedenta por sexo, Valére, como é de se supor pelo título original, é ninfomaníaca. Sem querer lançar mão de seus preciosos minutos em película, o filme escancara o seu cerne nas cenas primeiras.
Acompanhada de uma narração em off da protagonista, somos conduzidos, por flashback, aos seus 15 anos. Mais especificamente, ao dia em que a garota perdeu a virgindade. Tal momento revela-se importante para a narrativa já que é nesse instante que se dispara o desejo irrefreável da personagem por sexo, fio condutor da trama. Justificando seu ímpeto como uma necessidade de experimentar novas sensações, Valére nos leva a conhecer, por meio de uma sucessão de sequências que “saltam” no tempo e alcançam seus 29 anos, sua caminhada por uma vida promíscua, recheado de muitos e efêmeros parceiros sexuais.
Apesar de se mostrar uma mulher ousada e que desafia convenções sociais (como a busca romântica por amor), logo a personagem se desenha de forma mais interessante: denunciando sua dubiedade, contrasta uma personalidade desafiadora com aflições e dúvidas que a assolam, principalmente quando ela percebe sua anormalidade em relação às outras mulheres. Vê-se fadada a nunca encontrar um marido e constituir família.
É nesse ambiente conflituoso que surge Jamie, executivo travestido de cavalheiro que arrebata o coração de Valére e a arrasta para a vida sonhada. Casada, grávida e com sua antes indomável sede por sexo agora controlada. O conto de fadas, no entanto, desmancha-se sobre a pressão da personalidade atormentada, quiçá psicótica, de Jamie. A protagonista, após um aborto, foge e se refugia no seu antigo apartamento. Os antigos impulsos retomam o controle de seus desejos e Valére percebe o que era óbvio: precisando de um novo emprego e sedenta por sexo, torna-se prostituta, ganha dinheiro e se diverte, como ela própria define.
Se esse resumo soa um tanto mal organizado, ou apenas estranho, não se enganem: o roteiro segue esse mesmo ritmo. Pior: não consegue evitar uma sensação de partilha em episódios. Cada momento do filme é visivelmente dividido em atos, agrupando a trama em grandes “blocos narrativos”, prejudicando a fluidez e a naturalidade da história, já que, assim que se supera um desses atos, ele é totalmente deixado para trás, com pouca relevância para o que vem a seguir.
Os personagens, sempre envoltos pelo tema da sexualidade e das perversões, podem render intensas observações sob o viés da psicanálise. No entanto, o diretor desperdiça belos momentos dramáticos com sua direção meramente burocrática. Sem inspiração para enquadramentos mais sofisticados, Molina desaparece diante das convenções de câmera e mise en scène que adota. Nem nas picantes cenas de sexo, que recheiam o filme, o diretor foge do lugar comum, criando situações clichês e pouco interessantes.
Para se constatar a diferença entre algo insosso e cenas de sexo que beiram o poético, basta que nos remetemos ao recente Desejo e Perigo, de Ang Lee. Contando com algumas atuações empenhadas em fugir da falta de carisma que se exibe no filme, a produção ainda possui uma direção de fotografia habilidosa: é notória a diferença dos ambientes retratados em certos momentos da narrativa: as paisagens bucólicas da casa da avó de Valére, seu refúgio, cedem a vez para ambientes que beiram o claustrofóbico, demasiadamente urbanos, pequenos, poluídos.
Diário Proibido soa mais como uma promessa não cumprida. Ao pretender colocar em foco as mazelas causadas por uma vida sexual cuja intensidade foge do comum, o filme, o tempo todo, busca engendrar reflexões relevantes, como o papel da mulher na sociedade, ou sobre a importância da formação cultural na experiência do prazer para ambos os sexos. Incita, mas perde fôlego no meio do caminho. E assim todo o filme parece submergir como um drama mal construído, desperdiçando potencialidade. Como que lutando para se salvar, o projeto tenta amarrar uma última mensagem: encerra-se com um sorriso e uma mensagem ao estilo carpe diem. Final covarde, uma carícia falsamente reconfortante para que o espectador saia do cinema com uma sensação levemente agradável e não perceba as fragilidades do filme
* Renato Dantas é aluno de análise de filmes na Facomb-UFG
* Renato Dantas é aluno de análise de filmes na Facomb-UFG
8 Comentários
Pessoal,
O filme está em cartaz no cine Lumière.
Esse blog não é moralista. Gostei das fotos do filme postadas junto com o texto do Renato. Boa escolha.
Vou ver esse filme. Há surpresas em todos os filmes. Acho que Renato viu isso. Um filme frágil mas com algumas surpresas.
O filme é um clichê atrás do outro, chega a ser desconcertante. Val é rasa, e a suposta profundidade que sua personagem deveria ter não passa de desculpa para encher o filme com cenas de sexo.
O filme é muito previsível e alguns diálogos chegam a ser constrangedores de tão ruins.
Outro filme que tem como plot a ninfomania é Choke. Esse sim um filme com personagens complexos e história bem contada.
Achei o texto legal, Renato ^^
Tenho medo desses filmes "Diário de...", alguns costumam ser mto chatos... O problema desse aqui, pelo que percebi na sua análise, parece ser o conservadorismo do diretor ao tratar de um assunto que poderia render uma obra muito densa e repleta de conflitos mais intensos...
Quanto às cenas de sexo, é engraçado como alguns filmes que economizam até nas cenas de beijo (como o clássicooooo "Amor à Flor da Pele", do Kar-Wai) são bem mais sensuais, eróticos, "tesudos", etc. etc., que alguns filmes que utilizam de cenas explícitas e tal. Acho que é tudo questão de como o diretor constrói a relação entre os personagens e o nível de sugestão do erotismo que explode na tela.
acho que só vou gostar da capa mesmo.
Um filme bonzinho.
Daqueles que não te desagradam, "Diário proibido" é uma construção que cumpre seu papel de ser clichê.
Engraçado, quando assisti ao filme e vi Gerladine Chaplin me lembrei do "Cem escovadas antes de dormir" (Melissa P.). Também baseado em uma história real e que também virou filme, a película italiana consegue encadear melhor quanto à divisão das cenas. Além disso, é, certamente, uma trama bem mais interessante.
Apesar de todas essas considerações, eu gostei, sim, da maneira convencional que Christian Molina utilizou nesse filme.
Boa tarde, Mario. Diário Proibido é um filme muito fraco. A maneira convencional dela é muito convencional.
queria assistir o filme mais eu nao to achando
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