A Onda, dramatização frágil
Rodrigo Cássio *
A Onda, de Dennis Gansel, por sua vez, é um filme de indiscutível relevância temática, mas extremamente frágil em sua dramatização. Aqui, sim, é fácil perceber o esquema pré-fabricado de situações-matrizes, cujo sentido último é descarregar o pesadelo de um totalitarismo nazista, sempre iminente, como o efeito catártico em um espectador ideal, engajado nos mais altos propósitos da democracia – e é fácil deixar o cinema com a sensação de que o problema maior, em tudo aquilo que foi denunciado pela pretensiosa metralhadora imagética de A Onda, foi o experimento pedagógico do professor Rainer Wegner.
O que há de cíclico (causa-efeito) nesta narrativa é o que a transforma em um libelo quase ditatorial contra as ditaduras: ao espectador não é facultado reconhecer as linhas de fuga à própria causalidade, e só lhe resta confiar que aquelas personagens opacas representam, de algum modo, o extrato mais preocupante da forma de vida atual, sob a regência do capitalismo avançado.
A leitura de que tudo se resume à ousadia exagerada do professor Wegner (e o problema é que ela saiu do seu controle, sublinha o próprio filme) é tão mais requerida quanto mais a trama de A Onda tenta dissimulá-la, sequencializando os muitos problemas de filosofia política que dominam a tela. Didático demais, o filme se assemelha a uma equação matemática pela qual vão surgindo indefinidamente os piores sintomas de uma cultura anômala: a degeneração dos valores, o não-lugar da necessária disciplina ou o condicionamento dos sujeitos às marcas publicitárias.
No entanto, na mesma medida em que tudo isso se mostra denso e de difícil resolução (ao menos numa leitura menos estanque, de um espectador capaz de abandonar o filme para se comprometer com o seu conteúdo), a abordagem de Gansel insiste em circunscrever os mesmos problemas nas relações interpessoais de meia dúzia de jovens inseguros e um professor de gostos e métodos suspeitos (ao final da trama, é ridícula a tentativa de matizar a personalidade de Wegner por meio de uma crise no relacionamento com a sua esposa).
Boas cenas – como a palestra final, em que o professor Wegner se transforma em Hitler por meio de seus gestos – não são suficientes para salvar A Onda de uma irrelevância estética muito desproporcional em relação ao seu importante tema. O que predomina, no filme, como a maior potencialidade do cinema numa crítica atual da ideologia, está concentrado na imagem de um rapaz que põe fogo no seu vestuário de grifes famosas, quando o mestre lhe propõe uma camisa branca e lisa como uniforme e fonte de uma nova identidade – o que, convenhamos, é muito pouco: a própria Alemanha já ofereceu balanços muito melhores do seu passado recente, por exemplo, no cinema de Rainer Werner Fassbinder; basta assistir A Terceira Geração, filme de 1979 que discute o terrorismo e a crise dos valores na cultura germânica com verdadeira autoridade cinematográfica, e tirar a prova.
* Rodrigo Cássio é mestrando em comunicação/cinema na UFG. Blog: Vistos e escritos..
4 Comentários
Prezados,
Eu espera mais desse filme. Mas acho que ele pelo menos faz um alerta. Fiquei impressionado de como a juventude pode ficar na mão de um sujeito fascista. Será que nos dias de hoje esse tipo de comportamento (torcidas organizadas) está ficando comum e vivemos um novo totalitarismo?
Prof. Lisandro e Rodrigo, por que intelectual e critico de cinema não valorizam bons filmes? Todos têm que ser "filmes cabeça"? Ora, meus amigos, esse filme é ótimo e nem todo mundo gosta do Godard. Ou seja, quase ninguém. Esse filme é um libelo contra o totalitarismo. Gosto de vocês, gosto do blog, mas vamos ter paciência com os grandes filmes e sem preciosismos.
Olá Alfredo,
Eis o ponto. "A Onda" não é exatamente um bom filme. Ele tem um bom tema, faz um alerta necessário, mas, como filme, está longe de ser grande.
Se valorizarmos os filmes apenas pelo que eles dizem, e não pelo que eles são, não seremos críticos de cinema!
Eu recomendo "A Onda" apenas por causa do debate que ele suscita, o que também é importante. Mas que ele é irrelevante esteticamente, isso é. (Ou seja: não acrescenta nada ao cinema, como linguagem, como forma de expressão).
Um abraço.
Olá Alfredo,
Na palestra em Anápolis, no primeiro semestre, debatemos longamente sobre Forma e Conteúdo. O filme é importante para levanter o debate. Mas não sustenta uma aferição mais apurada. O filme "Adeus, Lênin" ou "A vida dos outros" são mais signficativos. Uma dica: veja os filmes de Wenders que não tratam diretamente do Nazismo. Mas fazem um bom balanço da vida na Alemanha.
Lisandro
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