segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A vida dos outros (em cartaz)



 Uma reflexão sobre os regimes autoritários




Carolina Soares*



A Vida dos Outros, do diretor alemão Florian Henckel von Donnersmarck, se passa na Alemanha oriental durante a ditadura socialista e retrata uma das faces mais cruéis do regime, mas é, acima de tudo, um filme sobre o humano e seu lugar no mundo.
 
  Gerd Wiesler é um austero e metódico funcionário da Stasi, polícia secreta da Agência de Segurança Nacional, e é encarregado de manter vigilância sobre Georg Dreyman, famoso escritor e dramaturgo, e sua namorada, a atriz Christa-Maria Sieland. Wiesler se orgulha do sistema e, principalmente, se orgulha dos seus métodos. Pouco a pouco, Wiesler cria um laço afetivo com o casal, que para ele são como personagens de um romance, e passa a questionar o sistema e o papel que exerce nele.

    O filme tem como pano de fundo a reflexão sobre os regimes autoritários, que independentemente da orientação política, sempre caem nos mesmos clichês, seja o mote igualdade, ordem ou poder, tudo virá às custas da liberdade. Contudo, o aparelho repressor do Estado não é o foco principal da narrativa, ele é apenas o ponto de partida para observarmos onde o ser humano se insere em um ambiente tão hostil. Ao contrário da maioria dos filmes que denunciam abusos ideológicos de guerra, nós vemos a história sob a perspectiva do algoz, e não das vítimas, e é a partir de Wiesler que assistimos à história de Dreyman. É nessa perspectiva voyeurística, presente no cinema desde o célebre Janela Indiscreta, que se desenvolve a trama de A Vida dos Outros.

     Wiesler, que trabalha a serviço do governo espionando, interrogando e descobrindo potenciais conspiradores, é apresentado, no começo do filme, como um homem frio, impiedoso, convicto em sua função de espião e delator. À medida que a narrativa se desenvolve, o personagem vai se tornando cada vez mais ambíguo e complexo, Wiesler vai se humanizando no decorrer da trama, enquanto assiste, da sua posição de voyeur, ao drama da vida de Dreyman e Chista-Maria. A vida de Wiesler passa a ser a vida de Dreyman e Christa-Maria, ou seja, sua vida passa a ser A Vida dos Outros. E assim como Wiesler passa a viver a vida das pessoas que observa, o espectador vive a vida de Wiesler, assim como o personagem é um voyeur, nós também o somos quando assistimos a um filme. A metáfora fica clara: Wiesler experimenta o equivalente à experiência cinematográfica na vida real.

      É a partir do suicídio de seu amigo, o escritor Albert Jerska, que Dreyman, até então acomodado, confortável em não fazer nada que o indispusesse com o governo, decide tomar uma atitude e escrever um artigo sobre os números não-divulgados de suicídios na DDR. Jerska é o retrato do intelectual desiludido, nas cenas em que aparece sempre faz reflexões um pouco niilistas sobre a vida e o ser humano. Dreyman resolve publicar anonimamente seu artigo na Alemanha Ocidental e para isso mobiliza alguns amigos que já são inimigos do regime, ele passa a escrever em uma máquina emprestada para que o autor não possa ser identificado. Essa máquina, só escreve em tinta vermelha, ironia, já que o vermelho é emblemático da causa socialista, vermelho esse que se destaca entre as cores predominantemente pastéis do filme. Quando termina de escrever a primeira versão do texto, Dreyman olha para suas mãos sujas de vermelho, lembrando sangue, cena que parece ser o prenúncio de uma tragédia que está por vir. O vermelho tem grande importância simbólica no filme, como se marcasse a ação, representando algo indelével. 

       Mais que um quadro político, A Vida dos Outros fala das contradições do ser humano, da patrulha ideológica e vigilância onipresente e do que isso causa no dia-a-dia das pessoas e, em especial, da solidão, que independe de regimes ou partidos e não cessa – talvez até se intensifique – por sabermos tudo sobre todos. Um grande filme.




* Carolina Soares faz parte da equipe do projeto "Cine-UFG, debates".   O filme em cartaz no cine-ufg
       

5 Comentários

João A Fantini disse...

Mas não é só lá que as pessoas vivem a vida dos outros, é bom não esquecer.

Candido Cesar disse...

João Angelo tem razão. No Brasil vivemos uma vigilância constante: cameras, escutas, etc. Nossa vida é vigiada e nem sabemos.

Unknown disse...

Concordo plenamente com os colegas acima.

A VIDA DOS OUTROS, é um filme emocionante e muito triste, principalmente para aqueles que viveram em regimes totalitários, e conseguem se ver nos personagens interpretados.

E isso se aplica, e muito, ao nosso Brasil, durante a ditadura, com toda as suas repressões, que de uma certa forma serviram para que nossos artistas populares se desenvolvessem de uma forma espetacular e tocante até hoje. Assim como Georg, no filme, que ficou mais estimulado em escrever, depois que sentiu na própria pele os horrores do governo ao qual estava submetido, quando perdeu seu amigo e guia intelectual.
RESSALTO que, não sou a favor de regimes totalitários, principalmente o que o Brasil sofreu, quis dizer apenas que ele serviu para que a "veia" artística se manifestasse de uma forma que nos toca até hoje.

E a outra forma que se aplica ao nosso modo de viver, é a questão da vigilância a qual estamos submetidos todos os dias. Em todos os lugares, e por qualquer pessoa. Somos monitorados por "algo" a todo instante. De maneiras e justificaticas que desconhecemos, e jamais conheceremos.

Lisandro, assisti ao Bastardos Inglórios ( que eu vivia ter perguntando se estaria em cartaz na semana seguinte, pois sempre estava sem tempo de assistir mas queria muito ver) e AntiCristo ( que lhe disse que não queria assistir por causa das cenas fortes, que com certeza eu não suportaria, e você pegou no meu pé para assistir mesmo assim que valeria muito a pena, e durante as cenas fortes fechasse os olhos), adorei os dois filmes, e o AntiCristo, foi difícil de engolir mas merece com toda certeza ser resvisto, com outro olhar.
Muito obrigada pelos incentivos!!!

Sinto falta das suas aulas de terça...era meu momento "catártico" da semana.

Abraços

Lisandro Nogueira disse...

Olá Tatiana,

Você gostou de "Bastardos inglórios" e "Anticristo"? Eu já esperava sua adesão estética. Seu gosto é apurado. E a tendência é melhorar cada vez mais.

Teremos mais aulas no próximo semestre.
Um grande abraço,
lisandro

Elaine -sociologia UFG disse...

É só lembrar dessas cameras que ficam olhando a a gente em todo lugar. Quem guarda aquelas imagens? Qual o uso que farão das imagens?

A coisa é séria e a vida dos outros rola aqui no Brasil.

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