quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Do começo ao fim" (em cartaz)






Do Começo ao Fim 

Renato Dantas*


     Do Começo ao Fim conta a história de um amor entre dois irmãos. E é isso. Basicamente, o filme de Aluizio Abranches baseia-se nessa premissa na tentativa de construir algo interessante. Francisco (João Gabriel Vasconcellos.) e Thomás (Rafael Cardoso), embora tenham pais diferentes, são filhos de Julieta (Júlia Lemmertz), uma doce e compreensiva mãe. Desde pequenos, os garotos, muito unidos, chamam à atenção os pais que parecem se preocupar com essa forte sintonia não tão comum entre meninos de mesma idade. Anos mais tarde, com a morte de Julieta, os rapazes, agora adultos, têm a chance de morarem sozinhos na casa da família, onde podem viver livremente aquela paixão. A partir daí, o que acompanhamos é uma espécie de história da vida privada dos dois. Simplesmente a trama se dilui, quase desaparecendo por completo, dando lugar a cenas esquemáticas, que parecem terem sido amontoadas umas nas outras a fim de dar volume ao projeto.

     A história é tão assombrosamente sem porquê de existir que ela consegue boicotar a própria polêmica que viria a causar. Afinal, trata-se de um amor entre irmãos uterinos. Incesto, um dos maiores tabus, na verdade, mais do que o tabu, há uma vedação social (quando não legal) explícita quanto à prática, em quase toda (se não em toda) sociedade humana conhecida. Um tema forte, capaz de suscitar infindáveis debates, além de muita polêmica. Ainda mais por se tratar de dois homens. E, ao contrário do que pensa Abranches, dois homens que se amam chamam bem menos atenção do que uma relação de incesto. Esse é, portanto, o mote da história. Mas o diretor parece ter confiado demasiadamente na capacidade de o tema gerar um grande filme. Esqueceu-se por completo de tecer uma trama à altura.

     Na direção, Abranches nos brinda com alguns momentos de puro constrangimento. A sessão tortura começa logo nos minutos iniciais, na cena em que Julieta aparece pela primeira vez. Nas duas sequências, que mostram a entrada da mãe na casa, o diretor opta por usar slowmotion - aquela câmera lenta -, uma forma óbvia e patética de mostrar a candura da personagem que, aliás, conserva uma eterna falta de expressão. A fotografia insiste em mergulhar o Brasil numa baixa luminosidade típica da Europa (nem as cenas de praia conseguem ser adequadamente iluminadas), empalidecendo até mesmo a casa onde se passa parte da trama: toda branca e cheia de janelas, não transparece toda a luz que poderia. Completando a obviedade na condução do filme, a trilha sonora pontua cada momento de forma até adequada, mas é tão esperada que parece mais uma escolha pedagógica a fim de ajudar o espectador a entender o que se passa diante dos seus olhos: em cenas na argentina, tango; nas românticas, balada ao piano.



     Aqui, as respostas não dadas pelo filme não são uma construção consciente do diretor com o propósito de provocar o espectador, recurso comum das grandes obras. É, ao contrário, negligência com a própria história. O estranho é perceber como o roteiro ignora tantas questões infinitamente mais interessantes de se desenvolver e se dedica a inúmeras cenas de sexo, com o fim em si mesmas (em sentido oposto, basta observarmos a maneira sutil e delicada com que Almodóvar trata tema semelhante no seu A Lei do Desejo). Ora, um filme com a presunção de insuflar debate e reflexão (porque ninguém pensa em falar sobre incesto sem essa pretensão), deveria se preocupar menos com o impacto gráfico e sem sentido das cenas de nudez, e mais em embrenhar-se nos aspectos psicológicos que motivam e/ou refreiam os personagens. Mas, talvez, eu me engane. É provável que alguém pense em tratar o tema incesto sem a intenção de provocar reflexão. Talvez, a polêmica seja o único objetivo. 

     Para quem acompanha o efêmero mundo das celebridades, sabe-se perfeitamente que muitas carreiras são sustentadas, à revelia da falta absoluta de talento artístico, pelo inegável dom de chocar as pessoas com comportamentos não muito convencionais. Polêmica tem, portanto, alto valor comercial. E não é difícil de perceber que a estratégia deu certo. O trailer desse filme, ao ser exibido na internet, meses atrás, virou recorde de visualização. O triste é perceber que o longa não acrescenta nada ao que fora exposto no seu resumo de dois minutos. Não posso deixar de ressaltar que, ainda que sem comprometimento, sua realização não é algo simples. Em uma sociedade tacanha e cheia de limitações como a nossa (o preconceito contra a mulher, o negro, o homossexual é um dado real, mesmo que o discurso corrente seja o da “sociedade multi-étnica e plural” tão difundido quando se fala, por exemplo, em cotas nas universidades públicas), colocar dois rapazes engalfinhando-se em cenas de sexo é um trabalho corajoso e importante do ponto de vista da representatividade que se obtêm. Mas quando o sexo subverte questões maiores, o resultado é um filme erótico estendido.

* Renato Dantas é aluno do seminário de análise de filmes na Facomb-UFG.

2 Comentários

Túlio Moreira disse...

Renato, concordo totalmente quando você coloca que o filme boicota a própria polêmica... Trata-se de uma obra que parece mostrar um outro mundo, no qual se relacionar com o irmão não gera nenhum tipo de conflito emocional. As ações da trama se desenvolvem a partir da distância geográfica entre os pares principais, e a questão delicada do parentesco é solenemente ignorada.

Além disso, há a questão da trilha sonora totalmente exagerada, das imagens em câmera lenta absolutamente piegas, das atuações constrangedoras... esse filme é um retrocesso para o cinema nacional.

weiss disse...

Confusão que está essa seção, várias entradas para o mesmo filme...(na realidade 2), comentários do filme sobre um texto que não tem nada a ver com o mesmo... assim, parece, que é para quebrar o debate. Afinal é ou não para haver polêmica, debate, comparações...?

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