segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

"Tenho a impressão de que amo todo o cinema"


Tenho a impressão de que amo todo o cinema 

Ana Paula Sousa*


Cineasta que revolucionou a linguagem na década de 60 diz que desafio de um filme, hoje, é conseguir distinguir-se em meio ao excesso de produção 
 


  Alain Resnais assinou o primeiro curta-metragem em 1936. Tinha 14 anos. Hoje, aos 87, segue a filmar e a ver filmes. Não sem algum espanto. "É tão grande a produção que não sei mais o que dizer", afirma, nesta entrevista concedida de Paris.
O cineasta, que pouco fala com jornalistas, pediu que as perguntas fossem enviadas por e-mail, mas deu as respostas de viva-voz, para um gravador. A transcrição coube à Unifrance, entidade criada em 1949 para promover o cinema francês. O autor que espantou o mundo com "Hiroshima, meu Amor" (1959) e "O Ano Passado em Marienbad" (1961) revela uma serenidade e uma humildade pouco comuns entre as lendas.



Com "Ervas Daninhas" (deve entrar em carta proximamente em Goiânia), produção de 2009, Alain Resnais abre-se para os pequenos desvarios da vida. Os personagens desse filme inquieto são seres que, por trás da aparência banal, guardam impulsos e fraquezas que, em sociedade, convém disfarçar. É, um pouco, a volta do Resnais aparentemente leve do musical "Amores Parisienses" (1997) e do sedutor "Medos Privados em Lugares Públicos" (2006).
A quem acostumou-se aos caminhos tortuosos dos filmes feitos na década de 1960, como "Hiroshima Meu Amor" ou à ousadia formal de um ensaio como "Smoking/ No Smoking (1993), tais filmes podem até soar simples demais. Mas são, no fundo, peças que se encaixam perfeitamente na trajetória de um dos grandes mestres do cinema contemporâneo.
Vencedor do Leão de Ouro em Veneza com "O Ano Passado em Marienbad", e do Prêmio do Júri, em Cannes, por "Meu Tio na América" (1980), ele voltou a Cannes, neste ano, para apresentar "Ervas Daninhas" e receber uma homenagem. Disse que adoraria levar multidões para ver seus filmes. Mas confessou não saber como conseguir isso, até porque não saberia fazer um filme violento.



 
Ana - Ao ver "Ervas Daninhas", tive a sensação de que, ali, estão contidos alguns de seus filmes. Há o personagem desconfortável com sua mulher ("Amores Parisienses"), o comportamento social que não é bem aceito ("Meu Tio na América"), o conflito entre delírio e razão ("Providence"). A recorrência a certos temas ou situações é intencional ou inconsciente? 

ALAIN RESNAIS
- É inconsciente e até contrária ao que espero. Tomo emprestada a fórmula do [François] Truffaut, que dizia que fazemos o primeiro filme para superar o segundo e o terceiro para superar o segundo. Minha ambição, evidentemente, é jamais me repetir, mas sua observação mostra que isso talvez não seja possível. De toda maneira, não cabe a mim, mas a você arbitrar esse conflito.

Ana - Em todos os filmes recentes, o senhor enquadra o mundo de forma leve e irônica. Mesmo nas cenas melancólicas, acabamos por sorrir. Tem sido esse o seu olhar sobre a vida? 

RESNAIS
- É difícil, para mim, falar sobre isso. É um pouco como a fábula do ser de mil pés que, a partir do momento em que se dá conta disso, se concentra sobre o pé a partir do qual crê avançar mais.
E então ele começa a retroceder. Então, eu, simplesmente, procuro não pensar sobre essas questões.



FOLHA - O senhor começou a fazer filmes amadores aos 14 anos. Seria possível imaginar sua vida fora do cinema?
RESNAIS
- Eu tinha paixão pelo cinema desde o tempo do cinema mudo. Nunca fiquei satisfeito com os filmes amadores que tentei fazer e que, na maioria das vezes, não foram sequer concluídos, mas eles me mostraram que meu desejo era continuar na atmosfera do espetáculo. Tive então uma passagem por um curso de artes dramáticas, onde conheci atores que me mostraram uma vida completamente diferente daquela que eu havia conhecido até então, na província da Bretanha. Passei a desejar, então, manter contato com esse universo. Quando percebi que tinha a opção de me tornar montador, na hora pensei comigo mesmo: "É bem possível que um dia ou outro algum ator venha dizer bom dia ou tomar um café na sala de montagem...
É possível que almocemos juntos". Seria uma maneira de me relacionar com o mundo do espetáculo, ao qual eu havia me afeiçoado tanto. Mas jamais pensei em tornar-me um diretor profissional. Pensava apenas que, aos sábados e domingos, poderia fazer algumas coisas em 16 milímetros. Isso me parecia suficiente.

Ana - Quando todos faziam filmes lineares, o senhor fez "O Ano Passado em Marienbad". Hoje, que a palavra "inovação" é um lugar-comum no cinema, o senhor parece fazer filmes menos radicais...
RESNAIS
- É muito divertido procurar formas que não foram ainda utilizadas, mas, a partir do momento em que todo mundo faz isso, o impulso por essa busca desaparece. O que se torna praxe, deixa de ser um combate. Para resumir sua pergunta, é muito difícil, hoje, fazer um filme que seja diferente dos demais.
Há tantos filmes sendo lançados toda semana, ao menos em Paris, que nos vemos submergidos numa quantidade absurda de títulos vindos do mundo todo. Como se fazer notado entre a multidão? Isso tornou-se um problema. Em outros tempos, a questão era decidir entre o filme comercial e o filme de arte, o que hoje não é tão difícil. Mas a pergunta é: como distinguir-se? O combate não é mais o mesmo.
Ana - Em "Ervas Daninhas", o senhor fez alguns jogos que me remeteram a imagens de celular e da internet. Foi um flerte com o cinema digital?
RESNAIS
- O consumo do cinema mudou muito. Não é mais necessário ir a uma sala, esperar que o filme comece e termine. Muita gente consome filmes pela TV, e não necessariamente pega o filme desde o começo. Ou seja, o cinema passou a ser consumido de maneira fragmentada. Há uma estratificação do gosto que faz com que quase tudo seja possível.
Isso acaba levando a uma mistura de cores que, no fim, se aproxima do cinza. É tão grande a produção que não sei mais o que dizer. Do ponto de vista técnico, as primeiras tentativas digitais eram desastrosas.
As cores, a profundidade de campo, tudo me parecia mecânico e sem vida. Mas, agora, com o avanço da técnica, há uma grande maleabilidade entre a película e o digital. O que importa é o diretor saber a que resultado quer chegar.
Ana - O senhor costuma ir ao cinema? Vê, por exemplo, as animações, tão em voga?
RESNAIS
- É meu problema quando eu falo da quantidade de filmes. Posso ver três filmes por semana, mas gostaria de escolhê-los dentro de cem anos de história do cinema. Não é que eu queira ver filmes mudos, mas também não quero ver apenas os filmes que acabaram de ser lançados. Meus gostos são múltiplos.
Gosto tanto das comédias musicais quanto dos documentários sociais, ou até de alguns desenhos animados. A partir do momento em que algo me emociona, não vou condenar essa emoção em nome de uma escola ou de um estilo. Tenho a impressão de que eu amo todo o cinema, mas tudo depende do meu estado moral, biológico, do meu humor no dia.
Ana  - Qual é, a seu ver, o lugar do cinema que se quer reflexão e arte na era do entretenimento?
RESNAIS
- Não sei, fico até embaraçado. Penso que devemos seguir nossos instintos. Seja o que for que queiramos dizer, é preciso que seja algo que tenha o bastante para manter o espectador sentado durante duas horas de projeção. Há muitas formas de fazer isso, mas creio que se dissermos "o importante é minha mensagem e não o prazer do espectador" estamos num impasse. Procuro responder a tudo isso com humildade.

Ana- Seus filmes sempre falaram da inconstância temporal e do lugar do homem no mundo. Para o sr., o que é a passagem do tempo?
RESNAIS
- Mais uma vez, como tenho feito desde o começo da nossa entrevista, darei uma resposta vaga. Vejo os danos do tempo e é natural que isso se reflita nos filmes. Mas o que realmente me interessa, e resta como um enigma é outra coisa.
Por que os homens fazem espetáculos? Por que os seres humanos fazem arte? Não tenho a resposta, e ficaria muito feliz se você pudesse dá-la para mim.

* Entrevista publicada na Folha de SPaulo em dezembro de 2009.

19 Comentários

Lisandro Nogueira disse...

Caros amigos do Blog,

O último post foi demasiado. Mudando de assunto: estou sugerindo aos Cinemas Lumiére para trazer o mais recente filme de Resnais: "Ervas Daninhas".

Vamos torcer e aguardar. O Rafael tinha me perguntado sobre o curso na UFG. Aulas nas terças, 18h, na Faculdade de Odontologia: "Crítica de cinema".

Lisandro Nogueira disse...

Ana Paula, a jornalista que estrevista o Resnais, é conhecida dos frequentadores da mostra "O amor, a morte e as paixões" (ocorreu entre 2001 e 2005 no shopping bougainville). Ela trabalhava na revista Carta Capital. E participou de um debate sobre o filme "Narradores de Javé".

Gostou de Goiânia e vai voltar brevemente.

Marcelo disse...

Pensei que não teríamos mais um "post massa".
O Post do Tarantino não foi lá essas coisas e os comentários então é de dar dó.
Irei chover no molhado, esse Alain Resnais sabe enxergar a vida com sabedoria.
Sou um assistidor de filmes relapso, dificilmente lembro nome de ator, diretor...
Ele foi o realizador do genial "Medos Privados em Lugares Públicos", caramba, num pus na minha lista dos dez mais, na próxima entra.
Geralmente os bons são serenos.
Serenidade é a saída mais sábil para os atuais conflitos quiçá, sempre.
Serenidade palavra simples mas complicada no ato.
Simplificando.
Serenidade é para os sábios.
E sabedoria não tem nada a ver com ciência e tenologia. Chego a pensar que é biológica.

Lúcio Amorim disse...

Prof. Lisandro, é a primeira vez que entro no blog. Visitei várias páginas, de meses anteriores. O achei melhor foi o que o blog consegue captar e editar para os leitores. Acho bom também porque não é um blog falando do "dono do blog". Estou cansado do nascisismo dos blogs. É bom esses debates e sem discutir vida pessoal. Vou visitar mais vezes. Não conhecia esse cineasta francês. Vou observar melhor. Obrigado.

Rafael Castanheira Parrode disse...

Ainda fica inédito na Brasil o maravilhoso musical do Resnais lançado no circuito em 2008 chamado Beijo na Boca, Não! Só aquele prólogo já vale o filme todo... dos melhores Resnais que vejo em muito tempo! E voupressionar o Gerson , gerente do Lumiére pra trazer Ervas Daninhas! Louco pra ver esse!

Rafael Castanheira Parrode disse...

e Lisandro como e onde serão as inscrições para o curso??? Faculdade de Odonto é na Pça. Universitária né?

Alfredo, cidadão anapolino. disse...

Permita-se, professor Lisandro, responder ao senhor João e ao Wolf (anônimo). Os filmes do Q. Tarantino, apelam para a amoralidade ao mostrar a violência pela violência e violar as leis humanas da igualdade e responsabilidade entre homem e mulher. Permita-me, professor, um convite. Chame os seus alunos para vierem até a bela cidade de Anapolis, debater um filme sadio e importante para a formação da nossa juventude,

Alfredo,

Rafael Castanheira Parrode disse...

Desculpa Alfredo, mas vc ta confundindo cinema com aula de boas maneiras, orientação sexual e modelos de comportamento. É em casa e na escola que vc ensina e orienta um ser humano em formação, e não numa sala de cinema! Esse papo seu é de gente que fica procurando culpado pelas aberrações do mundo, e isso é a maior conversa fiada!

Alfredo disse...

Senhor Rafael, cada um tem seu ponto de vista. Eu clamo por um mundo mais justo e mais moral. O senhor é contra isso?

Rafael Castanheira Parrode disse...

Não acho que ponto de vista seja igual roupa que vc vai em uma loja qualquer e escolhe a que mais te apraz. Consistência e argumentação fazem um ponto de vista!

É claro que eu clamo por um mundo "justo e moral" (ainda que noções de justiça e moralidade estejam muito deturpadas hoje em dia), mas o que quero que vc entenda é que o cinema, não é professor, nem sala de aula. Acho que o grande trunfo do cinema como arte é conseguir estabelecer no espectador um senso crítico, estimular trocas de idéias e a reflexão diante do mundo. Esse papo de que o cinema influencia a violência, o uso de drogas e a sexualidade é muito anos 90 e essa tese já foi derrubada faz tempo. Vc mencionou o fascismo em outro momento, mas pra mim, fascista são pensamentos retrogados como o seu, que indepedente de argumentos e discussões, vão sempre estabelecer falácias e inverdades pra se buscar o "bem da humanidade" a qualquer custo. Quero que vc entenda, não tenho nada contra vc, nem ao menos te conheço, mas tenho tudo contra o seu discurso, que reduz o cinema a um didatismo que pretende muito mais imbecilizar o espectador produzindo um modelo de comportamento que VOCÊ julga correto, ao invés de estimular a reflexão, abrir nossos olhos para o mundo, buscar entender e aceitar as diferenças e sempre buscando através disso fazer com que nós todos olhemos para muito além do horizonte.

célia disse...

Mas e aí Lisandro? E "As ervas daninhas"? Hahaha...continuam por perto, muuuito perto pelo visto, e danando tudo e um pouco mais. Rafael parabéns por suas palavras. Esse Alfredo podia dar as mãos ao Marcelo e sairem os dois pro mundo que já vão tarde, vão, vão, viver e aprender antes que chova, hahaha...

Rafael Castanheira Parrode disse...

E Lisandro, já que vc lembrou da mostra "O Amor, a Morte e as Paixões", existe alguma possibilidade dela voltar??? Falta imensa que faz aquela Mostra, lugar que vi coisas que inesquecíveis como Plataforma, O Desprezo, O Pântano, Elefante, Arca Russa...

Marcelo disse...

célia, alfredo e mais anônimos perdidos por aqui, vão, vão, abrir uma conta no Google e sair do anonimato, antes que neva, kkkk.

Lisandro Nogueira disse...

A mostra "Amor, a morte..." acabou em 2005. Forma quatro ediçõe excelentes. Na última, tivemos um público de 17 mil pessoas nos dez dias.

Vamos voltar!! Mas com outra mostra.

Alfredo disse...

A nossa visão de cinema difere de praticamente todos. Respeitamos a visáo profana. Queremos ressaltar somente a possibilidade da religião, no caso a nossa, ser respeitada em relação a filmes que não gostamos.

Obrigado!

Alfredo

Elaine disse...

Ei Alfredo, se toca! O professor já trocou o post, mudou o assunto. Que chatice, senhor pastor.

célia disse...

...como eu já disse, olhem aí as ervas daninhas, difiiiiiceis de se erradicar...faço a mesma pergunta que Resnais, porque os homens fazem espetáculo? Porque os seres humanos fazem arte? As respostas estão dentro de cada uma delas e acredito particularmente que perguntas e respostas é que fazem a arte mas como já disse alguém não são as respostas que movem o mundo e sim as perguntas sendo a arte cinematográfica a maior delase e a mais difícil de se fazer porque ela não tem que vir para explicar mas sim provocar; essa é minha opinião de simples expectadora e apaixonada por cinema.

Expedito Gomes (dos Correios) disse...

Prof., vi o filme aqui em SP. É realmente muito bom. Vai causar muito impacto. Tomara que chegue logo em Goiânia.

Anônimo disse...

Esta acontecendo ou ira acontecer algum curso em 2012 na UFG sobre Critica de Cinema com Lisandro?

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