sábado, 13 de fevereiro de 2010

" Invictus": filme de cor (em cartaz).

Filme de cor 


Clint Eastwood versando sobre cores e nossa relação com elas. Bonito.

Fabricio Santos*


Uma das principais características do cinema de Clint Eastwood me parece ser a sinceridade. A abertura de Sobre Meninos e Lobos; a pesada semi-profecia das palavras “Ela é lixo” em Menina de Ouro; a dupla perspectiva complementar em A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima; a constante certeza de A Troca; o destino inescapável de seu cowboy envelhecido em Gran Torino, isso para ficar nos mais recentes. A câmera de Eastwood sempre foi clara, apontando, prevendo e mostrando. Invictus é rápido em apresentar pequena mudança logo na cena da primeira caminhada de um Mandela já eleito presidente, em que Eastwood se dá uma pequena liberdade de enganar o público. Esse pequeno suspense terá momento semelhante lá perto do fim.

A maior parte de Invictus ocorre em 1995, ano de Copa do Mundo de rugby, esporte parecido com futebol americano e que o filme consegue a proeza econômica de resumir em uma regra para dar certo na tela. Também é início do mandato presidencial de Nelson Mandela (Morgan Freeman), pouco tempo depois de ser libertado de quase 30 anos de prisão. A África de sua presidência é terra sequelada pelo Apartheid, regime de separação racista que deu poder branco à ponta do continente africano.

O Apartheid foi abordado de forma curiosa ano passado através de Distrito 9, sci-fi bem boa e estranhamente randômica em suas imagens. Já Mandela foi recentemente interpretado por Dennis Haysbert no esquecível Adeus, Bafana, ainda em seus tempos de prisão. O Mandela de Invictus é livre, inclusive reservando atenção para o time de rugby do país, num movimento que enxerga a clássica relação entre esporte e o povo. Capaz de compreender o poder de inspirações, escala como seu elo o capitão da seleção, François, um Matt Damon super forte e super loiro.

Num filme que se passa numa África tremendamente desconfiada, suspeita de tudo o que acontece e com uma gigantesca novidade no topo do Governo, a sinceridade eastwoodiana passa a ser, portanto, representada por essa figura de Mandela, e somente nela. Artesão de (meo)dramas sóbrios e sólidos, Clint faz do presidente uma fonte de confiança e sabedoria, com o cineasta indo até um pouco longe demais, como se Mandela fosse uma espécie de divindade (quando escreve o poema, Freeman está em trajes brancos luminosos). Mas a sinceridade está toda aqui, acumulada em um homem, que o Morgan Freeman interpreta não apenas como a escolha óbvia (parceirão de Clint), mas perfeita. O corpo levemente arqueado, o olhar no olho, o aceno, um rosto que é o retrato de muita experiência e que acumula uma simpatia às vezes confundida com ingenuidade, mas que na verdade é quase onisciência. Que prazer ver o ator nesse papel.


Várias cenas com o Freeman parecem inicialmente focar a pessoa a quem ele vai se dirigir, surgindo no quadro antes dele. Peso discreto para esse presidente que parece dar atenção personalizada a todo mundo. Mandela é, sobretudo, um bom político, e é a confiança depositada nele que segura a mão de Invictus. Não por acreditar e ajudar um time derrotado e desmotivado, mas por incentivar ideologias daltônicas em país tão atingido por distinção de raças e cores. O “filme de superação” vai além do fator esporte, com Clint filmando tudo isso sem uma gota de pieguismo, nem mesmo quanto toca música pop meio brega, mas que tem um preciso – e precioso – “I’m colour blind” na letra. O elemento da cor parece ser de extrema importância em Invictus.

Cores do filme pedem atenção especial desde o começo. Dessa vez, Eastwood não coloca as logos da Warner e da Spyglass em preto-e-branco apenas por uma questão clássica, mas também pela gritante separação entre o preto e o branco. Mas as imagens abrem em cores, ponto de partida de um longa que vai defender essa diversidade cada vez mais. Primeira cena não poderia ser melhor, assim como o primeiro movimento de câmera: depois do fade inicial, são mostrados os jogadores predominantemente brancos do time de rugby, e, acompanhando uma jogada, a câmera revela jovens negros jogando futebol na terra do outro lado da rua. A fila de carros que leva Mandela passa por esse asfalto que separa os dois times.

Cor de pele, de bandeira, de uniformes, todas com um peso enorme para carregar, devidamente reconhecido por aqueles que as atacam e as defendem. Durante os jogos, Clint bota uma câmera quase participativa dentro do campo. Filma em movimentos, como se quisesse misturar o mundaréu de cores que são os torcedores no estádio, imagens onipresentes no fundo das jogadas.

Na última partida, jogadores ganham ares animalescos, corpos brutos capazes de lembrar búfalos e ursos do Animal Planet. É um jogo final que se dá ao direito da câmera lenta, pois já é simplesmente gostoso torcer pela África do Sul. E para o filme miscigenado que Invictus se revela, o temido adversário ser conhecido como "All Blacks" é de um raro simbolismo humano. 



* Fabricio Santos é mestrando na Letras-UFG e membro do grupo "Cine-UFG, debates"

1 Comentário

Elaine Camargo disse...

O filme é muito bom. O velho cineasta com um velho e ótimo ator. Gostei demais. Fabricio, bom texto.

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