O FAROL DE VOLTA
Ismail Xavier faz conferência no dia 29 de março sobre "Cinema Clássico"
Lisandro Nogueira
Desde 1978, Ismail Xavier, professor de cinema da USP, com mais de 15 livros publicados sobre teoria, história e crítica de cinema, vem a Goiânia. É muito bom ser aluno, amigo e leitor-estudioso de um professor generoso e inteligente.
O Cineclube Antônio das Mortes, fundado em 1977, por Lourival Belém, Herondes Cesar, Ricardo Musse (eu sou da segunda geração: 1980), sempre foi corajoso e enfrentou as maiores dificuldades para exibir e fazer cinema em Goiás. Hoje, praticamente todos que passaram pelo cineclube estão envolvidos com cinema. Por exemplo, quando Ismail lançou seu primeiro livro, O discurso cinematográfico (Paz e Terra), em 1977, os cineclubistas logo ficaram sabendo e trataram de trazê-lo para lançar a obra em Goiânia.
Com Ismail aprendemos a gostar ainda mais do cinema. Aprendemos a compreendê-lo e saber "ouvir e escutar" os filmes. E mais: penso que muitos de nós, apesar da época de intensa militância política, aprendemos que os filmes devem ser vistos sem preconceitos, sejam eles americanos, cubanos, italianos ou orientais.
Era muito comum nos anos 80 celebrar o cineasta Costa-Gravas. Esse cineasta sempre procurou o caminho mais fácil para fazer "filmes de protesto". Quem sempre fez, e ainda faz, "filmes políticos" de alta relevância é Jean-Luc Godard. Um dos grandes ensinamentos que tive de Ismail foi saber entender Godard: nem criticá-lo sem analisar a obra, como faz um cinéfilo hollywoodiano deslumbrado, nem celebrá-lo com arrogância.
Godard e David Griffith foram intensamente estudados por Ismail. O primeiro, símbolo de um cinema de ruptura que critica com severidade a "ilusão cinematográfica" (o cinema narrativo clássico); o segundo, o americano David Griffith, sintetizou uma linguagem que se tornou vitoriosa, com resultados impressionantes. Mesmo com críticas vigorosas, algumas pertinentes, outras não, o cinema que nasceu com ele tornou-se, ao longo do século 20, eficaz e sedutor, pois conseguiu dar continuidade ao que já vinha sendo feito no teatro e na literatura (o melodrama).
Ismail postou-se de um lado (cinema clássico), mas também do outro (cinemas de ruptura). Procurou desvendar e compreender as vicissitudes e as artimanhas para a permanência de cada narrativa; buscou a compreensão e disseminou-a para todos os cantos.
Outro ponto fundamental que aprendemos com ele: devemos “entrar no filme” para compreendê-lo. A crítica de cinema é, em regra, impressionista. Postada principalmente na mídia, tem enorme dificuldade em adentrar nos filmes. Em função do tempo concedido, seja na TV (eu tenho no máximo três minutos para falar de um filme na televisão) ou nos jornais impressos, ou mesmo por causa da enorme quantidade de títulos que são lançados nos circuitos, em DVDs, a crítica fica distante da análise fílmica – tão necessária e importante.
Não que a critica de cinema deixe de ser importante por ser geralmente impressionista e apressada. Ela é fundamental: trabalha visando a informação e a avaliação dos filmes. E não há dúvida sobre riqueza incomensurável desse tipo de crítica. Em muitos casos, ela consegue “enxergar” mais do que a crítica acadêmica.
O grave problema da crítica e da análise de filmes no meio acadêmico é a submissão das artes e humanidades ao modelo padrão das ciências duras. O “texto científico”, em detrimento do ensaio ou da crítica impressionista, endurece a compreensão por causa do estilo dos textos (geralmente pesado e cheio de citações).
O ensaio, escola-estilo que Ismail Xavier e outros da geração dos anos 60 tão bem executam, favorece um pensar mais livre, sem a sobrecarga da obrigação da “verdade científica”. São textos de compreensão, mas eivados de poesia e sensibilidade. São gostosos de ler: sabem conduzir a aridez normal do pensamento com desenvoltura e sabedoria. Um bom exemplo são os textos dos livros "Sertão-Mar" e "O olhar e a cena".
Por isso, ouvir Ismail novamente, desta vez falando de Griffith (melodrama, narrativa clássica, do teatro ao cinema), é uma grande oportunidade para conhecer um pensamento arguto, complexo e sempre pertinente.
Leia abaixo uma pequena entrevista sobre seu livro Sertão-Mar (Cosac & Naify). Uma abordagem sobre o cinema brasileiro de ruptura dos anos 60.
ENTREVISTA COM ISMAIL XAVIER*
Com o livro "Sertão Mar", o professor e crítico de cinema Ismail Xavier esquadrinhou o fenômeno do cinema novo, pela análise da obra de seu maior autor, Glauber Rocha (1939-81), e de sua crença numa "estética da fome" como vetor para uma cinematografia nacional com traço próprio e consonância com a trajetória do país.
Escrito em 1983, "Sertão Mar" tornou-se um ensaio obrigatório ao estudo de um aspecto relevante da cultura brasileira, mas estava inacessível a novos leitores, já que os exemplares esgotaram nas livrarias.
Esse paradoxo deixou de existir neste mês, em que "Sertão Mar" (232 páginas, R$ 49) ganhou reedição da Cosac Naify. Um quarto de século após seu lançamento, "Sertão Mar" oferece ocasião para refletir sobre o cinema brasileiro de hoje, conforme Xavier atesta, na entrevista a seguir,.
- "Sertão Mar" estabelece um contraponto entre a obra de Glauber Rocha e a de seus contemporâneos. Se fosse delinear um contraponto de "Barravento" e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" com a geração que sucedeu Glauber, que títulos seriam candidatos a esse cotejo?
ISMAIL XAVIER - Há uma diferença. As questões presentes em "Barravento" foram muito trabalhadas pelo cinema dos anos 70 e 80, a partir de filmes que trabalharam a religião afro-brasileira, de "Amuleto de Ogum" a "Xica da Silva". Estes e outros filmes geram cotejos possíveis, mas não vejo agora no contemporâneo um contraponto tão nítido como aquele trazido pelas formas novas de se pensar o sertão.Essas formas são variadas, mas o cotejo mais interessante se faz entre Glauber e cineastas como Paulo Caldas e Lírio Ferreira, que, em "Baile Perfumado" [1997], trataram o sertão como mundo permeável ao consumo, inserido numa rede de trocas que dissolvem o isolamento necessário em "Deus e o Diabo na Terra do Sol" para que o sertão, como microcosmo fechado, pudesse compor a alegoria do Brasil. Muda a imagem do cangaceiro, de proto-revolucionário passa à condição de ícone pop. Passamos do tema da revolução pré-figurada no cangaço ao mote do pragmatismo.
- O fato de a obra de Glauber ser a grande referência do cinema brasileiro diz respeito ao vulto de sua genialidade ou ao declínio de nossa produção desde então?
XAVIER - A estatura de Glauber vem da articulação única entre sua forma e o que de social e político continua nela implicado e atual. A conjuntura presente define, para o cinema, outras demandas e outros caminhos, dentro de um esforço de comunicação que tem seus protocolos, com filmes de gênero e roteiros mais ajustados a uma dramaturgia clássica ou ao road movie (como acontece com Walter Salles Junior e outros cineastas que dialogam com Wim Wenders). Na maioria dos casos, a ênfase tem recaído sobre o aspecto psicológico da experiência. O que não exclui a emergência de talentos afinados à tradição do moderno, como Luiz Fernando Carvalho. No geral, não sei se cabe falar em declínio. O que houve foi uma mudança de projeto, com um ajuste de ambições em novo patamar, pois o clima é mais adverso e ficou mais difícil capturar o tempo.
- Para produzir hoje "uma crítica que mostre a forma estética como decantação da experiência histórica", o que "Sertão Mar" faz, conforme observa o pesquisador Leandro Saraiva no posfácio, é necessário trocar o cinema por outra arte?
XAVIER - Não. Se você admite a premissa de que há uma relação entre forma estética e experiência histórica, as diferentes formas de expressão certamente estarão nos oferecendo trabalhos que nos desafiam a formular com clareza esse nexo. O cinema não está excluído.
Não temos o recuo que permita pensar de modo mais abrangente esta decantação hoje, mas algo vai se esboçando. Há uma intuição de que é o cinema asiático que está conseguindo melhor condensar o tempo presente - veja "Em Busca da Vida", de Zhang-ke.
Não temos o recuo que permita pensar de modo mais abrangente esta decantação hoje, mas algo vai se esboçando. Há uma intuição de que é o cinema asiático que está conseguindo melhor condensar o tempo presente - veja "Em Busca da Vida", de Zhang-ke.
* Entrevista publicada pela FolhaSP em novembro de 2007.
7 Comentários
Ismail Xavier: conferência no Cine-UFG (Campus 2), dia 29 de março, segunda-feira, 9:30h. De graça.
to la certeza!
Puxa vida...
Sem chance de eu conseguir ir nesse "retorno".
Infelizmente.
Deixo aqui um pedido para o prof. ou um aluno mais generoso: por favor gravem em audio esse momento... em mp3 ou no celular... e seria muito legal se esse arquivo pudesse ficar disponível para download aqui no blog.
Já vi vários programas com o prof. Ismail Xavier na TV Cultura. Ele é muito didático e conhece bem do que fala.
Alguns publicados do Ismail:
* 1977: O Discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência (Editora Paz e Terra)
* 1978: Sétima arte: um culto moderno
* 1983: Sertão Mar: Glauber Rocha e a estética da fome
* 1983: A experiência do cinema (org.)
* 1984: D.W.Griffith, o nascimento de um cinema (Editora Brasiliense)
* 1985: O desafio do cinema (em colaboração com Jean-Claude Bernardet e Miguel Pereira, Editora Jorge Zahar)
* 1993: Alegorias do subdesenvolvimento - cinema novo, tropicalismo, cinema marginal (Editora Brasiliense)
* 1996: O cinema no século (org.) (Imago Editora)
* 1997: Allegories of underdevelopment: aesthetics and politics in brazilian modern cinema (Univ. of Minnesota Press)
* 2001: O cinema brasileiro moderno (Editora Paz e Terra)
* 2003: O olhar e a cena (Editora Cosac & Naify)
O Prof. Ismail é um mestre para todos nós que tentamos entender um pouco do que o cinema tem a nos dizer. Nos anos 70, seu livro "O Discurso Cinematográfico" era uma espécie de bíblia para nós do Cineclube Antonio das Mortes. Poder ouvi-lo outra vez, certamente mais experiente e mais sábio, será uma grande alegria.
Abraços
preciso ler Ismail Xaviw=er, - D.W. - O nascimento de um cinema, imediatamente. Porém não consigo encontrar o livro. Quem poderá ajudar-me?
Espedito Vicente - SBC.SP
Tel. 11- 9.99745587
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