quinta-feira, 29 de abril de 2010

"Água fria nas utopias digitais" (entrevista com Dominique Wolton)

A desconstrução das utopias digitais




Bolivar Torres*
A internet é mesmo a grande revolução prevista por certos teóricos? Em seu novo livro, Informar não comunicar (96 pp., Editora Sulina, Porto Alegre, 2010) o sociólogo francês Dominique Wolton joga um balde de água fria nas utopias digitais, que cravaram que as novas tecnologias iriam resolver todos os problemas da comunicação.

Para o prestigiado pesquisador do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas, na sigla em português), fundador e diretor da revista Hermès, confundiu-se os – indiscutíveis – avanços técnicos de transmissão da informação com a nossa capacidade de absorvê-los e nos adaptarmos às mudanças. O resultado é paradoxal: mais rápido avançam as tecnologias, mais lento é o nosso progresso na comunicação.

Wolton não nega a importância das novas ferramentas, mas desconstrói a ilusão de que a internet possibilitará um conhecimento sem intermediários. Ao contrário do espaço de integração e pluralidade idealizado por alguns, vê um sério risco de segmentação: usuários isolados em suas ilhas, ou limitados a seus grupos de afinidades, incapazes de dialogar com valores diferentes dos seus.

Antes que o acusem de conservadorismo, vale lembrar que o pensador defende, na verdade, uma visão mais humanista da comunicação, que coloque o indivíduo acima das tecnologias. Pede com urgência que a comunicação seja vista como um projeto político e cultural, para que possa enfim produzir um melhor entendimento entre os homens num mundo cada vez mais multipolar. 


*** Os avanços da comunicação deflagraram a nossa dificuldade de se comunicar?
Dominique Wolton – Há um descompasso entre a velocidade e o volume de informações aos quais temos acesso todos os dias e nossa capacidade de se comunicar. As informações avançam rápido, já a comunicação, muito devagar. Identificamos erroneamente as técnicas de comunicação ao progresso, e esquecemos da complexidade do homem. 

A comunicação é uma das apostas científicas do século 21: precisamos gerar nossas diferenças, coabitar, muito mais do que dividir o que temos em comum. O desafio é tomar consciência que a comunicação deve conviver pacificamente com as novas tecnologias da mesma maneira que a ecologia. O mundo finalmente deu atenção à ecologia, agora é preciso também ficar atento às ciências sociais da comunicação.

Quais são os maiores perigos da visão tecnicista da comunicação? D.W. – É uma visão que contém riscos porque cria uma confusão entre o que é informação e o que é comunicação. Não apenas releva a capacidade crítica do receptor exposto à mensagem, mas também a sua resistência a uma visão diferente do mundo. É preciso aceitar a ideia de que a comunicação também possui uma dimensão política e cultural. Se aceitamos que a ecologia deve ser um assunto político, por que não a comunicação?


Os ideólogos da revolução digital defendem que a internet pode produzir uma democracia mais direta, emancipada das instituições, e que se autorregulamentaria sem a necessidade de intermediários. É uma ideia populista? D.W. – É uma ideia democrática apenas na aparência. A internet ressuscitou a utopia da democracia direta. É ingênuo, porque se você não tem intermediários, é o dinheiro e as minorias que dominam. Não existe democracia sem intermediários: políticos, jornalistas, professores, médicos... A televisão comunitária existe há pelo menos 20 anos e não resultou na democracia direta. A mídia está cada vez mais interativa, mas não melhorou em nada. Para que haja democracia, é preciso haver eleições. Aliás, eleições servem para eliminar aquilo com o que não concordamos.


A internet é defendida como um agente do pluralismo. Mas o senhor vê um risco de conformismo, submissão ao receptor e às modas. Até agora, o digital contribuiu mais para uma homogeneização da mídia? D.W. – A internet pode se transformar em um espaço onde todo mundo pensa a mesma coisa, pois cada um se fecha em sua comunidade. Mas se for regulamentada, poderá refletir o pluralismo da sociedade. Aconteceu o mesmo na história da política, da ciência ou da arte. A comunicação é um projeto político. Com a internet, corremos o risco de entrar no comunitarismo: as comunidades se prendem em suas próprias afinidades, sem dar atenção a outras possibilidades. A comunicação é uma ida e volta, é preciso negociar as diferenças.


Em resposta à utopia de integração, o senhor aponta as "solidões interativas"... D.W. – Não podemos negar que a internet trouxe uma abertura formidável. Mas depois de um tempo, pode virar prisões individuais: as pessoas se trancam e não se comunicam com valores diferentes dos seus. A web é um sistema de informação baseado na demanda, enquanto as mídias clássicas se baseiam na oferta. A web não ultrapassa a demanda, e com isso produz uma segmentação. Por outro lado, as mídias clássicas enriquecem a demanda com a oferta.


Qual foi a verdadeira influência da internet nas últimas eleições presidenciais americanas? D.W. – Já se disse muita besteira sobre a campanha de Obama. Na verdade, ele percebeu a importância das redes sociais e se serviu delas. Mas era algo que já existia muito antes, pelos meios clássicos. Não foi a internet que deu a largada para o militantismo, ela simplesmente acelerou um sentimento que já existia na população.


O senhor afirma que o jornalismo é uma profissão, exige formação. Como vê a decisão da Justiça brasileira de anular a necessidade de diploma para praticar o jornalismo no país? D.W. – O jornalismo é uma profissão que exige responsabilidade, uma maneira de ver o mundo. É importante que ela mantenha as portas abertas para os mais jovens. Mas acreditar que ela pode acolher todo mundo, mesmo aqueles que não conhecem as dificuldades do métier, é uma visão demagógica, que pode vulgarizar o ofício. Quanto mais surgem novas mídias, mais é preciso reafirmar a importância dos intermediários e de seu profissionalismo.


O jornalismo impresso vai acabar? D.W. – Cada um tem seu lugar. A internet tem como aspecto positivo a sua capacidade de ser um instrumento de contrapoder e, como negativo, a sua segmentação. Já as mídias clássicas são positivas por se abrir a todos, mas negativas por serem generalistas demais. Precisamos de cada um dos dois em suas visões positivas. Cada mídia tem sua cultura e competência.

* entrevista realizada porBolívar Torres _JB 26.04.2010.

1 Comentário

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