O velho
Gilberto Tadday/Folha Imagem |
CRISTINA FIBE*
No 12º andar de um prédio sem luxos no Upper West Side, em Manhattan, Nova York, um senhor de meias bicolores espia o elevador, porta entreaberta, à espera da reportagem.
Sozinho, Philip Roth, 77, recebe a Folha com um único pedido: não ser fotografado enquanto conversa. Pergunta que livro dele está sendo lançado no Brasil -"A Humilhação"-, e diz que precisa de um momento para se lembrar deste. Desde que a sua 30ª obra foi lançada nos EUA, em meados de 2009, Roth já escreveu outra, "Nemesis", que chega às livrarias em outubro.
O livro completa a série de quatro romances curtos da qual faz parte "A Humilhação". Para Roth, eles não se ligam "de maneira óbvia", mas "giram em torno de uma ameaça".
No livro que sai no Brasil, a ameaça é a perda do talento de um ator que não consegue mais subir ao palco. Ele envelhece sem exercer o ofício, com medo da morte e da solidão.
Conhecido por espelhar os personagens em si mesmo, Roth falou sobre os amigos que perdeu, a família que nunca construiu e o "desespero terrível" que é sentir "a ausência do talento". Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
PHILIP ROTH - Quem me inspirou foi um ator britânico, Ralph Richardson [1902-1983]. Em determinado ponto, ele não conseguia encontrar o seu talento. Disse às pessoas: "Perdi meu talento. Se alguém encontrá-lo, tem as minhas iniciais. Favor devolver, possui valor sentimental" [risos]. Imaginei a partir disso. Sei o que é quando o talento parece ausente. Não acho que exista um escritor na Terra que nunca tenha sentido isso. Dá um desespero terrível, uma tristeza. É um talento diferente, mas também preciso interpretar. E houve momentos em que não pude.
FOLHA - Quando teve essa crise pela última vez?
ROTH - Nesta manhã [risos]. Tenho tido uma boa jornada nos últimos dez, 15 anos. Escrevi livros a cada dois anos, às vezes com mais frequência. À exceção de um período entre 1962 e 1967, quando tinha 30 anos. Não conseguia escrever.
FOLHA - Como se define naquela época e hoje?
ROTH - Meus joelhos não doíam tanto [risos]. Publiquei o meu primeiro livro em 1959, aos 26. Nos primeiros dez anos, é um aprendizado, você está ensinando a si próprio. É muito difícil para mim ler os livros dessa época. Eles me parecem, às vezes, muito mal escritos. Hoje, tenho confiança no meu trabalho.
FOLHA - O quanto leva a sério as críticas que recebe?
ROTH - Se forem escritas por alguém com credenciais e cérebro, levo a sério. Mas isso é no máximo em 10%, 5% dos casos. Então leio, mesmo que seja um ataque. E machuca. Quando comecei, tinha a pele fina. Hoje, não tenho pele nenhuma.
FOLHA - "A Humilhação" é centrado no envelhecimento, na morte. São temas que lhe preocupam?
ROTH - São incômodos. Por uma razão simples: nos últimos dois anos, seis dos meus amigos mais próximos morreram. É assombroso. E, se o seu amigo morre aos 83, e você tem 77, fica ao lado do túmulo, subtraindo e adicionando. "Tenho seis anos, o que farei com eles?" E aí você começa a ter problemas de saúde. Chega um mês em que precisa ver o médico três vezes. Antes, eram três vezes em três anos.
FOLHA - No livro, o protagonista envelhece e fica só. Como é a sua relação com a família?
ROTH - Tive dois casamentos, um quando jovem, outro mais velho. Nunca tive uma família. O primeiro casamento, na época em que eu teria construído uma família, foi um pesadelo. Então passei pela vida sem isso. Não sinto falta. A única família que tive foi aquela na qual cresci. Sou o último, éramos quatro.
FOLHA - Você já disse que, se começasse de novo, não seria escritor.
ROTH - É uma vida difícil. Você sempre precisa construir algo do nada, e coisas que convençam. O esforço é gigantesco. E a frustração é enorme.
* Publicada na FolhaSPaulo: 22.05.2010.
1 Comentário
Adorei!:
http://numadeletra.com/29061.html
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