sexta-feira, 25 de junho de 2010

Cinema brasileiro: o que fazer com essa anomalia?

“Elevado 3.5” – anomalia 

Eduardo Escorel*


Como contei no último post, há 15 dias saí de Toronto, onde Atom Egoyan filmou “O preço da traição”(“Chloe”), cruzei a Paulista e fui até o Minhocão*, onde João Sodré, Maíra Bühler e Paulo Pastoreio gravaram “Elevado 3.5”, escolhido melhor documentário da competição brasileira, no festival É Tudo Verdade de 2007. Na única sessão daquela sexta-feira, havia umas dez pessoas no cinema.

Há algo de errado nisso – um documentário premiado fica 3 anos na prateleira, é lançado com uma única sessão por dia e quase ninguém vai ver o filme. Nas três primeiras semanas em cartaz, segundo dados do Boletim Filme B, foi visto por 416 espectadores e teve renda de 3948 reais.

Anomalias como essa parecem resultar da inadequação do produto ao mercado. Mas não me refiro a um caso isolado. No início de junho, “A Alma do osso”, dirigido por Cao Guimarães, foi visto por 90 espectadores em uma semana de exibição, no Rio. Em 6 dias, nas 24 sessões, a média foi, portanto, de 3.75 pessoas por sessão! Resultado semelhante ao de muitos documentários e filmes de ficção brasileiros, aí incluidos os que eu mesmo dirigi nos últimos anos.

Configurado para outro gênero de produção e sensível a apelos de natureza diferente, o mercado e o público consumidor veem o cinema como forma de entretenimento, categoria em que “Elevado 3.5”, assim como muitos dos nossos filmes não se enquadram. Em especial documentários que, regra geral, não convidam ao devaneio.

Daí, inclusive, a possibilidade do recém-lançado projeto do governo federal, Cinema Perto de Você, que pretende criar 600 novas salas em 4 anos, correr o risco de acabar sendo apenas uma ajuda para ampliar o domínio do mercado brasileiro pelo cinema americano. E isso sendo financiado pelo BNDES, além de beneficiado por isenção tributária.

A tentativa de diagnóstico da anomalia se revela parcial e insatisfatória, porém, sabendo por exemplo que, de 14 a 18 de junho, o Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ exibiu 4 filmes do cineasta espanhol, nascido em Barcelona, José Luis Guerín, e havia, em média, 3 pessoas por sessão. Onde andam os estudantes da Escola de Comunicação? Nem mesmo sendo gratuito, no âmbito da própria Universidade Federal do Rio de Janeiro, em prédio anexo ao cineclube, houve plateia razoável para ver os filmes de um cineasta, a meu ver super-valorizado, mas original, premiado, sem dúvida interessante, e pouco conhecido no Brasil. A crise parece ser, portanto, maior do que a impressão inicial sugere. Mesmo fora do circuito comercial, há carência de público para ver filmes de qualidade.

Saindo do Minhocão, fui até o Palácio de Buckingham onde “A jovem rainha Vitória” subiu ao trono e iniciou seu reinado. A sessão estava lotada, no sábado, dia 19, às 20h10. E na platéia, um jovem casal não conteve o pranto quando o príncipe Albert disse para a rainha: “Você é minha mulher. Você é toda minha existência.” Não teria se emocionado tanto se soubesse que na tentativa de assassinato da rainha, na verdade, o príncipe não foi atingido por um tiro.

Em 36 cinemas, mais de 12 mil pessoas viram “A jovem rainha Vitória” nos 3 primeiros dias de exibição. A média por sala foi de 343 espectadores. O choro e a cena inventada talvez sirvam como chave para entender a anomalia.

* Eduardo Escorel é cineasta e crítico de cinema. publicado na revista Piauí.

2 Comentários

Rodrigo Cássio disse...

Bom texto. Muitos problemas em jogo, e o Eduardo Escorel os aponta.

Importante perguntar "onde estão os estudantes de Comunicação?". Mas isso é apenas a primeira pergunta para outras mais fundamentais. Por ex: O que tem sido feito com a formação do público?

A educação é um tema inevitável, aqui. Vamos pensar o público do cinema desde a sua origem: nossa vida com as imagens, nossa permanência intensa ao lado delas.

O público do entretenimento jamais será o público do bom cinema, se continuar a ser condicionado e submetido pelo contato totalizante com a indústria cultural.

Abraços.

Expedito Gomes disse...

Cássio,

O problema não é a indústria cultural. É a falta de educação básica e a qualidade dos filmes brasileiros. Se existe indústria cultural, ela poderia favorecer o cinema brasileiro.

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