"intelectualices": ao prof. Jean-Claude Bernardet
Lisandro Nogueira*
Jean-Claude Bernardet foi meu professor na ECA-USP entre 1992 e 1994. Ele é o tipo de professor que, hoje, a Universidade acolhe pouco: é exigente, assiduo, não faz média com aluno e é extremamente dedicado. Durante as aulas fazia todas as perguntas possiveis. Nós, alunos, tínhamos que pensar bastante para responder. Suas aulas eram baseadas em "questões", ou seja, o procedimento de fazer perguntas "ao filme".
Jamais buscava um teórico, da manga da camisa, para se impor e mostra "intelectualices". Se tornou muito comum, hoje em dia, levantar um arsenal teórico e despejar sobre o filme. Os leitores apressados de Gilles Deleuze fazem isso o tempo todo. Jean-Claude sempre ensinou: "vá primeiro ao filme, entre na estrutura, procure dissecá-lo; não traga uma boa teoria para dar conta daquilo que é uma experiência estética única, pois isso vem muito depois". O recado é claro: primeiro a experiência estética com o objeto; em seguida, o trabalho de crítica e análise.
Com saudade de Jean-Claude, publico abaixo um artigo sobre o filme 'Viajo porque preciso, volto porque te amo", de Karim Aniouz.(o filme será exibido hoje, 19h, no Cine-UFG, na mostra Perro Loco).
ps- o termo "intelectualices" (muito criativo) era usado pelo colega Ricardo Basbaum nos grupos de estudo. Ele fazia gozação com aqueles que despejavam o arsenal teórico antes de "entrar no filme".
VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO
Jean-Claude Bernardet
O sentimento que deixa VIAJO é de perda. Não é apenas a confissão de Zé Renato abandonado pela mulher amada que nos comove. O desvendamento progressivo da situação e as imagens e seu ritmo vão aos poucos nos provocando uma melancolia pela perda de não sabemos o quê, não a perda de algo, mas a perda em si, irreparável e definitiva.
Um filme que deixou uma impressão diferente mas comparável é CABARÉ MINEIRO de Carlos Prates. O filme é irônico e engraçado. Nos últimos minutos, o marido deixa a esposa louca no trem que se afasta, e agora volta carregado de tristeza numa imensa paisagem e cercado por um congo que dança sem se perturbar com sua tristeza, então levanta-se a magnífica litania “Adeus, Adeus minha querida senhora”, e é difícil segurar as lágrimas. Isto graças a uma relação precisa entre os enquadramentos, a montagem e a litania.
Não é a perda de Soroco que se chora, mas a perda de todo um passado, de toda uma cultura.VIAJO não leva às lágrimas, mas a uma melancolia quieta, silenciosa, recolhida. O filme nos impregna de melancolia, sem que a fala de Zé Renato, anunciando que quer mergulhar na vida, consiga reverter a situação.
Vi o filme pela primeira vez na sala da Fradique Coutinho, durante a Mostra, na sessão das 14h. de um domingo. O filme não recebeu nenhum aplauso, mas ninguém se mexeu na sala. Só quando acabaram os letreiros de fim e a sala se iluminou os espectadores pegaram suas coisas e começaram a sair silenciosamente.
1 Comentário
Lembro da sua aula e aquela idéia fixa: "entrem no filme"!! Lisandro, você é muito engraçado.
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