sábado, 30 de outubro de 2010
Debate: "Tropa de elite 2"
VÁRIOS CRITICOS DE CINEMA (INCLUSIVE LISANDRO NOGUEIRA) CONSIDERAM "TROPA DE ELITE 2" UM FILME "LIMITADO": NÃO PROBLEMATIZA E SUPERFICIALIZA QUESTÕES IMPORTANTES DA VIDA BRASILEIRA. EXPLORA A "INDIGNAÇÃO IMPOTENTE" DA SOCIEDADE E ESCOLHE UMA NARRATIVA REALISTA/SENSACIONALISTA PARA ANGARIAR PÚBLICO E SIMPATIA. VOCÊ CONCORDA? Mostrar mais ▼
terça-feira, 26 de outubro de 2010
100 grandes momentos do cinema.
Roger Ebert, crítico do jornal “Chicago Sun-Times”, divulgou uma lista de 100 grandes momentos do cinema que agradou em cheio aos cinéfilos. Embora ele não os tenha numerado, pois não é um ranking, acrescentamos os números para facilitar o trabalho de quem quiser confrontar as informações com o que mostram os filmes.
Considerado um dos mais influentes críticos americanos, Ebert é dotado de admirável capacidade de observação. Suas escolhas vão do mais espetaculoso, a corrida de bigas em “Ben-Hur”, ao detalhe mais sutil, a sombra da garrafa escondida em “Farrapo Humano”. Em muitos casos são minúcias que escapam à percepção de espectadores distraídos.
Ebert registrou suas observações puxando pela memória, ensejando diferenças entre o que escreveu e o que de fato ocorre nos filmes relativos aos momentos número 21, 33, 45, 46, 79, 83 e 88. Nós optamos por adequar o conteúdo destes ao que se vê ou se ouve nos filmes.
Em algumas situações, sentimos a necessidade de inserir explicações entre colchetes, para facilitar a compreensão dos leitores; em outras, acrescentamos o título do filme a que o texto se refere. Também completamos os nomes de vários diretores e atores.
Agora, duas ou três coisas sobre a tradução. Conforme explicou recentemente o editor-chefe do Jornal Opção, Euler de Fraça Belém (em texto sobre Mario Vargas Llosa), “em tradução, perde-se alguma coisa que só pode ser assimilada na própria língua”. Uma verdade cristalina, em frase lapidar. A nosso ver, o tradutor deve preocupar-se mais em reproduzir a ideia do que o sentido de cada palavra. Mas, onde foi possível, esforçamo-nos inclusive para manter a estrutura da frase original.
Nos casos que envolvem diálogo, mais cuidado ainda se requer. Na legendação de filmes, o tradutor tem mais liberdade porque, em tese, o contexto lhe facilita as coisas. Além disso, ele precisa economizar vocabulário para dar ao espectador tempo de ler tudo antes que entre a legenda seguinte. (Nada que justifique, porém, os equívocos que espectadores mais exigentes percebem.)
Na ausência da imagem, como aqui, é impreterível que se tente exprimir o máximo de conteúdo, mesmo sabendo que é impossível traduzir todas as nuances. Perfeição não existe, evidentemente, mas perseverar em busca da excelência é fundamental para quem lida com cultura.
Após conhecer as argutas observações de Roger Ebert, tomara o leitor se sinta apto a fazer sua própria lista de grandes momentos do cinema.
1- Clark Gable em “E o Vento Levou”: “Francamente, querida, eu não ligo a mínima”.
2- Buster Keaton de pé, tranquilo, enquanto a parede da casa cai sobre ele; é salvo por estar posicionado exatamente no vão da janela [em “Marinheiro de Encomenda” ou”Capitão Bill Jr.”].
3- (foto) Charlie Chaplin sendo reconhecido pela moça cega, em “Luzes da Cidade”.4- O computador Hal 9000 fazendo leitura labial, em “2001: Uma Odisseia no Espaço”.
5- A Marselhesa cantada em “Casablanca”.
6- Branca de Neve beijando Dunga na cabeça [em “Branca de Neve e os Sete Anões”].
7- John Wayne pondo a rédea na boca em “Bravura Indômita” e galopando no prado com uma arma em cada mão.
8- James Stewart em “Um Corpo Que Cai”, aproximando-se de Kim Novak, que vem do outro lado do quarto, e dando-se conta que ela personifica todas as suas obsessões — melhor do que ele sabe.
9- A experiência das origens do cinema provando que, na corrida, os cavalos ficam às vezes com as quatro patas no ar.
10- Gene Kelly cantando na chuva.
11- Samuel L. Jackson e John Travolta discutindo sobre como dizem “quarteirão” [sanduíche do McDonald’s] na França, em “Pulp Fiction — Tempo de Violência”.
12- A lua recebendo no olho o cartucho disparado pelo canhão, em “Viagem à Lua”, de George Méliès.
13- Pauline em perigo, amarrada aos trilhos da estrada de ferro [em “Minha Vida, Meus Amores”].
14- O garoto correndo alegremente ao encontro do pai que regressa, em “Sounder — Lágrimas de Esperança”.
15- (foto) Harold Lloyd pendurado no mostrador do relógio em “O Homem Mosca”.16- Orson Welles sorrindo enigmaticamente no portal, em “O Terceiro Homem”.
17- O anjo olhando Berlim do alto com tristeza, em “Asas do Desejo”, de Wim Wenders.
18- O filme de Zapruder mostrando o assassinato de Kennedy: um momento congelado no tempo repetidamente.
19- Um africano saudoso de casa, dizendo tristemente a uma prostituta que o que realmente quer não é sexo, mas cuscuz, em “O Medo Devora a Alma”, de Rainer Werner Fassbinder.
20- O Coiote suspenso no ar [no desenho animado do Papa-Léguas].
21- Zero Mostel lançando um copo d’água no histérico Gene Wilder, em “Primavera para Hitler”, de Mel Brooks, e Wilder gritando: “Estou histérico! Estou molhado!”
22- Um velho sozinho em casa, tendo de lidar com a morte da mulher e a indiferença dos filhos, em “Era Uma Vez em Tóquio”, de Yasujiro Ozu.
23- “Fumando”. Resposta de Robert Mitchum, mostrando o cigarro, quando Kirk Douglas lhe oferece um cigarro em “Fuga do Passado”.
24- Marcello Mastroianni e Anika Ekberg dentro da fonte em “A Doce Vida”.
25- O momento em “Céu e Inferno”, de Akira Kurosawa, quando o milionário descobre que não é seu filho que foi sequestrado, mas o filho do seu motorista — e os olhares dos dois pais se encontram.
26- A visão distante de pessoas surgindo no horizonte no final de “A Lista de Schindler”.
27- R2D2 e C3PO em “Guerra nas Estrelas”.
28- E.T. e o amigo passando de bicicleta na frente da lua.
29- Marlon Brando gritando “Stella!” em “Uma Rua Chamada Pecado”.
30- Hannibal Lecter sorrindo para Clarice em “O Silêncio dos Inocentes”.
31- “Um momento! Um momento! Vocês ainda não ouviram nada!” As primeiras palavras ouvidas no primeiro filme falado,” O Cantor de Jazz”, ditas por Al Jolson.
32- Jack Nicholson tentando pedir um sanduíche de frango em “Cada um Vive como Quer”.
33- “Ninguém é perfeito.” Última fala de Joe E. Brown em “Quanto Mais Quente Melhor”, justificando para Jack Lemmon que casará com ele, mesmo ele tendo dito que é homem.
34- “Rosebud.” [Palavra dita por Charles Foster Kane ao morrer, em “Cidadão Kane”.]
35- A divertida caçada em “A Regra do Jogo”, de Jean Renoir.
36- O olhar assombrado de Antoine Doinel, herói autobiográfico de François Truffaut, na imagem congelada no final de “Os Incompreendidos”.
37- Jean-Paul Belmondo com o cigarro enfiado na boca insolentemente em “Acossado”, de Jean-Luc Godard.
38- A fundição do grande sino de ferro em “Andrei Rublev”, de Andrei Tarkovsky.
39- “O que vocês fizeram nos olhos dele?" Mia Farrow em “O Bebê de Rosemary”.
40- Moisés separando as águas do Mar Vermelho em “Os Dez Mandamentos”.
41- O velho encontrado morto no balanço do parque, sua missão cumprida, no final de “Viver”, de Akira Kurosawa.
42- O olhar assombrado da atriz Maria Falconetti em “O Martírio de Joana d’Arc”, de Carl Dreyer.
43- As crianças olhando o trem passar em “A Canção da Estrada”, de Satyajit Ray.
44- O carrinho de bebê solto na escadaria em “O Encouraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein.
45- “Tá falando comigo?” Robert De Niro em “Taxi Driver — Motorista de Táxi”.
46- (foto) “Meu pai fez uma oferta que ele não podia recusar.” Al Pacino em “O Poderoso Chefão”.47- O misterioso cadáver nas fotografias em “Depois Daquele Beijo”, de Michelangelo Antonioni
48- “Uma palavra, Benjamin: plásticos.” De “A Primeira Noite de um Homem”.
49- Um homem morrendo no deserto em “Ouro e Maldição”, de Erich von Stroheim.
50- Eva Marie Saint agarrada à mão de Cary Grant no monte Rushmore, em “Intriga Internacional”.
51- Fred Astaire e Ginger Rogers dançando.
52- “Não existe cláusula de sanidade mental!” Chico para Groucho em “Uma Noite na Ópera”.
53- “Chamam-me Senhor Tibbs!” Sidney Poitier em “No Calor da Noite”, de Norman Jewison.
54- A tristeza dos amantes separados em “Atalante”, de Jean Vigo.
55- A vastidão do deserto e, em seguida, as minúsculas figuras surgindo, em “Lawrence da Arábia”.
56- (foto) Jack Nicholson na garupa da motocicleta, com um capacete de futebol americano, em “Sem Destino”.57- A coreografia geométrica das garotas de Busby Berkeley.
58- O pavão abrindo a cauda na neve, em “Amarcord”, de Federico Fellini.
59- (foto) Robert Mitchum em “O Mensageiro do Diabo”, com AMOR tatuado nos dedos de uma mão e ÓDIO, nos da outra.60- Joan Baez cantando “Joe Hill” em “Woodstock — 3 Dias de Paz, Amor e Música”.
61- A transformação de Robert De Niro de esbelto boxeador a barrigudo dono de boate, em “Touro Indomável”.
62- Bette Davis: “Apertem os cintos. Vai ser uma noite turbulenta!”, em “A Malvada”.
63- “Essa aranha é do tamanho de um carro!” Woody Allen em “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”.
64- A corrida de bigas em “Ben-Hur”.
65- Barbara Harris cantando “It Don’t Worry Me” para acalmar a multidão em pânico em “Nashville”, de Robert Altman.
66- A disputa de roleta-russa em “O Franco-Atirador”.
67- Cenas de perseguição: “Operação França”, “Bullit”, “Os Caçadores da Arca Perdida”, “Diva — Paixão Perigosa”.
68- A sombra da garrafa escondida na luminária, em “Farrapo Humano”.
69- “Eu poderia ser um lutador [de boxe]”. Marlon Brando em “Sindicato de Ladrões”.
70- O discurso de George C. Scott sobre o inimigo em “Patton — Rebelde ou Herói?”: “Vamos passar por ele como faca quente na manteiga”.
71- Rocky Balboa correndo escadaria acima e agitando os punhos no alto, com Filadélfia a seus pés [em “Rocky — Um Lutador”].
72- Debra Winger se despedindo dos filhos em “Laços de Ternura”.
73- A montagem das cenas de beijo em “Cinema Paradiso”.
74- Os convidados do jantar que acham que de alguma forma não podem ir embora, em “O Anjo Exterminador”, de Luis Buñuel.
75- (foto) O cavaleiro jogando xadrez com a morte, em “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman.76- O zelo selvagem dos membros da Ku Klux Klan em “O Nascimento de uma Nação”, de D. W. Griffith.
77- O problema da porta que não para fechada, em “As Férias do Sr. Hulot”, de Jacques Tati.
78- “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos.” Gloria Swanson em “Crepúsculo dos Deuses”.
79- (foto) “Agora eu sei que não estamos no Kansas.” Judy Garland em “O Mágico de Oz”.80- O plano que começa no alto do saguão e termina em close-up da chave na mão de Ingrid Bergman, em “Interlúdio”, de Alfred Hitchcock.
81- “Não tem muita carne nela, mas a que tem é de primeira.” Spencer Tracy sobre Katharine Hepburn em “A Mulher Absoluta”.
82- A excursão dos doentes mentais em “Um Estranho no Ninho”.
83- “Sempre pareço bem quando estou à beira da morte.” Greta Garbo a Elizabeth Allan em “A Dama das Camélias”.
84- “Levou mais de uma noite para mudar meu nome para Shanghai Lily.” Marlene Dietrich em “O Expresso de Shangai”.
85- “Estou andando aqui!” Dustin Hoffman em “Perdidos na Noite”.
86- W. C. Fields atirando punhados de neve cenográfica no próprio rosto, em “O Último Drink”.
87- “Da próxima vez que você não tiver nada pra fazer, e muito tempo disponível, venha me ver.” Mae West em “Minha Dengosa”.
88- “Consegui, mamãe. O topo do mundo!” James Cagney em “Fúria Sanguinária”.
89- Richard Burton explodindo quando Elizabeth Taylor revela o “segredo” deles, em “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”
90- Henry Fonda de cabelo cortado em “Paixão de Fortes”.
91- “Distintivos? Não temos distintivos. Não precisamos de distintivos. Não tenho que te mostrar droga de distintivo nenhum.” Alfonso Bedoya para Humphrey Bogart em “O Tesouro de Sierra Madre”.
92- “Aí está o seu cachorro. Ele está morto. Mas tinha de haver algo que o fazia mover-se [quando vivo]. Não tinha?” Do documentário “Portais do Céu”, de Errol Morris.
93- Não toque no terno!” Burt Lancaster em “Atlantic City”.
94- Gena Rowlands chega à casa de John Cassavetes num táxi cheio de animais adotados, em “Amantes”.
95- “Quero viver novamente. Quero viver novamente. Quero viver novamente. Por favor, Deus, deixe-me viver novamente.” James Stewart para o anjo em “A Felicidade Não Se Compra”.
96- Burt Lancaster e Deborah Kerr abraçados na praia, em “A Um Passo da Eternidade”.
97- Mookie jogando a lata de lixo pela janela da pizzaria de Salvatore, em “Faça a Coisa Certa”.
98- “Adoro o cheiro de napalm pela manhã.” Robert Duvall em “Apocalypse Now”.
99- “A natureza, Sr. Allnut, é algo em que fomos postos neste mundo para superar.” Katharine Hepburn para Humphrey Bogart em “Uma Aventura na África”.
100- “Mãe de misericórdia. Este é o fim de Rico?” Edward G. Robinson em “Alma no Lodo”.
* Herondes Cesar é fundador do Cineclube Antonio das Mortes - publicado no jornal Opção.
* Herondes Cesar é fundador do Cineclube Antonio das Mortes - publicado no jornal Opção.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Henri Salvador, sempre
Dans mon île
Dans mon île
Ah comme on est bien
Dans mon île
On n'fait jamais rien
On se dore au soleil
Qui nous caresse
Et l'on paresse
Sans songer à demain
Dans mon île
Ah comme il fait doux
Bien Tranquille
Près de ma doudou
Sous les grands cocotiers qui se balancent
En silence, nous rêvons de nous
Dans mon île
Un parfum d'amour
Se faufile
Dès la fin du jour
Elle accourt me tendant ses bras dociles
douces et fragiles
Dans ses plus beaux atours
Ses yeux brillent
Et ses cheveux bruns
S'eparpillent
Sur le sable fin
Et nous jouons au jeu d'Adam et Eve
Jeu facile
Qu'ils nous ont appris
Car mon île c'est le paradis
Dans Mon Île (Na Minha Ilha)
Na minha ilha
Ah!Como a gente fica bem
Na minha ilha
A gente não faz nada
A gente se dora no sol
Que nos acarecia
E a gente preguiça
Sem pensar no amanhã
Na minha ilha
Ah!Como é doce!
Bem tranquila
Perto da minha querida
Embaixo do grande coqueiro quese balança
Em silêncio nós sonhamos de nós
Na minha ilha
Um perfume de amor
Se dispersa
Desde do fim do dia
Ela corre em minha direção estendendo seus braços doces
Doce e frágil
Em seus belos contornos
Seus olhos brilhantes
E seus cabelos castanhos
Se espelham
Sobre a areia fina
E nós jogamos o jogo de Adão e Eva
Jogo fácil
Que eles nos ensinaram
Por que nossa ilha é o paraíso.
Composição: Paroles et Musique: M.Pon, S.Salvador 1957 © 1957 - Disque Barclay
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quinta-feira, 21 de outubro de 2010
"Tropa de elite 2", por Herondes Cesar
A PROPÓSITO DE 'TROPA DE ELITE 2'

TROPA DE ELITE 2, AINDA
Herondes Cesar*
Até aqui, a equipe que produziu "Tropa de Elite 2" conseguiu driblar a pirataria, levando o filme a atingir um público excepcional. O prejuízo que os piratas deram a "Tropa 1" está sendo compensado pela corrida de agora aos cinemas.
Consegui ver "Tropa 2" na semana seguinte à estreia porque escolhi um horário costumeiramente pouco concorrido (14 horas) e cheguei ao cinema 1 hora antes do início da sessão. Mas nunca vi, nesse horário, cinema nenhum tão completamente cheio como estava aquela sala do Boulevard Shopping. E nem era feriado!
O público me pareceu seduzido mas não encantado. Ninguém se manifestou, exceto pelo riso esparso, ao longo de todo o filme. Quando acontece o sobrevoo de Brasília (na esplanada dos ministérios), que pretende ligar a corrupção localizada no Rio de Janeiro ao plano federal, não se ouviu a mínima manifestação, seja favorável seja contrária. Pareceu-me até que o sentimento geral era de constrangimento. Afinal, depois do ainda recente escândalo de dinheiro na meia e na cueca, fica sempre a dúvida se não haverá outra onda de ataques à Capital Federal e seus habitantes, que, diga-se de passagem, nada têm a ver com isso.
Em vários sentidos, "Tropa 2" vai muito além do que se viu em "Tropa 1". É mais bem-feito inclusive, contando em sua equipe técnica com boa meia-dúzia de profissionais que atuam no cinema americano. Além de mirar a crítica em figuras de nível sócio-político mais elevado, o enredo conta uma história mais complexa, mostrando, entre o bem e o mal, faixas intermediárias, cinzentas, não mais apenas os extremos.
O roteiro também foi melhor concebido. Fica evidente que se buscou inspiração no bom cinema internacional, sendo muito clara a influência dos filmes de Martin Scorsese. E os atores, por sua vez, fazem um trabalho primoroso.
Mesmo não tendo penetrado com maior profundidade nas complexas questões que aborda, o filme tem o mérito de trazer à discussão os problemas que envolvem a segurança pública no País, assunto que ainda não recebeu dos governantes o enfrentamento empenhado e consequente que a população requer.
Em boa hora, parece que ficou para trás o tempo em que se procurava transformar as limitações técnicas do cinema brasileiro em qualidade, num claro esforço de vender gato por lebre.
Devo dizer, no entanto, que achei excessiva a narração "over" do coronel Nascimento. Embora útil às vezes (parte integrante da estética do filme "noir", por exemplo), a narração cai melhor quando usada com certa parcimônia.
Para terminar, quero dizer que gostei mais de "Tropa 2" que de "Tropa 1", embora o primeiro fosse muito mais divertido -- especialmente para quem não embarcou no clima de justiça com as prórpias mãos.
* Herondes Cesar é critico de cinema e fundador do Cineclube Antonio das Mortes.
Consegui ver "Tropa 2" na semana seguinte à estreia porque escolhi um horário costumeiramente pouco concorrido (14 horas) e cheguei ao cinema 1 hora antes do início da sessão. Mas nunca vi, nesse horário, cinema nenhum tão completamente cheio como estava aquela sala do Boulevard Shopping. E nem era feriado!
O público me pareceu seduzido mas não encantado. Ninguém se manifestou, exceto pelo riso esparso, ao longo de todo o filme. Quando acontece o sobrevoo de Brasília (na esplanada dos ministérios), que pretende ligar a corrupção localizada no Rio de Janeiro ao plano federal, não se ouviu a mínima manifestação, seja favorável seja contrária. Pareceu-me até que o sentimento geral era de constrangimento. Afinal, depois do ainda recente escândalo de dinheiro na meia e na cueca, fica sempre a dúvida se não haverá outra onda de ataques à Capital Federal e seus habitantes, que, diga-se de passagem, nada têm a ver com isso.
Em vários sentidos, "Tropa 2" vai muito além do que se viu em "Tropa 1". É mais bem-feito inclusive, contando em sua equipe técnica com boa meia-dúzia de profissionais que atuam no cinema americano. Além de mirar a crítica em figuras de nível sócio-político mais elevado, o enredo conta uma história mais complexa, mostrando, entre o bem e o mal, faixas intermediárias, cinzentas, não mais apenas os extremos.
O roteiro também foi melhor concebido. Fica evidente que se buscou inspiração no bom cinema internacional, sendo muito clara a influência dos filmes de Martin Scorsese. E os atores, por sua vez, fazem um trabalho primoroso.
Mesmo não tendo penetrado com maior profundidade nas complexas questões que aborda, o filme tem o mérito de trazer à discussão os problemas que envolvem a segurança pública no País, assunto que ainda não recebeu dos governantes o enfrentamento empenhado e consequente que a população requer.
Em boa hora, parece que ficou para trás o tempo em que se procurava transformar as limitações técnicas do cinema brasileiro em qualidade, num claro esforço de vender gato por lebre.
Devo dizer, no entanto, que achei excessiva a narração "over" do coronel Nascimento. Embora útil às vezes (parte integrante da estética do filme "noir", por exemplo), a narração cai melhor quando usada com certa parcimônia.
Para terminar, quero dizer que gostei mais de "Tropa 2" que de "Tropa 1", embora o primeiro fosse muito mais divertido -- especialmente para quem não embarcou no clima de justiça com as prórpias mãos.
* Herondes Cesar é critico de cinema e fundador do Cineclube Antonio das Mortes.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Quando o carteiro (o email) chegou.....
Todas as cartas de amor...
Fernando Pessoa
(Poesias de Álvaro de Campos)
(Poesias de Álvaro de Campos)
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos, 21/10/1935 Mostrar mais ▼
domingo, 17 de outubro de 2010
"Tropa de elite 2": fascismo na tela.
Um fascista como porta-voz da nação

Rodrigo Cássio*
Capitão Nascimento, o protagonista dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, de José Padilha, é uma das personagens mais significativas do cinema brasileiro recente. Muito disso vem do trabalho magnífico de Wagner Moura, que parece encontrar no líder do Bope a personagem ideal para exercer um talento incontestável de ator. Mas o que mais importa, diante das pretensões discursivas dos próprios Tropa 1 e 2, é perguntar até que ponto – e de que maneira – a saga do emblemático policial pode questionar o “sistema” político e moral do Brasil, apontado pelo filme como fonte da violência e da anomia no Rio de Janeiro.
Em cartaz em Goiânia, Tropa de Elite 2 dá continuidade à trajetória de Nascimento, agora Comandante do Bope e Subsecretário de Segurança do Rio, e faz isso sem modificar a relação dele com o público, o que acaba se confirmando como um dos aspectos mais importantes na interpretação da obra. A relação público-personagem é sempre muito próxima e eficaz. Ouvimos desde o início a voz onisciente de Nascimento descrevendo e interpretando tudo o que acontece na trama, recurso que situa o policial como uma espécie de “filtro” para os olhos e ouvidos do espectador: ele possui o controle verbal da narrativa e a presença mais marcante em cena.
Desse modo, Nascimento obtém a empatia e o respeito do público, acentuados a cada vez que a sua vida pessoal tortuosa é abalada pela arriscada profissão. Acompanhamos de perto as dificuldades enfrentadas pelo policial obsessivo, e somos convidados a investir afeto na personagem. O ponto máximo a que essa relação chega parece estar na cena em que um político corrupto é espancado, em uma armadilha preparada pelo Bope, a mando do Comandante. Ali, não sabemos dizer se o nosso sentimento de justa vingança tem a ver com a corrupção ou com o fato de que aquele político pôs em risco a vida de um parente de Nascimento. As duas coisas estão juntas, e nos envolvemos igualmente com elas.
Em Tropa 1, essa identificação do público com Nascimento deu origem a especulações sobre um discurso “fascista” do filme. A hipótese pode até ser falsa, mas não é inteiramente descabida, já que Comandante Nascimento é alguém obcecado pela aniquilação dos “vagabundos” que corrompem o “sistema”. Para ele, trata-se de fazer uma “limpeza” na sociedade, e é isso mesmo o que costumam querer os fascistas. Se nos identificamos com tal visão de mundo, por conta de mecanismos narrativos do próprio filme, há algo em Tropa de Elite 1 e 2 que merece ser pensado, no mínimo, como sintoma de um cinema capaz de aproveitar sentimentos espúrios, avessos à cidadania, como forma de conquista do público – o seu sucesso de bilheteria, assim, seria também algum sintoma da nossa barbárie.
Mas os filmes oferecem outra chave para entender melhor e aprofundar essa discussão. Será que alguém acusaria Tropa de Elite de ter um discurso “fascista” se ele não pretendesse falar tão seriamente sobre os problemas sociais do Brasil? Não é o próprio Tropa de Elite que se arroga a tarefa de questionar o “sistema” e dizer ao público quais são os nossos problemas? Ora, parece adequado também procurarmos, nos dois filmes, as soluções que eles propõem, já que a vontade de acusar os problemas é imensa. E são essas soluções que nos revelam o dilema de Tropa de Elite 2: a tarefa ingrata de desenvolver uma personagem fascista, para edificar não exatamente um discurso fascista, mas sim uma crítica moralista das relações políticas mais gerais do Brasil.
Se Tropa de Elite não é fascista, o próprio Comandante Nascimento, em Tropa 2, usa o termo para se descrever a si mesmo. “Há quem me considera fascista”, diz em certa passagem do filme, como se nessa fala Tropa 2 respondesse aos críticos de Tropa 1. O exame de consciência é oportuno. Já que a identificação de Nascimento com o espectador continua, o seu “amadurecimento” forçado parece ser a saída para afastar de Tropa 2 o incômodo rótulo radical, e garantir a análise crítica da realidade. Logo, nosso perturbado herói percebe que o “sistema” é mais complexo do que imaginava, e que os seus desafetos (como um professor e político esquerdista) podem perceber coisas que ele não percebe.
Teríamos, aqui, a porta aberta para um Tropa de Elite mais interessante como discurso sobre o Brasil? Possivelmente, mas a chance é desperdiçada. O que Nascimento descobre sobre o país é que, veja só, a corrupção está mais disseminada do que parecia. “Mais da metade desses parlamentares deveriam estar na cadeia”, pronuncia ele em uma CPI, como um porta-voz dos anseios mais politizadores da sociedade. No fundo, tem-se uma mera aparência de politização, cuja força não é maior que a de um clichê qualquer, ouvido no ponto de ônibus ou na fila do banco, para depois se dissolver no ritmo sem fôlego do senso comum.
Nascimento aprendeu a falar do “sistema”, mas não a problematizar o “sistema”. É que ele está ocupado demais acreditando no Bem e no Mal, nos homens certos ou errados. Os problemas do Brasil, para ele, são eminentemente de ordem moral – o “inimigo” pode até ser outro em Tropa 2, mas a perspectiva pela qual Nascimento vê a realidade é a mesma, e não altera tanto assim o tom fascista da personagem. Em seu horizonte, persiste a meta de preparar um mundo limpo para homens limpos, sem algo além. Perto do final, Nascimento chega a dialogar com o espectador e fazer uma alusão tácita ao projeto Ficha Limpa. Não é por acaso. A redução da política a uma pseudo-mobilização em torno da boa moralidade está presente tanto nesse afamado projeto de lei quanto em Tropa 2.
O que os defensores (dessa lei e do filme) não gostam de ver é que a redução à moral é a própria morte da política, que cede lugar à mera seleção dos Bons ou Maus “administradores” da sociedade. Para problematizar o “sistema” seria preciso abstrair-se para fora dele, e incluir na análise também o que não é nocivo, sem estar, por isso, adoecido. Tropa de Elite 2 prefere direcionar o nosso afeto e confiança a um Comandante que elimina os homens podres do “sistema”, seja invadindo a favela para matar traficantes, seja dizendo a verdade sobre os políticos corruptos. O auge da sua ação é sempre o ataque contra um vagabundo qualquer. Revelação de uma constrangedora carência política no Brasil contemporâneo?
Rodrigo Cássio é mestre em cinema pela Universidade Federal de Goiás (UFG; publicado em O Popular.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
"Eu estava lá" ou O amor pelo Cinema.
Luís Araujo Pereira
Há algum tempo, quando abri um livro que repousava num lugar obscuro da estante, um dicionário de verbos franceses que reunia quietude e solenidade, o qual não consultava havia muito tempo, encontrei por acaso entre as suas páginas um panfleto.
Ao desdobrá-lo, os seus vincos amarelados expuseram uma folha — olhe só que anacronismo! — impressa em mimeógrafo...
Sim, agora me dou conta e recupero na memória o cenário: eu estava lá, na Cinemateca Francesa, quando recebi esse panfleto e, depois de lê-lo emocionado, guardei-o com reverência. Como esquecer o fato? Como esquecer de um lugar tão importante e tão simbólico? Como, além do Louvre, encontrar as imagens que procurava, eu, que estudava o grafismo narrativo das histórias em quadrinhos? Naqueles tempos de derivações, a cinemateca era outra casa que eu tinha em Paris...
Eu o recebi em janeiro de 1977.
Esse panfleto anunciava a morte de Henri Langlois ocorrida no dia 14 de janeiro e era assinado pelos funcionários da casa.
Relendo-o depois de tanto tempo, penso nos lamentos que essa perda provocou no coração de todos nós, os cinéfilos espalhados pelo mundo. Junto com Henri Langlois desapareceu também uma vocação desinteressada pelo cinema e, não é demais dizê-lo, um cultor exigente dessa arte. Porque ele é tão importante, Truffaut e Bertolucci renderam-lhe tributo em seus filmes.
Não sei qual é o interesse que este texto pode despertar hoje. Em todo o caso, eu o traduzi, supondo que talvez exista um leitor interessado, que só pode ser certamente outro cinéfilo... Se isso não for suficiente que seja então pelo fato de tratar-se de uma bela peça retórica sobre a homenagem. Para quem conhece a história do cinema, sabe que Henri Langlois não foi apenas um ativista cultural refinado, mas principalmente um teórico que atribuía ao cinema um valor que parece cada vez mais esquecido — o cinema como verdade e esclarecimento, poesia e combate.
A tradução segue abaixo, mais livre que literal.
A MORTE DE HENRI LANGLOIS
“Se, ao longo dos anos, a matilha formada pelos seus inimigos não conseguiu destruí-lo, o Destino acabou agora por fazê-lo.
“A grande voz de Henri Langlois calou-se para sempre.
‘A Cinemateca Francesa está de luto; com ela, compartilhando a sua dor, o cinema do mundo inteiro. Henri Langlois deixa uma obra imensa e singular, pois ela é, antes de tudo, a prova contra o esquecimento, a passagem do tempo, os poderosos, o dinheiro, o lucro, o que em poucas palavras nos conduz à ideia de que o cinema é feito de obras — e não de mercadorias. Um trabalho sem fim e sobre o peso do qual, no final, ele desabou — uma abnegação cujo modo de exercê-la não tinha limites e um desinteresse absoluto dão a esse grande combatente a imagem de um herói morto na batalha, uma batalha interminável e multiforme contra um inimigo todos os dias renovado.
“Henri Langlois morreu aos 62 anos, enquanto a instituição que ele criou tem perto de quarenta. A Cinemateca Francesa é a sua obra, uma obra tão original quanto a mais original de todas as criações. Por causa de todas as inquietações que são vistas nos filmes, o cinema causou-lhe uma transformação radical.
“Esse especialista superior, animado por uma intuição sem igual, essa testemunha encarniçada, esse pesquisador incansável , afirmou um dia:
“’Entre todos os fatos, mesmo sob o tacão da negócios, o cinema é o meio de expressão privilegiado do nosso tempo.’”
“Por ser obstinado, acreditava que todos os filmes eram livres e iguais, que não havia filme descartável ou desprezível, que todos deviam ser salvos, preservados, guardados — e essa ação deveria, portanto, significar um combate permanente às regras da indústria, da bilheteria e do descarte.
“Destruir um filme por qualquer motivo sempre lhe parecera — bem antes de sua suspeita tornar-se uma evidência universal — um crime contra a humanidade. O seu trabalho infatigável, a sua paciência, a sua arte de jogar com as contradições fizeram com que todos os autores e todos os espectadores de cinema passem a dever-lhe alguma coisa a partir de agora, se não isso, pelo menos o essencial: que o cinema não seja mais uma mercadoria mas uma arte, que os filmes não sejam mais produtos mas obras de arte.
“Esse trabalho imenso não termina certamente com ele.
“Henri Langlois reuniu à sua volta um grupo de amigos que tinham o mesmo fervor pelo cinema. Ele foi brilhante no momento decisivo, e isso fez com que as gerações seguintes se espelhassem em sua atuação. Quando se pensava que ele estava vencido — tudo o que os poderosos desejavam —, ele se reerguia.
“A despeito de todos os apoios favoráveis, reconhecia que estava sempre ameaçado e sabia ainda que a calúnia e a desconfiança, a zombaria e a piedade hipócrita procuravam todos os dias assassiná-lo. E a sua morte seria seguramente um assassinato se o combate que ele conduziu, se a obra que ele começou, e que ele deixa com o fim de sua vida antes de concluí-la, teriam de ser abandonados no meio do deserto.
“Henri Langlois, do jeito que ele sempre foi, não é mais o nosso companheiro, mas tornou-se um estandarte. Uma outra vida começa para ele. A Cinemateca Francesa, o Museu do Cinema — e brevemente — a Fundação Henri Langlois conduzirão até o último fôlego o seu projeto, que significa também uma paixão.
“O amor ao cinema, sim, é também um amor compartilhado.”
A Cinemateca Francesa
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Federico FELLINI no Cine-UFG - até 5 de novembro.
O Cine UFG, em suas apresentações dos grandes mestres do cinema, seleciona agora um dos maiores diretores italiano e do mundo: Federico Fellini (1920 - 1993). A mostra vai do dia 13 de outubro a 5 de novembro, contará com dois debates e também fará parte da programação oficial do VII Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão da UFG (Conpeex 2010).
| Data | Sessão das 12h | Sessão das 17h30 |
| 13/10 | Fellini, história de um mito - 75’ | A doce vida – 174’ |
| 14/10 | Noites de Cabíria – 113’ | Fellini 8 ½ - 145’ |
| 15/10 | E La Nave Va – 127’ | Amacord – 125’ |
| 18/10 | Os boas-vidas – conpeex – 107’ | A estrada da Vida – conpeex – 100’ |
| 19/10 | Julieta dos espiritos - conpeex – 137’ | Entrevista – conpeex – 106’ |
| 20/10 | Ginger e Fred – conpeex – 121’ | E La Nave Va – conpeex – 127’ |
| 21/10 | Ensaio de Orquestra – 69’ | Fellini 8 ½ - 145’ |
| 22/10 | Os Palhaços – 90’ | A doce vida – 174’ |
| 25/10 | Amacord – 125’ | Fellini 8 ½ - debate – 145’ |
| 26/10 | Roma de Fellini – 128’ | Os boas-vidas – 107’ |
| 27/10 | Julieta dos espíritos – 137’ | A estrada da Vida – 100’ |
| 28/10 | Fellini, história de um mito – 75’ | Ginger e Fred – 121’ |
| 29/10 | Ensaio de orquestra – 69’ | Noites de Cabiria – debate 113’ |
| 03/11 | Amarcord – 125’ | A doce vida – 174’ |
| 04/11 | A estrada da Vida – 100’ | Noites de Cabiria – 113’ |
| 05/11 | E La nave Va – 127’ | Entrevista – 106’ |
Debates
Fellini 8 ½
25 de outubro, segunda-feira – após a sessão das 17h30
Debatedor: Rodrigo Vieira Marques (Prof. Fac. de Letras)
Mediação: Margareth Nunes (Profa. Fac. de Letras)
Noites de Cabíria
Debatedor: Rodrigo Vieira Marques (Prof. Fac. de Letras)
Mediação: Margareth Nunes (Profa. Fac. de Letras)
Noites de Cabíria
29 de outubro - sexta-feira - após a sessão das 17h30
Debatedora: Joana Plaza Pinto (Profa. Fac. de Letras)
Mediação: Margareth Nunes (Profa. Fac. de Letras)
Debatedora: Joana Plaza Pinto (Profa. Fac. de Letras)
Mediação: Margareth Nunes (Profa. Fac. de Letras)
Leia os comentários do professor Anselmo Pessoa Neto sobre o cinema de Fellini:
A busca de Fellini de fazer um cinema autoral talvez possa ser resumida pela legenda que aparece logo no início de E la nave va:
“Me dizem: – faça os anais, conta o que acontece!”
– E quem é que sabe o que acontece?
É isto, o cinema de Fellini é o cinema realista de quem não sabe o que é o real ou o que é o real mais real. O seu material é, em larga medida, nostalgia da memória. Depois o ridículo de certas situações, as manias e taras individuais. E ainda, a vida e o espetáculo, a vida como espetáculo, o espetáculo no espetáculo e o espetáculo do espetáculo.
Para que ninguém se engane: o cinema de Fellini não é, à primeira vista, fácil, ou só nas aparências é facilmente acessível. Na verdade, é um cinema exigente até mesmo quando é extremamente simples, da mesma forma que é rico mesmo quando é caricatural e intencionalmente pobre.
Com a mostra Fellini o Cine UFG quer propiciar uma experiência única, sua. E será você, ao fim e ao cabo, quem formará as suas impressões e juízos. Mas antes é preciso que você se permita entrar na nave felliniana.
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
O olhar e a palavra - a influência de Maria Rita Kehl.
O olhar e a palavra: transformação e deslocamento
Lisandro Nogueira
No início dos anos 80 vivíamos a agitação do período pós-abertura política. Foram anos intensos, novos e ambíguos. Era bom porque éramos jovens e coisas boas estavam acontecendo a todo o momento. Mas também era chato por causa das patrulhas. O Cineclube Antonio das Mortes sofreu algumas chateações. Uma delas era a acusação de que exibíamos "filmes burgueses" e apoiávamos totalmente a chapa Deus (levemente anarquista e pequeno-burguesa), contra as três outras chapas, totalmente militantes.
Um dos melhores momentos foi quando conhecemos Maria Rita Kehl . Ela veio a convite do DCE-UFG. Foi uma surpresa: era jovem, sutilmente elegante e inteligente. Seu compromisso com as idéias (Maria Rita, em minha opinião, desmontou o discurso feminista rígido em vários textos e palestras ao longo desses anos) e a fala psicanalítica nos encantou logo de cara. Se já vivíamos o cinema intensamente, a partir do contato com Maria Rita, nosso pensamento e visão de mundo levaram um bom choque. Fernando Pereira (hoje professor do Cepae-UFG), um dos meus melhores amigos, também ficou entusiasmadíssimo e, até hoje, não perde uma palestra ou conferência.
Ela me marcou também de forma simples e generosa. Estava preocupado com a defesa da tese de doutorado, em 2003. Com um olhar firme e carinhoso, ouvi as palavras: “Se você não se sair bem, estaremos lá para ter consolar; mas se você se sair bem, estaremos lá também para comemorar”. Foi um alívio ouvir aquela profunda e singela frase. Libertou-me da expectativa tensa.
Décadas depois Maria Rita voltou. E voltou várias vezes para a nossa alegria. Autorizado por ela, via email [Oi Lisandro, quantas notícias boas! Claro que pode postar meu texto. Vai ser lindo falar na casa da Cora Coralina. Obrigada por tudo, Rita K.], a bela digressão me marcou bastante no início dos anos 90. É um texto sobre a psicanálise e tem um instigante título: "Não perca tempo". Leiam que vale uma boa reflexão (ver abaixo)
Não perca tempo
Maria Rita Kehl*
Jean Cocteau em Ópio: “Viver é uma queda horizontal” (...) Tudo o que a gente faz na vida, até o amor, a gente faz no trem expresso que caminha para a morte”. Saber disso o tempo todo seria insuportável. Precisamos ignorar periodicamente a morte para conseguirmos viver. O capitalismo coloca um arsenal de mercadorias à nossa disposição e retira grande parte de seus lucros desse truque: iludir civilizações inteiras sobre a idéia do fim.
A tecnologia nos promete a realização imediata de todos os desejos: nós quase não acreditamos na morte como destino da carne. A tecnologia nos promete o horror da vida eterna já, e aqui mesmo.
Vivemos a todo o vapor. Não a velocidade da “queda horizontal” (inevitável!) a que se refere Cocteau. Vivemos na velocidade de uma fuga. As duas funções básicas do “milagre” tecnológico são ilusórias. Encurtar necessário para as operações e tarefas da vida: a isso chamamos conforto.
Adiar a possibilidade da morte, e afastar seu espetáculo trágico do nosso convívio: proporcionar-nos um cotidiano alienado de seu próprio fim: a isso chamamos segurança.
Claro que o preço que se paga pelos truques é o trabalho. Em troca da ilusão de que o tempo é eterno, é algo que se espiche e se acumule segundo a mesma lógica da acumulação do capital, abrimos mão do tempo da experiência, do tempo “ocioso” e às vezes angustiante da subjetividade, da poesia.
O tempo presente passa a só ter valor em função de um futuro idealizado, garantido, “eterno”: o que nos faz “correr para o futuro” ajustados ao tempo da produção. O tempo do neurótico nunca é o presente. O neurótico não pode gozar com sua experiência.(...) (...)
A psicanálise, a princípio, parece um desmancha-prazeres. Acorda o sujeito de seu sonho de zumbi (ou não: quem procura um analista já foi acordado, de uma maneira ou de outra, por algum sofrimento que não pode evitar) para lhe acenar com limites, morte, castração, perdas.
Na sociedade do consumo e do narcisismo, esta parece uma prática para otários. Mas esta prática aponta para a rebeldia. Reinserido na sua história e confrontado com a morte, o analisado recupera a liberdade para viver o presente. Os fetiches da tecnologia são proteções contra o medo da castração.
A proposta da psicanálise é outra. Que se enfrente este medo; livre da proteção dos fetiches a vida se abre para a experiência. Por exemplo, para a experiência estética. Por exemplo, para o amor.
· Maria Rita Kehl é psicanalista é autora de diversos livros: entre eles “Deslocamentos do feminino”, “O ressentimento”, “Sobre ética e psicanálise”.
· Maria Rita Kehl escreveu o texto em agosto de 1994 na Folha de São Paulo. O texto completo procurar em www.uol.com.br
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quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Maria Rita Kehl (entrevista)
Maria Rita Kehl - entrevista
Nesta quinta-feira (7), ela falou a Terra Magazine sobre as consequências do seu artigo:
- Fui demitida pelo jornal o Estado de S. Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião (...) Como é que um jornal que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?
Leia abaixo a entrevista.
Terra Magazine - Maria Rita, você escreveu um artigo no jornal O Estado de S.Paulo (texto republicado aqui no blog, leia abaixo) que levou a uma grande polêmica, em especial na internet, nas mídias sociais nos últimos dias. Em resumo, sobre a desqualificação dos votos dos pobres. Ao que se diz, o artigo teria provocado conseqüências para você...
Maria Rita Kehl - E provocou, sim...
- Quais? - Fui demitida pelo jornal O Estado de S.Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião.
- Quando? - Fui comunicada ontem (quarta-feira, 6).
- E por qual motivo? - O argumento é que eles estavam examinando o comportamento, as reações ao que escrevi e escrevia, e que, por causa da repercussão (na internet), a situação se tornou intolerável, insustentável, não me lembro bem que expressão usaram.
- Você chegou a argumentar algo?
- Eu disse que a repercussão mostrava, revelava que, se tinha quem não gostasse do que escrevo, tinha também quem goste. Se tem leitores que são desfavoráveis, tem leitores que são a favor, o que é bom, saudável...
- Que sentimento fica para você? - É tudo tão absurdo...a imprensa que reclama, que alega ter o governo intenções de censura, de autoritarismo..
- Você concorda com essa tese? - Não, acho que o presidente Lula e seus ministros cometem um erro estratégico quando criticam, quando se queixam da imprensa, da mídia, um erro porque isso, nesse ambiente eleitoral pode soar autoritário, mas eu não conheço nenhuma medida, nenhuma ação concreta, nunca ouvi falar de nenhuma ação concreta para cercear a imprensa. Não me refiro a debates, frases soltas, falo em ação concreta, concretizada. Não conheço nenhuma, e, por outro lado..
- ...Por outro lado...? - Por outro lado a imprensa que tem seus interesses econômicos, partidários, demite alguém, demite a mim, pelo que considera um "delito" de opinião. Acho absurdo, não concordo, que o dono do Maranhão (Senador José Sarney) consiga impor a medida que impôs ao jornal Estado de S.Paulo, mas como pode esse mesmo jornal demitir alguém apenas porque expôs uma opinião? Como é que um jornal que está, que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?
- Você imagina que isso tenha algo a ver com as eleições?
- Acho que sim. Isso se agravou com a eleição, pois, pelo que eles me alegaram agora, já havia descontentamento com minhas análises, minhas opiniões políticas.
Dois pesos
Maria Rita Kehl - O Estado de S.Paulo
Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.
Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense.
A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.
Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.
O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de "acumulação primitiva de democracia".
Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.
Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos. Mostrar mais ▼
terça-feira, 5 de outubro de 2010
"Não existe complexidade igual a do amor fraternal"
Daniel Burman fala de "Dois Irmãos"
Exibido no Festival do Rio, filme do diretor argentino estreia no Brasil
filme estréia sexta-feira em Goiânia
Celebrado pela crítica e vitorioso no circuito de festivais internacionais – ganhou o Urso de Prata em Berlim por seu primeiro longa, “Abraço Partido” (2004) –, Burman viu todos os seus filmes serem exibidos nos cinemas brasileiros – os outros são “Leis de Família” (2006) e “Ninho Vazio” (2008). “Dois Irmãos” é seu maior sucesso comercial na Argentina, com 500 mil espectadores, e reúne dois grandes astros do país: Graciela Borges e Antonio Gasalla, lenda do teatro local.
Gravado em dois povoados do Uruguai, o filme foi inspirado no romance “Villa Laura”, de Sergio Dubcovsky, gêmeo do produtor Diego Dubcovsky, há 15 anos sócio de Burman. A história flagra Marcos e Susana, casal de irmãos às portas da terceira idade que acaba de perder a mãe. Trambiqueira profissional, Susana convence o irmão a vender a velha casa da família em Buenos Aires e se mudar para um fim de mundo à beira do Rio da Prata. Em um jogo de interdependência e memórias de infância, os dois sofrem e crescem.
Em uma rápida conversa num cinema paulistano, Burman falou sobre as peculiaridades do amor fraternal, medos, a onipresença da família, velhice e sua relação de amor e ódio com os musicais clássicos de Hollywood – “devo acabar fazendo um”, confessou.
iG: Por que o interesse nesse projeto e em adaptar o livro?
Daniel Burman: Na novela estão muito bem construídos esses personagens que mantêm uma relação de dependência afetiva muito forte, e me interessou muito a forma de como em certo momento da vida esses vínculos se tornam muito frágeis e o único modo de resolvê-los é rompê-los e encará-los de uma perspectiva diferente, coisa que se pode fazer muito poucas vezes. O amor fraternal é curioso, porque os irmãos são perfeitos desconhecidos que queremos conhecer. São pessoas com quem compartilhamos a infância, mas sempre de perspectivas distintas. Não existe complexidade igual a desse amor. E experimentei com o livro algo não encontrei em nenhuma outra obra. Ao terminar de lê-lo, consegui colocar os personagens principais em situações novas e saber exatamente como iam reagir, o que iam dizer, como Sherlock Holmes ou qualquer outra figura mítica. Isso só acontece quando se está muito mergulhado no universo dos personagens.
iG: Mudaram muitas coisas do livro na transposição para o roteiro?
Daniel Burman: O trabalho com o autor [Sergio Dubcovsky , autor do roteiro com Burman] foi tão próximo que já não sei mais o que era do livro e do filme. Mudamos bastante coisa. A novela era mais sórdida, inclusive com homossexualidade. O filme é mais inocente.

iG: Você tem irmãos?
Daniel Burman: Sim, um mais velho, mas não trouxe nada da minha família. Diria que só a experiência de observação. Muitas vezes escrevo mais baseado nos medos. Os medos são mais reais do que as experiências, porque eles mantêm-se estáveis ao longo do tempo, talvez os mesmos por toda a vida. Diria que são mais autênticos.
iG: Mais uma vez, depois de “Ninho Vazio”, você filma aposentados, idosos. Por que o interesse nessa etapa da vida?
Daniel Burman: Me atrai como a alguém que quer seguir vivendo depois de uma determinada idade (risos). A princípio parece insólito, e quando vai se chegando mais perto, a perspectiva vai muda. Isso é fascinante. Quando se é garoto, pensamos que quando chegarmos aos 40, 50 anos, estaremos acabados, e lá perto, vemos que é uma idade fantástica. E assim acontece todo o tempo. É como correr atrás do horizonte: vai se caminhando, caminhando... até que se morre (risos). Me parece um mecanismo fantástico para continuar vivendo.
iG: Mais até do que a terceira idade, chama atenção também o uso da família, presente em todos os seus filmes.
Daniel Burman: Não conheço nenhum outro tema que não seja a família. A aventura de um pintor no Himalaia que pinta com a ponta do pé me parece irrelevante, assim como tudo o que é só excêntrico não é um tema para mim. Os únicos temas são aquilo que fazemos com nossos pais, nossos filhos, irmãos, pessoas com quem compartilhamos e repetimos nossa história. Não conseguimos nunca nos afastar da família, lamentavelmente (risos).
iG: Como foi o trabalho com essa dupla incrível de atores, Graciela Borges e Antonio Gasalla?
Daniel Burman: Foi um pesadelo, mas extraordinário (risos). Um sonho ter atores tão geniais e com uma força tão grande. É como estar comandando dois Boings, com uma mão em cada fuselagem. Manusear essa potência que eles têm e colocar os dois no mesmo plano exigiu um trabalho grande, mas me orgulho de ter encarado isso e conseguido fazê-lo. São muito profissionais, dedicados, e mantêm a postura de que tudo está sujeito a revisão até o último momento, o que é muito bom em um filme.
iG: “Dois Irmãos” foi gravado em plataforma digital, notória na exibição. Gostou da experiência?
Daniel Burman: Filmamos em RED [tipo de câmera digital]. Foi minha primeira experiência e foi extraordinário. As pessoas que dizem o contrário têm algum problema, porque não vejo nenhum sentido em voltar à película. As possibilidades que o digital proporciona, inclusive narrativas... Nem precisa ser um filme de efeitos, mas ajuda em detalhes na pós-produção, às vezes invisíveis. Tem a ver com melhorar, polir. Quando se projeta digitalmente até se vê a diferença, mas em cópias em película, não se nota.
iG: Qual é a sua relação com relação com musicais? Já haviam aparecido em “Ninho Vazio” e agora de novo, no final de “Dois Irmãos”.
Daniel Burman: Eu os odeio e me fascinam (risos). Me irrita muito quando os atores começam a cantar do nada, é tão ridículo, mas ao mesmo tempo fascinante. Graças a essa relação de amor e ódio, vou acabar fazendo um musical. A linguagem coreográfica, o movimento do corpo combinado com música e atitude, chega a um lugar que nenhuma palavra ou imagem consegue. Em “Cantando na Chuva”, por exemplo, não há outro modo de expressar Gene Kelly saltando com o guarda-chuva. Não existe nenhum mecanismo narrativo para chegar a esses lugares de emoção ou ânimo, é muito forte.
* entrevista publicada no site IG. Mostrar mais ▼




















