sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Faroeste nos gibis

CAUBÓIS                                                                            
                                                                                        Luís Araujo Pereira
           
            No que posso dizer sobre os gêneros gráficos narrativos que povoaram a minha infância e adolescência, gostaria de destacar ao menos três, os mais regulares e atraentes, os mais fascinantes e também os mais simples, se resumo bem o seu sentido múltiplo — gêneros que me ajudaram a suportar momentos de tédio e reclusão quando chovia intensamente no bairro ou quando, em certos momentos, diante do espelho, examinava um corpo franzino: o que eu me significava ali em face do mesmo que pensava que era outro?
            O herói de uma história em quadrinhos que pensei um dia escrever?
            Sob muitos aspectos, eles ampliaram a minha imaginação e asseguraram-me ao menos um princípio: as histórias em quadrinhos são um desbunde tão bom quanto o de Verne e o de Stevenson, quanto o de Spielberg e o de G. Lucas, o de M. Twain e J. London...   
            Nas emocionantes aventuras que trasbordavam das páginas dos gibis, o herói era tudo, o outro que não cometia erros e defendia os fracos — o deus eternamente moço (porque não envelhecia nunca) —, ao passo que eu só parecia, diante de mim mesmo, no espelho, a habitual criança que tinha de vender jornais mais uma vez na madrugada, para que o bairro acordasse com notícias frescas.  
            Esses gêneros são aqueles para os quais os meninos sempre devotaram interesse, paixão e aceitavam disputas de zelo, a ponto de colecioná-los com a capa coberta por papel celofane.  
            Como os mosqueteiros, eles são três.  
            O dos caubóis, o da ficção científica e o da fantasia.
            Hoje, reconheço, eles me ajudaram naquele tempo de descobertas e pobreza a modificar o meu modo de ver as superfícies, os planos, as texturas, a perspectiva e, em outra frequência, a imaginar o trino das esporas nos saloons.
            Se entendo bem a criança que ainda sobrevive até hoje dentro de mim, a fantasia de acompanhar a cavalgada dos cidadãos de Tombstone atrás dos ladrões de banco, de, no duelo, torcer pelo xerife que derrota no fim o pistoleiro fanfarrão e perverso, de controlar um estouro de boiada antes do precipício tudo isto, em muitos quadrinhos, deu-me senso de justiça e causou-me admiração por mulheres bonitas que desciam sozinhas da diligência numa cidade hostil.
            Apesar da imagem desafiadora, o mundo dos caubóis nunca reservou um lugar elegante às mulheres.  
            Entre os três, se não me repito, o dos caubóis continua sendo o gênero do qual me ocupo até hoje, ou seja, desde quando passei a ler Roy Rogers, Tom Mix, Davy Crockett e Zorro, em publicações da Ebal, a grande editora brasileira de gibis.
            Esses heróis estampados nas capas das revistas eram objeto de troca, dispostos em fileiras sobre a calçada da rua 24, onde antigamente, aos domingos, eu freqüentava a matinê do Cine Santa Maria, situado nessa rua, um cinema que, a despeito do nome católico, expunha os maus costumes tanto nos desenhos quanto nos planos que se alternavam na tela...  
            Do modo como essa singularidade da povoação dos Estados Unidos foi difundida, a conquista do Oeste é um mito americano que se tornou também um mito da expressão artística, tantas vezes atualizado, que quase nos convencemos de que a Arte serve para alguma coisa...
            Por tudo que já lemos e assistimos, a conquista do Oeste não foi concretizada por uma só caravana nem por um herói civilizador.
            Os apaches, os navajos, os comanches, os sioux, o colono, o pistoleiro, a fortificação como lar, a cavalaria, os criadores de gado e de ovelhas, o mineiro, o xerife, o vaqueiro errante, o caçador solitário, o contrabandista, o pregador — todos eles, cada um utilizando os recursos de que dispunha, mais minguados do que abundantes, são personagens que formam a saga, cujas histórias continuam sendo recontadas com o mesmo entusiasmo...
            E, evidentemente, o conflito territorial, que reunia toda espécie de gente.  
            Todos eles são os heróis que começam, preenchem e terminam um mundo.
            Como essa conquista tem esplendor épico, ela faz parte dos gibis, dos filmes e, com uma imaginação que beira à genialidade, da literatura de Cormarc McCarthy.  

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