quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Entrevista curta com Jean-Luc Godard

entrevista com Jean-Luc Godard

Fernando Eichenberg



Uma entrevista de Jean-Luc Godard é similar a um de seus filmes: fornece indícios de um pensamento em movimento. No roteiro improvisado, a imagem completa o quadro. Sentado em diagonal na cadeira postada diante da extensa mesa de sua sala no segundo andar da produtora Alain Sarde, em Paris, os cabelos revoltos, a barba esfarpada, ele perscruta o interlocutor com o olhar ampliado pelos espessos óculos, como uma câmera, antes de responder às perguntas com sua voz rouca e inconstante. (...)

Em 1965, no Cahiers du Cinéma, o senhor escreveu: "Eu espero o fim do cinema com otimismo". Hoje, o senhor diz que chegamos ao fim de uma certa época do cinema, e mesmo da arte em geral, uma época que já durava uma dezena de séculos. É o fim do cinema?
Do cinema que se conhecia, gostando-se dele ou não. Esse cinema se tornou, hoje, quase um objeto de museu. Está nas cinematecas. Assistimos ao começo de uma época e agora é, sobretudo, seu fim. Penso que o século XX é o fim de uma época que começou no século XIX. Mas o novo cinema eu não conheço. Vou ainda ao cinema de vez em quando, mas é cada vez mais difícil. Depois dos filmes de Glauber Rocha, não assisti a mais nenhum filme brasileiro. Há filmes dos Estados Unidos quase por todo lado. Podemos ver muitos maus filmes norte-americanos, mas não podemos ver um mau filme brasileiro. E no Brasil é a mesma coisa. Hoje a realidade é a informática, a publicidade. Há filmes que são feitos, mas que não são mais vistos. Ainda se encontram alguns produtores independentes, mas é um sistema no qual não se acredita mais. Não há os meios para que se acredite.

O senhor denuncia a renúncia do cinema como um instrumento de pensamento: "Ele foi feito para pensar e fizeram dele um espetáculo".
O cinema quase nunca teve essa função de pensamento. De reflexão e de marginalidade, sim. Mas nunca foi um verdadeiro instrumento de pensamento, senão ele teria influenciado a televisão num outro sentido. Ainda hoje, quando há artigos de fundo ou um problema, um mistério a descobrir, um mistério financeiro ou criminal, algo assim, é ainda o jornal que o faz, é a escrita. A televisão conta coisas sobre isso, faz um espetáculo, não é nunca ela que descobre. O Watergate não foi descoberto por jornalistas de televisão.

Como o senhor definiria o cinema hoje?
Hoje as pessoas estão perdidas no cinema. Mas elas preferem dizer que não estão perdidas, e agem como se não estivessem. Para mim, o cinema cobre muito mais do que se diz hoje. O que as pessoas chamam de cinema, atualmente, é um DVD, uma sessão no Champs-Elysées. Prefiro não empregar esta palavra. Não uso palavra nenhuma.

O senhor se mostra um tanto pessimista.
Não. Talvez seja um pessimista alegre ou um otimista triste.

1 Comentário

Tales Augusto disse...

Conheço pouco do Godard (só assisti Alphaville), mas gostei da entrevista (não precisa de muito conhecimento prévio pra entende-la), nunca tinha parado pra pensar sobre o que ele disse na primeira resposta.

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