terça-feira, 23 de novembro de 2010

Mundo digital por Gorin: o "futuro do cinema"

Ex-parceiro de Godard mira o digital  


Cofundador do Dziga Vertov, Jean-Pierre Gorin discutiu futuro do cinema na semana passada, em São Paulo

Para cineasta e teórico francês, o cinema digital deve refletir a época atual de cegueira e excessos de imagens

Ana Paula Sousa*



Parece que Jean-Pierre Gorin aceita dar entrevistas, sobretudo, para descobrir se, suplantadas as gerações e renovados os jornalistas, conseguirá livrar-se do passado.
"Será que desta vez não virá nenhuma pergunta sobre Jean-Luc Godard e sobre o grupo Dziga Vertov?", parece pensar o ex-parceiro do mais célebre dos cineastas da nouvelle vague francesa.

Hum... Mas vem. "É uma história que tem 40 anos", responde, sem disfarçar o desalento. "Mas eu sei que as pessoas se aproximam de mim porque estão interessadas no meu passado."

Gorin é figura recorrente, por exemplo, nas 900 páginas da biografia de Godard escrita por Antoine de Baecque, publicada neste ano na França. "Eu nem li", desconversa. "Se você viveu algo importante quando tinha 25 anos e tem de passar o resto da vida falando disso, se torna meio tedioso", delimita. "O resto da minha existência permanece desconhecida."

Gorin esteve em São Paulo na semana passada para participar do seminário sobre cultura digital que, durante três dias, deixou lotada a Cinemateca Brasileira. Veio com uma palestra e com um filme debaixo do braço: "M/F remix", um remix, como o próprio título diz, de "Masculino e Feminino" (1965-1966), de Godard.
Dirigido por uma jovem estudante de cinema, com uma mini-DV, o filme marca a incursão de Gorin pelo mundo da produção digital.

PRÉ-DIGITAL

Mas se Gorin foi convidado a discutir o futuro do cinema em São Paulo é também porque, desde a juventude, ele parecia antecipá-lo.

Ele criou, com Godard, o lendário grupo Dziga Vertov, que, nos anos 60, se propôs a fazer o que, hoje, o digital tornou quase banal: filmes ligeiros, sem fronteiras de gênero, baratos e de fácil difusão.
"De uma certa maneira, não totalmente consciente, um pouco naify até, esses filmes foram premonitórios", diz, o ar mais satisfeito. "As propostas do grupo Dziva Vertov traziam uma certa intuição do que iria se passar."
Gorin, que dá aulas na Universidade de San Diego, nos Estados Unidos, onde vive desde 1975, diz que seu interesse é discutir o digital e sua relação com a cultura analógica.

"O que é a estética digital? Com o digital, voltamos um pouco à situação dos irmãos Lumière, do primeiro filme", define.
Gorin defende ser radicalmente diferente produzir uma imagem que tem um suporte celuloide e um pigmento químico e outra que é feita de pixels. Para ele, alterado o mecanismo, altera-se, inevitavelmente, a maneira de pensar.

"Como filmar o mundo no qual vivemos? Em oposição ao que acontecia no início do cinema, hoje vivemos num mundo repleto de imagens", observa.

"O excesso de imagens criou uma espécie de cegueira. As pessoas não sabem mais ver. O cinema digital tem que refletir esse tempo de excessos. Ele traz, em si, uma crítica às próprias imagens", diz, com a porção godardiana que não consegue abandonar.

* jornalista da Folha de SPaulo

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