A decrepitude, as falsas ilusões e o riso trágico
Franco Neto*
Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger), escrito e dirigido por Woody Allen, acompanha a ruína de dois relacionamentos. O de Alfie (Anthony Hopkins) e Helena (Gemma Jones), casados há mais de quarenta anos; e o de sua filha, Sally (Naomi Watts), e Roy (Josh Brolin). Alfie vai se divorciar e tentar outro casamento com uma mulher mais jovem, Charmaine (Lucy Punch); Roy, um escritor fracassado, vai se interessar pela musicista Dia (Freida Pinto) e Sally, por seu turno, alimentará uma atração não correspondida por seu chefe na galeria de arte, Greg (Antonio Banderas).
Este filme tenta, com sucesso, uma perspectiva, digamos, bem humorada, mas não é exatamente uma comédia, menos ainda uma comédia romântica, esse adorno novo e com a validade anunciada que costuma acompanhar a volatilidade os gêneros cinematográficos.
A câmara acompanha, sem gravidade, os personagens, não existem tomadas soturnas ou desiludidas. Ao contrário, a iluminação é solar, clara, sem sombras a bruxulear o futuro incerto dos casais em crise, as carreiras que se precipitam estrepitosas. A trilha sonora, por exemplo, toca o costumeiro jazz descontraído e há espaço, inclusive, para o som feliz de uma insuspeita When You Wish Upon A Star, escrita por Leigh Harline and Ned Washington para o filme da Disney, Pinóquio.
Sim, mas assim costumam ser os filmes de Allen, seria, de fato, invulgar que fossem diferentes disto, ou seja, filmes mal-humorados. O que interessa aqui, o que consegue o diretor com seu filme é, no entanto, usar suas referências, suas preferências, como um pequeno engodo. Lançando uma piscadela descontraída ao espectador, Woody Allen constrói um filme que apenas parece cômico, e de resto consegue sê-lo, mas que também se bate com temas últimos, finais, para os quais não temos, e talvez jamais tenhamos respostas satisfatórias.
Sim, mas assim costumam ser os filmes de Allen, seria, de fato, invulgar que fossem diferentes disto, ou seja, filmes mal-humorados. O que interessa aqui, o que consegue o diretor com seu filme é, no entanto, usar suas referências, suas preferências, como um pequeno engodo. Lançando uma piscadela descontraída ao espectador, Woody Allen constrói um filme que apenas parece cômico, e de resto consegue sê-lo, mas que também se bate com temas últimos, finais, para os quais não temos, e talvez jamais tenhamos respostas satisfatórias.
No lugar do apenas cômico, o diretor preferiu o sarcasmo, a ironia, o comentário zombeteiro, mas pasmo, frente às decrepitudes físicas, morais, conjugais. Alfie não pode aceitar a velhice: deixa mais claros os dentes, doura a pele com bronzeamento estético, tenta pateticamente recuperar os músculos já flácidos, se compromete em matrimônio com uma mulher mais jovem; Helena tampouco aceita a realidade, troca seu quinhão de realismo, pela esperança alucinada nas divinações e charlatanices de uma cartomante; Sally que ainda conserva a sanidade perdida pela mãe, ironicamente sonha o sonho das moças solteiras que esperam também pelo homem dos sonhos, para ela, o chefe bem-sucedido; e Roy, incapaz ultrapassar o sucesso de seu primeiro livro, gasta seu ócio com a elaboração de um novo romance, sempre adiado,e nos intervalos de suas desocupações, sonha com a vizinha Dia.
E todas essas esperanças, sublinhadas pela troça mordaz de Allen, são crestadas por um seu rival eterno e implacável: a realidade. Tão evidente, tão firme e austera em seus desígnios inescapáveis, que só pode ser risível. Os únicos personagens que vivem o final feliz predito por When You Wish Upon A Star - flagrante ironia que joga com os projetos frustrados dos personagens - que realizam seus desejos, são as figuras alucinadas, perturbadas de Helena e seu novo companheiro. Duas figuras envelhecidas, que escolhem acreditar na ilusão e repelir a fria chateação da realidade.
Os temas preferidos por Woody Allen: as neuroses, os desencontros amorosos, os dilemas existenciais, costumam voltar em seus filmes, o que não raro parece incomodar parcela da crítica mais entusiasmada com as novidades. Com Você vai conhecer o homem dos seus sonhos, o diretor prova que não é preciso embelezar os filmes com demãos de um verniz de complicações apenas aparentemente complicadas, como as que afetam dificuldades, por exemplo, em filmes como A Origem (Inception), de Christopher Nolan. Allen traz novidade, não porque resolveu inserir novos temas, estapafúrdios, mas porque desde seu filme anterior Tudo pode dar certo, parece acompanhar sua própria velhice, a impossibilidade de deter o avanço do tempo, com estupefação, mas (por que não?), com a candura lúcida de uma boa risada.
Franco Neto é jornalista e membro do grupo "Cine-UFG, debates".
8 Comentários
Esse Woody Allen é pessimista demais. O mundo é muito melhor que seus filmes. Tem que ter muito saco.
Franco Neto foi muito bem neste texto. E toca num viés interessante; filmar "a realidade". Uma pretensão monstra para um cineasta idem. Afinal filme é filme.
E me chamou a atenção para uma coisa que passou despercebida na minha memória: as músicas, são ótimas.
Expedito, tu tá provocando né?
Eu já acho o Woody otimista. Mesmo com toda insandice (palavra ñ existe mas é ótima) dos personagens penso que o "mundo real" seja mais duro que mostrado no filme, Allen é otimista.
Para encarar a insanidade coletiva haja saco mesmo Expedito.
Thomaz,
Olha uma coisa. O Woody Allen faz o mundo real ficar pior, entende? Eu quis dizer isso e você não compreendeu, meu chapa. A múisica é boa e o filme é fraco demais.
Algo que talvez explique muito bem Woody Allen...
"Tenho uma visão muito pessimista da vida.
Se vamos andar juntos é melhor que vc saiba.
Sinto que a vida se divide em horrível e miserável.
São estas duas categorias.
O horrível cobre os casos terminais.
Nem sei como conseguem viver.
Miserável é todo o resto.
Devemos estar muito gratos por sermos miseráveis."
Personagem Alvy, interpretado pelo próprio Woody Allen, no filme Annie Hall.
Para mim Woody Allen não é nem otimista e nem pessimista...
ele simplesmente "não acredita" e duvida de tudo... todo o tempo.
Franco, parabéns pelo texto! O mal humor de Woody Allen é ótimo! Quem dera todos os "mal humor" serem assim!
Expedito Gomes,
Woody faz o mundo real ficar melhor.
Thomas com "s" por favor.
Caroline Pires,
Quem dera todos os pessimistas fossem como o Allen. O pessimismo do Woody é ironia, otimismo camuflado em doses de lucidez, avacalha os normais e exalta a demência que existe em todos nós. A lucidez nem sempre está onde pensamos que esteja.
Talvez o que seja pessimismo para você seja natural para mim.
Caroline,
Realemnte nem otimista nem pessimista. Ele está mais para "acredita em tudo" e "não duvida de nada".
Digamos que rir em um filme de Woody Allen é sinal de saúde. Pra mim, isso define bem o seu cinema.
Obrigado, Carol.
Ótima lembrança: Annie Hall. Este é outro bom filme do criativo elenco de bons filmes de Woody Allen.
E obrigado Thomas.
E em resposta aos comentários, principalmente aos de Expedito Gomes, talvez seja importante seguir a observação de Umberto Eco a respeito da diferença entre o que ele chama de autor empírico e autor-modelo. O primeiro termo se refere à pessoa, ao autor que de fato existe ou existiu e que de fato reservou uma porção de sua vida para produzir materialmente a obra. O autor-modelo é como uma espécie de estratégia narrativa, uma indicação de leitura, de entendimento. Então, é evidente, existem indicações em um “texto”, no caso, nesse filme, que permitem interpretá-lo de determinadas formas e não de outras. Portanto, entrar em uma contenda decidido a vencê-la com a epifania desvendada das motivações, intenções, ou traços da personalidade do autor talvez seja uma luta vã. Concorrem para a realização de um filme dezenas de fatores e sentenciá-lo apenas pelo que se imagina ser o pensamento imaginado pelo autor quando da criação da obra, ou por aquilo que se pensa a respeito deste mesmo autor, parece ser uma simplificação exagerada.
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