A arte da masturbação
Ao confundir arte com a arte da masturbação, tudo que resta de "Cisne Negro" é um ecrã viscoso e sujo |
João Pereira Coutinho*
Sejamos honestos: o filme "Cisne Negro" promete ser revolucionário. Não na história do cinema. Mas no ensino da dança. A partir de agora, os cursos de dança terão de reformular os seus currículos. Sim, "Improvisação", "Estudos de Movimento" ou "Estudos de Repertório" continuarão a ser importantes.
Mas, na douta filosofia de Darren Aronofsky, diretor do filme, é preciso incluir novas classes. Como "Técnicas de Masturbação", por exemplo. Ou, então, "Dildos e Opiáceos", provavelmente para que os finalistas possam entrar na vida profissional em estado de transe.
Esse, pelo menos, é o entendimento de Thomas (Vincent Cassel), o coreógrafo da companhia de bailado onde Nina (Natalie Portman) vai estrelar uma nova produção do "Lago dos Cisnes".
Mas Nina tem um gravíssimo problema: nunca transou. Tecnicamente, é perfeita; mas o fato de ainda ter o hímen intacto a impede de protagonizar o "cisne negro" com a intensidade perversa que o papel exige.
Felizmente, Thomas tem uma ideia. Não, como seria de esperar, ele mesmo ser voluntário para aliviar Nina da sua trágica deficiência, uma proposta perfeitamente compreensível: quem, em juízo perfeito, nunca teve pensamentos impuros com Natalie Portman, a encarnação terrena mais próxima de um anjo? Não atiro a primeira pedra.
Mas Thomas não tem pensamentos desses; o seu amor à arte suplanta o amor a Nina. E a arte merece que Nina vá para casa e experimente tocar-se no conforto dos lençóis (cor-de-rosa). Em cinema, já assisti a tudo. Até aos filmes de Manoel de Oliveira. Mas a sequência em que Nina se masturba é tão esteticamente grotesca que seria aconselhável distribuir sacos de enjoo nas salas.
Como é evidente, Nina não acaba bem: sexualmente reprimida e com a sanidade se desfazendo, ela não aguentará a competição direta de uma rival, Lily (Mila Kunis). Lily dança bem. Mas, ao contrário de Nina, oferece o serviço completo.
Quando saímos da sala, choramos pelo destino de Nina. E pensamos: "Coitada. Se ela ao menos tivesse transado...".
Eis, em resumo, o filme de Aronofsky, um diretor que, antes de "Cisne Negro", tinha assinado um filme estimável sobre luta livre. Um tema que estava mais ao nível da sua mentalidade.
Acontece que os seres humanos raramente aceitam suas limitações e desejam voar mais alto. Aronofsky tenta. Nunca chega a decolar.
Porque Aronofsky acredita que a "loucura da arte", na feliz sentença de Henry James, pode ser resumida ao clichê expressão/repressão, que domina grande parte das discussões analfabetas do nosso tempo.
Herdeiros de uma sensibilidade romântica abastardada, acreditamos que a arte deve ser "autêntica", e que a "autenticidade" consiste em abrir as comportas da alma, despejar os nossos "sentimentos" e "emoções" na via pública e, por via dessa catarse, nos libertarmos das nossas neuroses pessoais.
Segundo essa doutrina, a arte não é arte, é terapia. Um romance não é um romance, é uma sessão de psicanálise por escrito. E o artista não é um artista, é como um doente mental que vive no asilo psiquiátrico e que pinta, ou escreve, por motivos estritamente terapêuticos, antes da medicação noturna. Visitar grande parte dos nossos museus, dos nossos palcos ou das nossas estantes é tropeçar continuamente nessas alegres pornopopeias.
Tragicamente, Aronofsky e companhia ignoram que a arte não é questão de expressão ou repressão, mas de disciplina e sublimação.
Para retomar as palavras de T.S. Eliot, a criação artística é um exercício de autossacrifício em que, para expressar uma personalidade, é necessário primeiro extinguir a personalidade. E encarar o processo criativo como o momento sacramental em que elevamos o que somos, o que não somos e o que gostaríamos de ter sido a um patamar sublime.
Se a sensibilidade de Aronofsky não estivesse tão próxima de um neandertal, ele teria percebido que, no caso de Nina, era precisamente a sua complexidade feita de repressão e temor, mas também de graciosidade e sede de perfeição, que faria dela uma incomparável artista.
Ao confundir a natureza da arte com a arte da masturbação, tudo que resta de "Cisne Negro" é um ecrã viscoso e sujo. Como um lençol de adolescente.
11 Comentários
João Pereira Coutinho é uma queda drástica no nível desse blog.
Pra começar, é absolutamente grosseiro o comentário dele sobre o "nível de mentalidade" de Aronofsky. O que apenas nos leva a suspeitar que é baixo o nível de mentalidade do próprio Coutinho.
Depois, o jogo de conceitos que ele usa (expressão/repressão e disciplina/sublimação) é mal articulado e mal aplicado ao tema, inclusive com a arrogante pretensão de comentar de modo geral sobre a arte do nosso tempo. Quando fala em "autonomia", Coutinho parece escrever o que quer, um mero achismo bem superficial.
O texto é uma saladinha de frutas que quer se passar por prato principal de um banquete. Sem chance, Coutinho. Está precisando "sublimar" um pouco mais.
Abraços
Professor, eu concordo com Rodrigo Casio. Esse Coutinho, que eu nunca ouvi falar, é uma lástima. Seu blog é minha leitura obrigatória todos os dias. Essa análise é muito pretensiosa.
O senhor publicou antes textos mais interessantes sobre "Cisne Negro".
Concordo com os termos colocados por Rodrigo e Elaine. Só li o texto depois de publicado. O secretário do blog pediu para postar - saiu na Folha SPaulo. Foi enviado por um leitor do blog.
Aliás, recebemos muitas solicitações para publicação - um dos motivos é o acesso a sites de jornais e revistas, pois nem todo mundo consegue ler textos interessantes (os sites não são abertos).
Mas concordo que o Coutinho (não publicamos textos dele antes no blog) não fez um texto com qualidade. Obrigado pela paciência. O blog é aberto. Penso que ele se tornou uma casa de amigos.
Lisandro Nogueira
Simplificação e carolice pouca é bobagem.
"Ao confundir a natureza da arte com a arte da masturbação"; "a arte não é questão de expressão ou repressão, mas de disciplina e sublimação" - ah, faça-me o favor...
(não que não seja disciplina e sublimação, mas tal afirmação que ele faz é de um determinismo muito torto para o filme). No mais, Rodrigo disse.
eu não discordo completamente dos argumentos do Coutinho. Acho o texto ruim (não entendi o lance do Manoel de Oliveira ali no meio), mas algumas idéias levantadas fazem sim algum sentido. Agora, realmente é uma crítica grosseira que mais obscuresce do que ilumina o debate acerca do filme!
Fraca e recalcada a sua crítica Sr. Coutinho, acho que vc ja deve ter passado da idade...
É interessante lermos textos com as mais diversas opiniões. É passivo de análise, e acaba por derrubar ou fortaceler nossas convicções acerca de algo.
A visão de arte do Coutinho é profissional demais, na minha opinião. É muito restrita, muito exclusiva. Com certas falas ele acabou tirando credibilidade dos poucos trechos coerentes.
Agora, o que ele colocou como grotesco, sujo, etc, eu discordo completamente.
O grotesco fica mesmo por conta do texto de Coutinho. Quanta raiva! Chego a imaginar se não se trata de rancor, vindo do mais profundo de seu lamaçal mental, por querer ter feio ao menos um filme como esse. Não é sempre que se pode deparar-se com algo como Cisne Negro vindo da indústria estadunidense. Talvez a infinitude da capacidade intelectual de Coutinho fez-lhe passar muito à velocidade da luz sobre o filme. Como um flash, não pode notar que a trama não está tão centrada na arte, apesar de se valer dela para seu enredo e como metáfora. A questão é a cisão da personalidade, é a sombra que assombra nina, que pode ser qualquer um de nós em nossas "artes" diárias, com o que se preocupa diretor, roteiristas, cenógrafos, atriz... Mas poderia ser o balé, a direção de uma empresa, a direção de uma escola, um/a professor, um/a estudante. Todos/as nós em nossas psicoses, nossas esquisofrenizações. A manifestação da sombra é o tema do filme, é o cisne negro, alimentado a desejo e prazer. É como o id escapa da disciplina atormentadora da "mãe". A mãe em si não é o problema. Falta pensar que a disciplina é a tesoura do desejo e a "mãe" é responsabilizada socialmente por recortar disciplinarmente os seres. Os retalhos recalcados e imersos no brejo mental, entretanto, não desaparecem... pulsam e aguardam qualquer possibilidade de se manifestarem. Nina não era completa, ou perfeita, faltava o que estava imerso em seu pântano interior. Mas ela achava que seria a disciplina que lhe tornaria perfeita. Entretanto, assim como a Fênix em Ex-men, Nina morre ao manifestar isso em si na forma sombria. A sombra,como manifestação do inconsciente, é representado como perverso e perigoso. E cobra um preço alto ao se livrar das areias movediças em que estava recalcado. Mas será mesmo que a unica saída é a destruição? Aronofsky não parece acreditar em outra possibilidade... vence a pulsão de morte.
Vai ver q essa atriz se masturba toda noite na caminha e vem com esse papo furado de "foi nojenta a cena". Mentirosinha...
Vai ver q essa atriz se masturba toda noite na caminha e vem com esse papo furado de "foi nojenta a cena". Mentirosinha...
Postar um comentário
Deixe seu comentário abaixo! Participe!