sábado, 5 de fevereiro de 2011

O discurso do Rei (em cartaz)

 O DISCURSO DO REI
 João Angelo Fantini*
The  King's Speech poderia ter seu titulo melhor traduzido como A voz do Rei. De onde vem a voz do rei? É o que o personagem de Colin Firth tenta descobrir, pois a voz do rei, para ele, é a voz do pai - que, na psicanálise, é um dos objetos ligados a castração. No filme, é impossível escapar ao clichê de que a relação dos personagens principais relembra os movimentos de uma análise. Os truques do professor (Geoffrey Rush) são, no entanto, truques catárticos, movimentos de expulsão de emoções contidas.
É um truque velho que deve sua longevidade a sua eficácia de exibição: é uma jogada para galera que é computada como sabedoria do professor, o truque do mestre. Tanto funciona, que na saída do cinema se pode ouvir comentários como: "Ele conseguiu soltar as emoções contidas e se curou".  Freud no início da carreira, com a hipnose, fez o mesmo e, como todo charlatão, acreditou que tinha algum poder, até entender que a coisa era bem outra.
O jovem rei, enfim, nao se curou de nada. Continuou firme e forte no seu sintoma, como aparece nas frases finais, depois de que as imagens terminam e somos informados que o professor se tornou uma forma de Sub-chefe do Serviço Adjunto (que no Brasil seria um servidor público não concursado) e que eles continuaram amigos por toda a vida.
Por que o rei melhorou a fala então? Qual foi o truque? O que o professor "curou” de fato?
Algumas opções:
( ) O professor tornou-se o “Bom Pai” (limitador, mas amoroso) que o jovem rei tanto precisou mas que nao teve, pois o  velho rei estava, ele mesmo, angustiado entre a demanda de ser portador de um mandato quase divino de poder e as insuficiências humanas de ser um pai comum que quer ver no filho uma continuação de si próprio.
 ) As demandas de afeto que o jovem rei dirigia ao velho rei (que Freud chamaria homossexuais) e que eram cumpridas em parte pela esposa (esta sim, nunca brochava), passaram a ser direcionadas ao “bom amigo” professor (e futuro assessor) - Freud também dizia ser o futuro das pulsões homossexuais que todo homem (e mulher) tem e que terminam em amizade: especialmente (no caso dos homens) em reuniões algo misóginas (vide poker e futebol com amigos).
 ) Ele mudou de fato e se tornou o homem que o pai esperava porque o poder é afrodisíaco (como dizia Ulisses Guimarães, o desaparecido)
 )Não-todas, as respostas estão certas.
 ) ……………………………………………………….(prencha a linha pontilhada ou faça seus comentários aqui no blog)
A despeito da psicologização que eu me permito fazer, é um grande filme, com excelentes interpretações e direção que tem os ingredientes certos para atrair multidões ao cinema, pois aborda  uma das passagens nas quais se registram os mitos que se repetem entre os homens desde o começo da história: o que é ser um pai, o que é ser um filho?
* João Angelo Fantini é professor na Universidade Federal de São Carlos e ex-prof. da UFG.
 

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