"Cisne Negro": filmaço ou abacaxi?
André Barcinski*
A Ilustrada (caderno de Cultura da Folha são Paulo) publicou duas críticas do filme “Cisne Negro”, de Darren Aronofsky, que estréia hoje. Uma, do Inácio Araujo, que não gostou do filme. Outra, minha, que adorei.
A Ilustrada faz isso de vez em quando: contrapõe duas opiniões diferentes na mesma página. O mesmo aconteceu no lançamento de “Invictus”, de Clint Eastwood, quando as opiniões se inverteram: o Inácio curtiu, e eu não.
Acho atitudes como essas ótimas. Quanto mais gente falando de filmes, melhor.
Mas alguns leitores parecem não entender. Recebi vários e-mails estranhando a publicação de duas críticas antagônicas. “Afinal, a Folha gostou ou não do filme?” Dizia um leitor. “Em quem devo confiar, em você ou no Inácio?” perguntava outro.
Minha resposta é: não confie em ninguém. Desconfie de todos. Assista ao filme e tire suas próprias conclusões.
Outro leitor escreveu: “Eu não entendo o que é crítica de cinema... Se vocês levam mais para o pessoal ou para o técnico. Acho que é mais para o subjetivo (...) Ora, se é subjetivo, deixe que eu mesmo assista e critique o filme!”
Como eu responderia a isso?
Em primeiro lugar, acho que a crítica é subjetiva sim. E a opinião de uma pessoa sobre determinada obra depende de uma série de fatores: de sua formação, gosto pessoal, preferências estéticas, etc.
Acredito que a função do crítico é, em primeiro lugar, tentar arrebatar o leitor, tirá-lo da zona de conforto e fazê-lo refletir sobre o filme. E isso vale tanto para críticas positivas quanto negativas.
O que leva a uma questão importante: por que as pessoas parecem gostar só das críticas com as quais concordam?
Comigo sempre ocorreu o oposto: eu sempre gostei mais de ler críticas contrárias à minha opinião.
Gosto de me sentir abalado por uma opinião diferente. Acho que isso nos faz refletir por ângulos que preferimos ignorar. Você pode até não mudar de opinião, mas acho que isso vale mais do que só ler críticas que corroboram o que você pensa.
Por exemplo: eu adorava ler os textos do Paulo Francis, apesar de não concordar com quase nada do que ele escrevia. E não perco um texto do Rubens Ewald Filho, mesmo discordando de 99% de suas avaliações de filmes.
Também gosto muito de ler o Inácio escrevendo sobre o Clint Eastwood, diretor que ele adora e que eu acho supervalorizado.
A minha crítica de cinema predileta é Pauline Kael (1919-2001), da New Yorker. Tenho quase todos os livros dela, e percebo que os textos de que mais gosto são os que vão contra a minha opinião.
Outro dia revi “Nashville”, do Robert Altman, e fui ler o que Pauline tinha escrito sobre o filme. Ela tinha gostado exatamente de tudo que eu menos curtia.
E o que falar do Rex Reed, do New York Observer? O sujeito detonou um de meus filmes prediletos de 2010, “Ilha do Medo”, do Scorsese, e elegeu o insosso “O Discurso do Rei” o melhor filme do ano. Mesmo assim, adoro ler as tiraras vitriólicas e insanas do cara (só concordei com a detonada histórica que ele deu em “A Origem”, do Christopher Nolan).
Em 2005, Reed escreveu o seguinte sobre um filme sul-coreano que eu amo, “Oldboy”: “O que esperar de um país enfraquecido por kimchi, uma mistura de alho cru com repolho enterrada no chão até apodrecer e depois tirada da sepultura e servida em potes de barro vendidos como souvenir no aeroporto de Seul?”
* André Barcinski é critico de cinema na FolhaSPaulo. Publicado em 04.02.2011
6 Comentários
Concordo plenamente sobre a função da crítica de tirar da zona de conforto. Estava debatendo exatamente sobre isso hoje e a discussão começou por causa de Cisne Negro (que eu, particularmente, acho um filmaço).
Esse Cisne Negro é muito fraco. A moça aí, Lian Tai, disse que é um filmaço; poderia explicar onde está escondida as qualiades do "filmaço"?
Legal o texto. Porém, fica parecendo que a crítica é antes de tudo subjetiva. E com isso eu não concordo.
Há subjetividade, claro. Há uma sensibilidade que é particular. Mas ela passa por um processo de análise das obras que põe em jogo critérios objetivos.
O ponto é: Gostou? Não gostou? Quais os seus critérios? O que justifica esse juízo de gosto?
Diferente do Barcinski, eu não leio mais o Rubens Ewald Filho, porque não levo a sério os critérios que ele usa, não vejo importância nenhuma no tipo de reflexão (?) que ele faz em seus textos. É justamente a parte objetiva do trabalho dele que é deficiente.
Um bom texto realmente desafia o leitor quando vai além da avaliação do filme, expondo os fundamentos que usa para concluir se ele é bom ou não. Nesse sentido, a crítica de cinema no Brasil anda muito fraca, sem interesse na discussão dos seus fundamentos. Vejo isso, inclusive, nas críticas do Inácio Araújo - que, apesar disso, é festejado como um bom crítico.
As pessoas não gostam de ler críticas das quais discordam porque, infelizmente, o debate impessoal é evitado em uma cultura na qual as pessoas são construídas a partir de fora, e não de dentro (não sabem lidar com suas próprias dúvidas, suas contradições).
São as nossas certezas nos fazem sujeitos, e não as nossas dúvidas. Se fosse o contrário, acredito que as pessoas seriam mais críticas e abertas para a diferença.
Abraços
Boa digressão, Rodrigo. Não existe mesmo essa "subjetividade". O texto do Barciski é muito ligeiro.
ps- Pedro, vamos postar o texto do Inácio Araujo sobre "Cisne Negro", por favor.
Helô, pessoal. Ninguém viu que a dança clássica mata as meninas e o filme joga doce nessa conversa?. o filme só é pesado para quem não viu o ótimo Dançando no escuro do intelectualíssimo Lars Von.
"não confie em ninguém. Desconfie de todos. Assista ao filme e tire suas próprias conclusões."
Eu não leio críticas, nem vejo trailers antes de conferir alguma estreia no cinema. No caso de "Cisne Negro", ouvi alguns comentários positivos, mas não resolvi assistir por causa deles. Gosto dos trabalhos do Aronofsky (até o subestimado "fonte da vida) e tirei minhas conclusões sobre "Cisne Negro". É um bom filme. Ousado, inteligente, bonito e ao mesmo tempo angustiante.
..João Linno..
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