quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

"Cisne negro", filme para impressionar?, por Inácio Araujo

Estética expressionista busca impressionar impressionáveis


Inácio Araujo*


Céline, autor central da literatura do século passado, disse uma vez que o escritor escreve com sua própria pele. Darren Aranofsky leva mais ou menos duas estafantes horas para dizer a mesma coisa a partir da história de Nina (Natalie Portman), a bailarina de "Cisne Negro".

Nina é esforçada e talentosa. Mas não lhe faltam problemas na vida. Desde a inibição que atrapalha seu voo (nunca teve relação sexual quando o filme se inicia) até a convivência com uma mãe que bem parece uma versão laica da mãe de "Carrie, a Estranha" (1976), tudo pesa contra ela. Ninguém estranhará seu comportamento francamente desequilibrado.

Apesar disso, o coreógrafo vivido por Vincent Cassel vê nela a bailarina ideal para sua montagem de "O Lago dos Cisnes". Nina ganha o papel principal. Os papéis, na verdade: o cisne branco e o negro. Inútil dizer: fazer a parte do cisne negro implicará descobrir sua "metade negra". Coisa difícil para qualquer um, que dirá para uma moça angelical como ela.

Estávamos aí, e já não estávamos tão bem assim, em termos de história. Daí vem Aronofsky e, esquecido de que seu filme anterior foi o belo, límpido, "O Lutador", opta por uma estética expressionista aplicada a um tema puramente psicológico, com vistas a impressionar os impressionáveis.

O filme verá o mundo a partir dos olhos perturbados da bailarina. O que significa cenografia fundada sobre a oposição obsessiva entre branco e preto, filmagem quase exclusivamente em interiores, câmera em movimento (não raro na mão) seguindo-a por corredores que parecem a "grande tela" da Bienal neoexpressionista de 1985, para dar ideia de perturbação, identificação entre alucinação e realidade etc.
Breve:

""Cisne Negro" lembra um concentrado de efeitos destinados a criar "arte" e "profundidade"; lembra também "O Gabinete do Dr. Caligari" (1920) sem metafísica, centrado no conflito entre as duas metades de Nina que evolui a um final imitando "O Estudante de Praga"(1913).


* Inácio Araujo é crítico da FolhaSPaulo.

13 Comentários

Rafael Castanheira Parrode disse...

txt meio superfcial do Inácio mas que consegue dar conta do tremendo equívoco que é "Cisne Negro". Tem txt meu sobre o filme aqui no blog: http://cerradocerebral.blogspot.com/

E sobre essa imparcialidade e subjetividade da crítica, barcinski como sempre equivocado, acha que a crítica pode ser feita de achismos. A subjetividade existe, mas deve vir sempre acompanhada de uma carga forte de argumentos, sejam eles teóricos, técnicos, filosóficos, de um olhar menos domesticado, mais afiado e aberto a buscar entender todos os meandros do mundoe por consequência do cinema. Como disse o Rodrigo, a crítica não pode se resumir a um simples 'gostei' ou 'não gostei'.

Polly Di disse...

ai ai...é rir né.
Geral falando mal só para ir contra. (brincadeira!!)

Rafael, li seu texto sobre o filme e para mim, a análise mais interessante até agora!

São muitos e muitos detalhes.

Anônimo disse...

Considero Inácio Araújo um dos melhores críticos de cinema que nós temos. Estou lendo o livro com a antologia de textos dele e adorando. Ele é realmente um pensador do cinema. Isto posto, ouso discordar do que ele diz de "Cisne Negro". Vi o filme ainda há pouco, num cinema aqui perto de casa, e não diria que se trata de uma obra-prima. Longe disso. Mas prefiro-o àquela coisa horrorosa chamada "O Lutador", que o Inácio adorou, pelo que entendi. (Entre "O Lutador" e "Rocky - Um Lutador", fico com o segundo.)Enquanto assistia a "Cisne Negro", eu me lembrava ora de "Carrie, a Estranha", ora de "Respulsa ao Sexo", aproximações que podem ter sido intencionais na origem, o que é muito comum no cinema atual. No entanto, "Cisne Negro" não repete nem plagia esses dois filmes. Ele tem o seu próprio caminho, que me pareceu interessante. A simplificação no contraste do preto e do branco, por exemplo,tão velha quanto o próprio cinema (e as outras artes, inclusive) não é um mal em si. Ataques desse tipo, creio, decorrem da má vontade do crítico com o filme. Resumindo: "Cisne Negro" vale bem o preço do ingresso, o que é cada vez mais raro hoje em dia.
Abraços
Herondes

Rodrigo Cássio disse...

Olá Herondes,

Comentário equilibrado e justo.

Também não penso que Cisne Negro seja ruim. É um filme bom, e nada além. A mesma coisa penso de O Lutador.

"Vale o preço do ingresso", como você diz.

Filmes bons. Tecnicamente bons, sem mais. Temos aos montes no cinema contemporâneo, inclusive no Brasil. Talvez isso seja um problema para a crítica de hoje. Como situar a diferença em um meio que tende para a homogeneidade?

Acabam surgindo cineastas supervalorizados, e, ao mesmo tempo, subvalorização de obras que não merecem isso...

Grande abraço

lisandro nogueira disse...

Amigos, somos pautados pela grande indústria do cinema. Temos bons filmes em Hollywood. Penso que o Oscar melhorou muito seu processo seletivo.

Mas filmes como "cisne negro" já foram feitos. Não vejo nada tão interessante. Ele emociona, é "over", e foi feito para ser "over". Angaria logo a simpatia pela emoção primeira. Infelizmente, não temos o hábito de ver um filmes mais de uma vez. Somos levados pelas emoções "à flor da pele".

' disse...

Acabei de chegar do cinema. Assisti ao filme e gostei. Na minha opinião, ser completamente original em temáticas hoje é muito difícil, impossível, talvez.
O filme prende a atenção e trás conflitos que necessitam ser relembrados de tempos em tempos.

Rafael Castanheira Parrode disse...

o problema não é o fato de 'Cisne Negro' ser bom ou ruim. Ele simplesmente vende uma idéia de bom cinema que simplesmente não existe. É mau cinema, que ao causar esse impacto, ao impressionar o espectador ele gera uma falsa empatia, uma catarse vazia. Acho que o argumento do filme poderia render coisas bem mais interessantes. Nas mãos do Aronofsky acabou sendo só mais um filminho qualquer.

Unknown disse...

Eu concordo com o argumento de que já vimos filmes "desses" ou que o filme não trás nada de novo, mas discordo de que isso implique em um resultado medíocre. Vincent soa como o clássico general/professor hollywoodiano tentando tirar o melhor de seu pupilo, o mundo de Nina passando por uma transformação e a câmera tomando o lugar do psicológico do personagem, etc. Tudo isso já foi visto sim. Mas as qualidades do roteiro, condução/estética do filme e atuações constroem um filme belo, forte, muito válido.

lisandro nogueira disse...

Temos na crítica de cinema a possibilidade de analisar um filme pela "temática" (ver livro de Jacques Aumont sobre a análise filmica). Como o cinema é uma prática social, esse tipo de análise é muito importante.

Os temas ensejam debates, mensagens, etc. Tudo isso muito importante para vida social e o cinema contribui com sua parte.

Por outro lado, sabemos que os filmes que vão além do "conteúdo-tema" são fundamentais. Um filme pode ter um tema forte, como "Cisne Negro", e ambicionar na Forma (estilo, etc).

Esses são os grandes filmes do cinema. Para não mencionar vanguarda ou cinema moderno, posso exemplificar com diretores/filmes da própria indústria: Orson Welles, John Ford, Irmãos Coen.

ps- a indústria é tão forte q pauta até nossas conversas boas e nossos ligeiros debates (rs,rs). Mas ela é só um ponto de partida.

Anônimo disse...

trouxa

Gildo Araújo disse...

Inácio Araújo já afirmou que a morte do cinema começou com Spielberg e George Lucas. Eu concordo.

Seu "livrinho" venderá pouco, pois é baratinho e muitos preferem serem explorados pela CosacNaify.

Fernanda disse...

Essa é boa, "explorados pela Cosac Naify", uma das poucas editoras brasileiras preocupadas com qualidade, com livros primorosos, acho que o cara não entende nada do mercado editorial brasileiro, muitos dos livros que eles lançam nem se paga direito, aff... No mais, concordo com o Inácio, gostei da primeira vez, mas o filme não resiste a uma segunda assistida.

Marcus disse...

Certamente longe de ser inovador, cheio de pretensões cheio de planos para grudar o espectador e deixa-lo sem fôlego, mas no geral, é fogo de palha, assim como seu realizador.

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