domingo, 10 de abril de 2011

Ricos e famosos ou o parque de diversões da tolice colorida.


Parque de Diversões

Jurandir Freire Costa

O psicanalista Jurandir Freire Costa examina como, no mundo dos ricos e famosos, a celebridade substitui a autoridade
Toda as vezes que o psicanalista Jurandir Freire Costa quebra o silêncio e lança um livro no mercado é impossível não dar ouvidos ao que diz. Os temas que aborda em princípio fincados no terreno em que é especialista guardam sempre uma relação estreita com o comportamento das elites brasileiras. Elite, aliás, é uma expressão que ele não gosta porque não acha que defina o que há de melhor no País. Mas, pelo entendimento comum, é ela, sem dúvida, o que define melhor o alvo que ele mira.
Para um país, como o Brasil, de modesto conteúdo de crítica e autocrítica, é uma pena que Jurandir Freire escreva livros com pouca freqüência. Mas ele acaba de lançar Vestígio e Aura:  Corpo e Consumismo na Moral do Espetáculo (Editora Garamond) e, uma vez mais, não quebra sua tradição. O livro é uma crítica crua e corajosa ao mundo das celebridades que vivem a vida, rindo e, às vezes, chorando, como se estivessem num parque de diversões.
Uma das conclusões de Jurandir é um disparo certeiro: Celebridade é uma tolice colorida.
A moldura desse mundo seria a moral do espetáculo. Ou seja, o comportamento de quem acha que está sempre brincando e, por isso, se considera sem compromisso com a ética. Como admite Jurandir, esta é uma situação que raia a irresponsabilidade social.
Para quem o acusa de pessimista, Jurandir Freire lembra, modesto, que fez apenas uma compilação do que disse uma multidão de pessoas e, principalmente, Hanna Arendt, que ele considera da matriz de suas reflexões. Mas também busca a companhia de Guy Debord, um pensador francês que formulou o conceito sobre a sociedade do espetáculo e que foi um dos fermentos das idéias que tomaram as ruas de Paris no fim dos anos 60.
Em entrevista a CartaCapital, Jurandir Freire encontrou uma síntese que parece precisa para suas preocupações: O meu interesse é mostrar que o que a gente sofre mentalmente tem a ver com o que a gente vive culturalmente. E o procedimento cultural das celebridades que tomou a vez da figura da autoridade tem impacto na vida das pessoas. É bom repetir: Jurandir fala, basicamente, do mundo dos ricos e famosos. E quando se refere à autoridade não faz referência ao guarda da esquina e, sim, a pessoas que pela estatura moral ou intelectual tornam-se referência da sociedade.

CartaCapital: O que é a moral do espetáculo?
Jurandir Freire Costa: O conceito é um pouco difícil até porque está em elaboração. Não é uma coisa sobre a qual eu já tenha toda a clareza. Ele foi tirado da idéia do Guy Debord sobre A Sociedade do Espetáculo. Essa sociedade corresponde a uma moralidade que eu chamei de moral do espetáculo, que tem, em essência, duas extensões bem claras. A percepção da vida como entretenimento e a idéia de felicidade como satisfação das sensações. Moralidade é o que tende a dar sentido à vida das pessoas.

CC: Essa moral do espetáculo, o senhor diz, privilegia a celebridade em detrimento da autoridade.
JFC: É um conceito-chave.

CC: É uma mudança definitiva?
JFC: Não acho que seja definitiva. Eu penso que a prática social crítica deve fazer tudo para reverter esse estágio. Então não considero que seja definitiva. Ela, inclusive, tem muita contradição que eu aponto no livro. Uma delas é letal. A celebridade, ao contrário da autoridade, é invejada, mas é profundamente desprezada. Invejada pelo poder social e desprezada pela nulidade moral. Não há nada que se mantenha com essa contradição.

CC: Qual a diferença básica entre uma autoridade e uma celebridade?
JFC: A diferença básica é que a celebridade se sustenta simplesmente na realidade do espetáculo. Quer dizer, é uma fantasia que se mantém exclusivamente pelo poder de sedução dos meios de comunicação de massa.

CC: Numa sociedade desigual como a brasileira, a troca da autoridade pela celebridade gera agravantes?
JFC: Acho. Uma sociedade como a nossa tem a característica de ter uma distância muito grande entre a prática das pessoas, o modo concreto de vida, e o mundo feérico da realidade espetacular. A percepção dessa distância gera, psicologicamente, um mecanismo de defesa muito importante, que é a tendência de a pessoa se contentar com a atividade de evasão, de alienação em relação a si próprio, e de encontrar, justamente no registro da fantasia, aquilo que se sabe ser impossível na realidade. Quanto mais longe a realidade social das pessoas está do mundo do entretenimento, maior será a tendência a se alienar. Quanto mais dificuldade ela vê para sair da vida dela para uma coisa melhor falo de progresso na realidade concreta dela, uma vida mais digna materialmente, socialmente, mais ela tem a tendência a se apegar à fantasia da realidade para encontrar sentido para a vida. Muita miséria � ao contrário do que a gente pensa, gera anomia, banditismo ou impotência e não revolta política organizada.

CC: E qual é o fundamento da autoridade?
JFC: A autoridade tem um pé na vida concreta das pessoas. Na reprodução do poder social, na organização concreta da vida familiar etc. etc. No mundo das celebridades, nada do que elas mostram é factível na realidade, e que aquilo mesmo é uma farsa, um cenário, uma encenação. A característica maior da encenação é que ela não tem nenhuma raiz sólida, não se finca no tempo. Passa de um dia para o outro conforme a moda.

CC: Em que contexto essa moral do espetáculo surgiu?
JFC: Os fatores que deram origem a isso são inúmeros. Modificação econômica, modificação no regime de trabalho, por exemplo. A pessoa tende a achar tanto mais que a vida-espetáculo é qualquer coisa verdadeira quando, na vida cotidiana do trabalho, ela começa a perder raiz familiar, étnica, política. É o que eu chamo de a criação do turista.

CC: Sua descrição estimula a pensar também na substituição do duradouro pelo fugaz... uma vida intensa e rápida.
JFC: Não acho que seja uma forma de viver intensamente. Acho que vivem de uma maneira rala. Não têm consciência do presente. São levados de roldão. Pensemos na questão do trabalho. As mudanças econômicas fizeram com que as pessoas não tenham mais pertencimento em relação à empresa, ao lugar.

CC: Um desenraizado na sua constatação.
JFC: Um desenraizado. Esse desenraizado não vai encontrar solidez nenhuma na realidade dele para poder ter valor. Vai haver uma afinidade eletiva entre o jeito que ele vive e a maneira como a vida é mostrada na mídia. Ou seja, a vida como entretenimento. Eu passo de um lugar para o outro, parece que tudo é possível, parece que as coisas não têm solidez. Isso entra em sintonia com a experiência concreta das pessoas, com a maneira como elas estão vivendo.

CC: O que tem ocorrido a partir da perda de noção de autoridade?
JFC: A autoridade se volatilizou nessa tolice colorida que é a celebridade. O que acontece com os adultos quando perdem a noção de que a responsabilidade com os filhos é deles? Dos pais. Mudanças dentro do contexto familiar têm havido. Tudo é possível. Só não se pode abrir mão do fato de que crianças e adolescentes vão ter de ter educação e proteção. E, até segunda ordem, quem deve cuidar disso é a família e a escola. O que pode ser visto como neomoralismo ou neoconservadorismo é, simplesmente, lealdade e fidelidade a princípios sem os quais eu não vejo como a cultura pode se sustentar.

CC: E a política como espetáculo?
JFC: O que mais me chocou quando vi o documentário do João Salles sobre a eleição do presidente Lula foi, exatamente, a mediação entre o militante Lula do ABC e o presidente Lula, em Brasília. Ele, militante, falava em nome do trabalho, interpretava aquele mundo e propunha alguma coisa. Era muito bonito, muito agradável de se ver. Ele falava em nome de uma classe, pouco importa. Depois é mostrado como candidato a presidente. Evidentemente, Lula tinha de sair da perspectiva de classe para falar em nome de todos os brasileiros. Essa é a obrigação e o dever de um presidente democrático. Acontece que quando ele vai falar começa a haver o filtro das conveniências publicitárias. Uma legião de pessoas o cerca: marqueteiros, especialistas em índice de audiência, especialistas em saber o que o povo quer, especialistas em imagem física, especialistas em elegância. Não importa o que o presidente ia dizer, mas, sim, se o que ele ia dizer soaria como verdadeiro. Do lado de cá o que se está preparando? Prepara-se o cidadão para dizer: �Não acredito. O mais corrosivo, o pior, dessa moral do espetáculo é levar a crer que não há em quem acreditar. Não podemos viver sem pessoas que a gente admire. Seja o pai, o professor, o político, o chefe.

CC: A sua descrição, a sua crítica, provoca um olhar saudoso para o passado...
JFC: Para um tipo de passado. Você tem razão. Não se vive sem tradição. Eu abro o livro dizendo isso. Eu olho para o passado fundador dessa cultura. Se eu quiser fazer outra sociedade me apresente essas outras fundações. Até agora não vejo. Meu olhar para o passado quer dizer que esse mundo foi cuidado para eu entrar nele. Para que eu entrasse nele com respeito existiram pessoas e instituições que eu admirava e contra as quais eu não levantava a mão nem a voz. Isso era qualquer coisa que inspirava confiança. Eles podiam, muitas vezes, ser opressores? Com certeza. Mas eu posso renovar essa agenda. Posso ser pai sem ser opressor. Eu posso ser marido sem julgar que a mulher é incapaz intelectualmente, politicamente. Nós podemos ser pais não sendo obrigados a conviver com a mesma família a vida toda. O que quer que eu faça não me permite lavar as mãos para o que vai acontecer depois de amanhã. Isso para mim é a chave do entendimento.

CC: Mas não há uma certa complacência generalizada com o passado?
JFC: Eu não tenho nenhuma complacência com a cultura burguesa dos sentimentos. Nem mesmo em relação ao amor romântico que todo mundo reverencia. Ele é classista, é portador de mais dor do que de alegria, como é uma ficção articulada a toda família burguesa no que ela tinha de pior. Não idealizo isso. Eu olho, sim, para o passado. Ele é a minha fundação e que me permite julgar tudo. Só com ele eu posso dizer: a família não está legal, a exploração econômica não está legal, essa religião fundamentalista autoritária não está legal. Esse é o código. É o formato e para existir esse formato é preciso que haja pessoas vivas que os encarne. Ninguém aprende ética por abstração. Eu quero saber onde estão os Barbosa Lima Sobrinho deste país, os Alceu Amoroso Lima, os Joaquim Nabuco, os Raymundo Faoro. Onde estão? Engana-se quem achar que podemos viver sem isso.

CC: São referências...
JFC: Eles forneciam modelos de autoridade para os restantes. Os nossos pais, em casa, podiam ser violentos. Mas encarnavam virtudes, por exemplo, de honestidade, do valor do trabalho, de compromisso com os filhos que faziam com que nós os respeitássemos. O pai de hoje quer ter a mesma idade e o mesmo horizonte do filho e, sobretudo, ele próprio não aponta a vida que leva como a vida que o filho deve ter como exemplo. Isso é o que eu acho horrível na moral do espetáculo. Alguém está sempre apontando para o meu filho, dizendo que ele não deve ser como eu sou, mas, sim, como são os personagens do espetáculo


[1] Revista Carta Capital, 20/05/2010.

13 Comentários

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