sábado, 16 de julho de 2011

Elogio aos Adultescentes



Harry Potter e o elogio aos "adultescentes"

Lisandro Nogueira

Gostei de ver a emoção dos adolescentes e jovens com Harry Potter: Sentimento sincero e paixão desmedida. Os temas universais do filme, amizade e bravura para enfrentar os obstáculos, são mostrados na perspectiva mais próxima de quem vive os dilemas da passagem para a vida adulta.

A fantasia é, digamos, um recurso potente para enfrentar as questões mais sérias e dramáticas que aparecem depois dos 12 anos: a sexualidade e a certeza da morte – após os 12 anos é impossível não pensar seriamente nela.

Precisamos da fantasia para suportar a dor da existência. E os adolescentes, mais do que ninguém, sabem buscar, nesse universo, recursos impressionantes para enfrentar o "horror" da vida adulta.

Harry Potter lança mão de todas as fantasias e elas são ampliadas com os recursos das imagens digitais.
O jovem herói enfrenta todos os obstáculos e, no final, vence completamente. Vejo um problema: o mal, Valdemort, deveria ter um papel menos previsível. É ele que apresenta o mundo para o adolescente medroso. Seu personagem poderia ser mais denso e mostrar para Harry que o mal não é sempre o outro. O mal está presente em todos nós. Nesse sentido, o filme é maniqueísta ao extremo. 

Harry Potter faz a representação do rito de passagem com imagens belas e impressionantes. Todavia, ao escolher uma narrativa bem previsível, sem o adensamento que o faria sofisticado, ele "esconde" o Mal.
O mal não é somente o adversário, o inimigo do outro bairro ou o professor malvado. Com essa narrativa maniqueísta os adolescentes do mundo contemporâneo ampliam ainda mais seu narcisismo frouxo. Sem refletir sobre o mal "em si", o adolescente vai achar que não pode ser responsabilizado futuramente pelas suas ações. Com isso, passará toda a sua existência responsabilizando os outros pelos seus infortúnios.
O resultado: a impressionante fornada de "adultescentes" (adultos que não querem crescer e se responsabilizar pelo seu próprio destino) após os anos 80.

Frágeis, medrosos e infantis, passam a vida se queixando de alguém – mãe, namorada, amigos, instituições. Sem coragem para enfrentar os problemas próprios da condição humana, preferem jogar a bola para os lados e jamais enfrentam os zagueiros do mundo. 

Desta forma, se machucam menos, pois não se arriscam. Por outro lado, não fazem gols. Ou seja, o jogo termina sempre no empate. É um jogo pobre, lamentável. Há pouca celebração, pouco gozo fecundo.
Harry Potter é magnífico com suas imagens fantasiosas, mas é limitado. Infelizmente, ajuda a transformar os adolescentes em futuros "adultescentes".

27 Comentários

José Abrão disse...

Olha, de fato, Harry Potter é manequeísta, mas a maior parte de séries do gênero o são. Um dos motivos é que são feitas para todas as idades, não adianta botar traição e personagens multifacetados se boa parte do público-alvo não vai compreender. Porém, eu acho que a saga compensa com o desenvolvimento de personagens, além destes serem bem construídos. Porém, isso não fica evidente nos filmes, já que um personagem que demora umas 800 páginas pra se desenvolver fica reduzido à duas horas de projeção. Mas acho que o maior trunfo de Harry Potter é, como você disse, a passagem de valores universais. Olha, pode ser saudosismo meu, mas eu não vejo a molecada pós anos 2000 recebendo valores e informações do mesmo jeito que eu recebi nos anos 90 ou meus primos com o Optimus Prime e as lições do dia do He-man nos anos 80. Pra mim, Harry Potter tem toda a pegada dos anos 90 e acho legal um blockbuster que arrebanha esse tanto de gente passar esses valores. Falando ainda de manequísmo e valores, devemos lembrar que outras grandes sagas de fantasia fizeram o mesmo e são igualmente marcantes, como a recente trilogia d'O Senhor dos Anéis e a trilogia clássica de Guerra nas Estrelas. Os personagens bons vencem todas as adversidades para destruir o Mal absoluto. Por mais simplista que sejam, não se tornam narrativas menos marcantes. E eu acredito também que a fantasia segue passos, principalmente na ficção-científica, mas deixe-me ilustrar melhor: O Hobbit, por exemplo, é um livro claramente infantil, já sua sequencia direta, O Senhor dos Anéis, não é bem assim e se você pegar As Crônicas de Gelo e Fogo, que acabam de ser publicadas no Brasil, você já atinge um patamar narrativo completamente adulto e amplamente complexo, com todos os problemas da vida adulta, personagens volúveis, vários pontos de vista e em que não existe o bem nem o mal. A mesma coisa que acontece com esses livros, creio que aconteça com os filmes. São para maturidades diferentes, níveis diferentes de experiência, tendo assim, níveis diferentes de complexidade.

Jimmy Leão disse...

Válida toda a crítica porém, vale incluir algo que não foi mencionado, que é, a Amizade entregue, verdadeira que é demostrada tanto no filme quanto nos livros.

Harry Potter, assim como a personagem Bella de Crepúsculo tem a síntese de "fraquezas" onde uma grande gama de pessoas podem se identificar e, diante de tantos que o "sufocam" como todo adolescente se sente sufocado, existem dois amigos que arriscam suas vidas, suportam os seus defeitos, brigam, aconselham, dizem verdades desconfortáveis, mas, continuam amigos.
Essa amizade plena é algo de cobiça, que talvez alguns nunca chegam a conhecer, e quem conhece é extremamente identificável (bastam perguntar a importância deles que logo os olhos marejam e a voz se embarga)Essa amizade é... (sem palavras)

lisandro disse...

boa noite! Jimmy e Zé Abrão, muito os comentários de vocês. Completo agora 30 anos em sala de aula. Fico muito preocupado com a "Adultescência". Concordo com vocês em grande parte. Só tenho uma questão: tanta fantasia atrapalha ver o tom real do mundo?

José Abrão disse...

Olha, aí eu acho que depende muito de cada um e de uma questão séria de maturidade pessoal. Nem é pela fantasia, é ser "fã". Do mesmo jeito que tinha gente que chorava e ficava louco quando via o Michael Jackson, o mesmo acontece com Harry Potter, por isso acho que a culpa não pode ser posta na obra. Sempre gostei muito de Harry Potter, mas isso nunca me impediu de ver erros ou achar defeitos, a mesma coisa com Star Wars, que tem defeitos ENORMES. Mas, em ambos os casos, para esses fãs mencionados, questionar qualquer coisa das obras é uma heresia. Portanto, cabe à pessoa e a uma série de questões pessoais.

Fernando Quirino disse...

A preocupação com a adultescência é válida em um ponto sociológico de que estamos evoluindo para a geração "tween" (como dizem na mídia) onde adultos tentam reviver momentos lúdicos infantis e adolescentes se infantilizam cada vez mais. Veria como nada mais do que um movimento de contra-controle as opressões que sofremos diariamente e cada vez mais crescentes por conta do que se desenvolve na "correria", ou "cotidiano", ou mesmo "lógica capitalista", chame do que quiser o fenômeno mais atual das últimas décadas.

É bom entender que isso talvez seja realmente por conta do que um dos comentários observou. Onde estão as obras que nos dão a "moral do dia" como He-man, ou a idéia de fraternidade, amizade e lealdade de Caverna do Dragão (maldita Uni hahaha), ou o conceito de honra e heroísmo de Optimus (dos 80, o de hoje dá tiro na cabeça e nem pensa duas vezes)? Talvez a necessidade de obras com esse tipo de teor dualista dicotómico (bem vs mal, exteriorizados e definidos) sempre serão necessários, especialmente em uma sociedade com crise literária, de criatividade e emocional como a nossa de hoje. Talvez Harry Potter possa parecer pobre para nós, mas por mais pobre que suas referências dicotómicas e clichês possam parecer, são melhores do que largar crianças, adolescentes e adultos (infantilizados ou não) orfãos de referência sobre o que pode ser bom e mal nos dias de hoje, mesmo que seja numa obra lúdica. Já que a babá da minha geração foi a TV e a da geração atual é a internet.

Seu sucesso talvez seja o contra-ponto da repressão imposta pela "falta de tempo", cada vez mais presente e que tenta nos impedir de refletir. Porque, se pararmos para pensar, antes Harry Potter do que "Atirei o Pau no Gato" versão censurada. ;]

Anônimo disse...

Gostei do texto e da reflexão. Parabéns!
Herondes

Rodrigo Cássio disse...

Fernando Quirino, penso que a pobreza estética de uma obra jamais deveria ser justificada pela pobreza de experiência de uma sociedade. Isso é como dizer que uma sociedade frágil PRECISA de obras frágeis, quando a única coisa que o bom senso nos levaria a concluir é o contrário: quanto mais frágil uma sociedade, mais ela precisa de obras potentes e ricas. Não?

Fernando Quirino disse...

Em primeiro lugar, discordo totalmente do quesito "pobreza estética" da obra, já que julgo ser um conceito deveras severo para um lugar em que há apenas algumas falhas e não uma verdadeira "pobreza", a não ser talvez pelo fato da interpretação de certos espectadores/leitores.

Além disso, não acho que a sociedade deva baixar os padrões estéticos em reflexo de sua própria pobreza e não eram fatores de riqueza e pobreza os quais estava colocando no comentário e sim o fato de que a sociedade precisa sim de certos momentos que impõe um espaço para se pensar "o bem e o mal", por mais que possa parecer "pobre" para uma pequena parcela dessa sociedade, as vezes explicar o que nos parece óbvio se faz necessário. Certo didatismo envolvido nisso não pode ser desconsiderado já que em gerações anteriores tivemos esse "rito de passagem" que em momentos pode ser avaliado como desnecessário, mas em retrospectiva pode ser exatamente o que nos falta atualmente. A questão não está na pobreza da obra e sim na necessidade social que se apresenta e não em julgar que devamos empobrecer ou enriquecer nossa produção cinematrográfica, mas que esta serve a diversos propósitos, em diversos momentos e para diversas pessoas. As vezes podemos apenas refletir, as vezes alienar, as vezes até teremos dificuldade em digerir e as vezes sim teremos nada disso e seria algo esvaziado de significado e sentido. O que vejo é que Harry Potter não cai nessa última categoria de forma nenhuma e, na verdade, acredito ser muito mais enaltecedor do que muitas obras ditas "reflexivas" atualmente.

Anna Toledo disse...

Realmente para uma sociedade frágil como a atual, obras com valores e conteúdo são necessários... entretanto, agradar essa nova geração está cada vez mais difícil.
Sem generalizar, hoje os adolescentes não acham "legal" a antiga literatura, o cinema, a música... enfim, a cultura que ajudou a moldar o caráter e os valores da geração que hoje são exemplos a se seguir. O jovem não se interessa mais por "Dom Casmurro" "MPB" ou como citado acima "He-man", para eles estes exemplos são ultrapassados.
Mesmo que seja pouco, Harry Potter seria um dos poucos bons exemplos que atingem o novo público alvo tendo alguma boa mensagem.
Sei que hoje é preciso de "obras potentes e ricas", mas não basta a sociedade oferecer conteúdo(até por que os mesmos filmes e livros de décadas atrás ainda estão, mesmo apagados, na mídia)os jovens precisam se interessar por ele e para que goste de algo melhor que "sexta-feira treze" o jovem deve ser educado desde a infância para saber o que é melhor para si.Se, infelizmente(mesmo gostando do livro/filme), Harry Potter for uma opção "light" comparado ao passado, ainda merece respeito e não necessariamente dizer ser "limitado".
Não se pode dizer que o filme é o vilão criador de adultescentes, pois se o jovem não sabe distinguir o real do fictício, o que deve ou não fazer e ter maturidade para aceitar seus problemas e resolve-los, então cabe a sociedade opressora e principalmente a família protetora ao extremo, saber lidar e corrigir aquilo que ela mesma criou, afinal, quem não aprendeu que filmes de ficção não mostram a dura realidade, não foi por causa de si mesmo, mas seu "professor" que não lhe ensinou corretamente.
O filme não demonstra explicitamente que o mal está dentro de si ou que o bem sempre vence, mas se analisarmos, desde o inicio Harry sabia que havia um ligação entre ele e Valdemort, o "mal", sempre superou desafios e enfrentou seus próprios problemas, mesmo com medo e sofrendo consequências,fase que todos o jovens passam. Ao decidir se sacrificar pelo bem maior, não sabia que sobreviveria, então não teria certeza que o bem triunfaria e mesmo que sim, em sua ideia iria morrer e, claro, com protagonista morto não seria um 'bem" completo. Sem falar que mesmo tendo terminado bem, houve muitas perdas o que mostra que sacrifícios são necessários para um 'final feliz".
...
(ps:Confesso que seria interessante se harry morresse no final, sempre gosto de final dramáticos e seria algo esperado e ao mesmo tempo inesperado de J.K. Rowling...mas este é um filme para todas as idades, então acho que seria meio "pesado" para uma criança.)

Rodrigo Cássio disse...

Então o que precisamos não é de filmes esteticamente pobres, mas de filmes que até podem parecer pobres, e no fundo nem importa se são ricos ou pobres, desde que cumpram o papel de nos explicarem as coisas mais óbvias que já não nos são explicadas por outros meios? Nesse caso, a coisa óbvia a ser explicada é que o mundo se divide em Bem e Mal? E, ainda nesse caso, um filme dividir o mundo em Bem e Mal é algo que não interfere em suas qualidades fílmicas? (Não poderíamos dizer, por exemplo, que o filme é pobre por recorrer intensamente a essa dicotomia?)

Isso tudo soa para mim do seguinte modo: precisamos de algo ou alguém que nos diga o que é certo e errado. Ok, pode ser aceitável! Mas soa também assim: uma indústria extremamente poderosa, que direciona todas as suas ações para a obtenção de lucro, tratando o público como consumidor, deve ser a responsável por nos dizer o que é certo e errado. E aí, olha, eu já começo a me sentir bastante incomodado.

Fernando Quirino disse...

Se vamos discutir a "malefica indúsitria cultural" nos direcionando e dizendo o que pensar, então nem mesmo outros tantos exemplos muito mais ricos e detalhados esteticamente vão passar pelo crivo de aceitação, já que já faz muitas décadas, talvez séculos, que uma obra não surja tocada pela indústria cultural e disseminada pelo globo.

A questão acho que não está na conspiração sociológica capitalista de perverter nossas mentes dizendo o que é certo ou errado, mas no fato de que é legal discutir que não temos os fundamentos básicos sobre essa discusão dentro de nossas próprias formações para discernirmos isso propriamente e deixarmos esse vácuo para ser preenchido por obras como Harry Potter, que não é o vilão aqui, mas simplesmente uma obra literária que tenta preencher esse vazio. O filme não gerou os adultescentes e não vai doutrinar ninguém no que é certo ou errado, é apenas uma ferramenta de adequação, assim como várias outras, inclusive muitos filmes amplamente elogiados nesse blog. Acho que o caso é não ser extremista.

O filme tem suas limitações? Claro. Dizer que o "mal foi derrotado" ou que "fulano é o mal" é no mínimo simplista, mas "não joguemos o bebê fora com a água suja", como já diria a anedota medieval. Não se joga fora uma obra responsável por despertar curiosidade literária em milhões de jovens no lixo, porque não é Dom Casmurro. Acredito que estamos em um nível de crise criativa tão emergencial que não podemos nos dar a esses preciosismos, e o que entendi do texto do Lisandro, e até concordo, foi isso. Apesar de ser uma obra magnífica, tem suas limitações. Nesse ponto concordo, somente discordo na hora de "apontar os culpados", o que acho que não foi o intuito dele no texto.

Aprovar Harry Potter como uma opção válida culutral para todas as idades não é ser puramente conivente com a situação socio-econômica opressora imposta sobre nós, apenas reconhecer o valor de uma obra que tenta despertar o gosto pela leitura... mesmo que seja por alguns trocados.

Rodrigo Cássio disse...

Fernando, é verdade que hoje pouquíssimas obras não são produzidas, em alguma medida, passando pelos mecanismos da indústria cultural. Mas isso, por si só, é menos maléfico do que acreditarmos que filmes como Harry Potter podem suprir carências na formação das pessoas. A indústria cultural não é poderosa porque produz e vende seus filmes; ela é poderosa porque propaga comportamentos e ideias, inclusive a ideia de que filmes frágeis e pouco sofisticados podem preencher o "vazio" da nossa experiência social.

Você mesmo diz: o filme é uma "ferramenta de adequação". E ela nos adequa a quê? A um mundo que passa por uma "crise emergencial". Em matéria de Harry Potter, estou com o Harold Bloom: a situação é desesperante http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u30244.shtml

Rodrigo Cássio disse...

Um texto do Bloom sobre o sucesso de Harry Potter, que cai bem nesse debate: http://www.boston.com/news/globe/editorial_opinion/oped/articles/2003/09/24/dumbing_down_american_readers/

lisandro nogueira disse...

Caros amigos,

Como professor há trinta anos (sala de aula prá valer -rs) sempre procurei pensar o processo de formação passando primeiro pelas obras mais "palatáveis". É um dos melhores métodos. Já tentei outros.

Portanto, vejo sempre com simpatia a idéia de iniciar adolescentes e jovens com obras que eles gostem de cara. Harry Potter é um exemplo. Certamente ele contribui para que mais jovens se iniciem no processo de leitura. O mesmo exemplo pode ser conferido no cinema.

Entretanto, com o passar dos anos, descobri que esse começo é "apenas um começo". Harry pode incentivar nossos adolescentes/jovens para que gostem de leitura. Mas o entorno, o contexto (a casa, a escola, a sociedade) são fundamentais. Infelizmente, a maioria não passa do "estilo Harry". O contexto não ajuda e esse "estilo" passa a ser a referência maior - é assim tb. no cinema.

Quando fiz a crítica ao filme pensei exatamente nisso. Na escola pública os professores incentivam ler Harry - e não estão errados. É uma tentativa desesperada (rs) para formar a rapaziada. Há anos tb. sigo esse método "desesperado" (rs). Alguns vão além de Lucas/Spielberg. A maioria, infelizmente, não avança para obras mais complexas. Isto porque, o entorno não ajuda - os pais são incultos e não valorizam obras de arte, as escolas e professores são despreparados e a tal indústria cultural reina no processo.

Voltando ao Harry. Por ter uma narrativa bem palatável, eu começaria, com ele, um curso de cinema para adolescentes. Teria pedagogicamente, talvez, uma grande aceitação para iniciar um grande processo - quem sabe chegar no cinema moderno?

Mas, vivendo no Brasil, minhas chances de ir além, com esses adolescntes, seria limitada.

Outra questão: por ser assim tão simples, Harry contribui, sem dúvida, para o fenômeno da adultescência. Sem adensamento, sem leitura visual dirigida, o filme cresce magistralmente como um meteoro visual/melodramático. E eu sei, ao longo desses anos, da força extraordinária de filmes que misturam o melodrama canônico e os efeitos especiais.

Sem obras que os auxiliem no amadurecimento, os jovens chegam na vida adulta desamparados para enfrentar o caldo duro da vida (Vida bela, porém, trágica e muito cruel. Daí o estabelecimento da "adultescência".

Para terminar: com Harry eu como um pedaço de bolo confeitado (quem não gosta?) e fico feliz e emocionado. Porém, jamais vou comer outras iguarias mais sofisticadas. Vou ficar sempre feliz e pobre em termos culinários. Para ir além é preciso esforço pessoal e o contexto deve ser outro. Vamos abrir quitandas sofisticadas....(rs)

Fernando Quirino disse...

Lido o texto, acho que o nível de investimento emocional do senhor Bloom depois de ter visto seus amigos perderem um prêmio de reconhecimento para Stephen King estava um pouco acima do normal para uma crítica mais imparcial do processo literário (e porque não, cinematográfico) necessário. Esse pseudo-eruditismo de uma certo secto da escola americana pode ser prejudicial se não lido com cautela. No mais, realmente existe uma certa verdade em dizer que obras de uma mesma era realmente levam a outras obras de uma mesma era. Atestando o óbvio com palavras elquentes não torna menos óbvio, ou ao menos inteligente.

De qualquer forma, acredito que a analogia as artes gastronômicas que o Lisandro fez são mais do que adequadas. Iria mais além ainda do que um bolo confeitado. Harry Potter, assim como outras obras cinematográficas americanas, podem ser comparadas com alguns deliciosos fast foods, que apesar de calóricos e prejudiciais, tem sim seu valor gastronômico de paladar. Nada disso impede realmente que alguém vá degustar uma boa culinária tailandesa, indiana, japonesa, ou francesa, que tem também seu valor. Ou mesmo pratos requintados que independem de nacionalidade, mas sim recebem toda uma carga cultural na escolha de seus ingredientes e um paladar mais perspicaz para reconhecer a astúcia utilizada no seu condimento ao invés de cara feia ao ver que se "misturou doce com salgado ou azedo". Não devemos viver só de arroz e feijão, só de escargot e sashimi ou só de burger king. Acredito que existe um equilíbrio em tudo que é produzido e que também há espaço para o giló na mesa das crianças. Tudo questão de educação formativa apropriada e Harry Potter com David Yates tem sua parcela nisso também, não apenas Edgar Allan Poe e Felini.

Fato, devemos ensinar nossas crianças o prazer oculto das verduras ;)

Rodrigo Cássio disse...

Fernando, será que vale a pena comemorar a existência de um Harry Potter e situar Harold Bloom em um secto de "pseudo-eruditismo"? Bloom é um "pseudo"?!? Aí, não! Isso é recorrer a uma falácia ad hominem: desqualifica-se o autor do argumento em vez de responder aos próprios argumentos.

Nada do que Bloom diz vai contra o que se defende aqui. Ele apenas opta por um ponto de vista mais direto e franco em relação aos livros de Harry Potter. Bloom diz: essa é uma literatura de péssima qualidade e as crianças e jovens estão deixando de ler os bons livros que as formariam melhor.

Concordo com o Lisandro: os professores não devem deixar de trabalhar com o Harry Potter! Mas é preciso usar luvas ao pegar em seus livros, como o Nietzsche usava ao ler a bíblia. (Perdoem essa comparação estranha, mas foi irresistível! rss).

Com certeza, as crianças devem ser formadas em um processo, passo a passo. Uma criança não precisa ler poesia concreta ou assistir Godard. Nada disso! Mas daí concluir que qualquer coisa "feita para as crianças" é boa e conveniente para a sua formação? Isso não seria o decreto da nossa obrigatória passividade diante da indústria? Um discurso de resignação muito conveniente para continuar alimentando a maquinaria que mantém o nível desses produtos (filmes, livros) lá embaixo? Só alerto para isso nos meus comentários.

Abraços aos amigos.

Fernando Quirino disse...

Acredito que o ponto de vista de Bloom está bem diferente do que se está discutindo como opção aqui, ao ponto do radicalismo e não acredito que uma posição tão radical pertença a uma pessoa realmente dominada por uma posição conceitualmente intelectual. Daí o fato de se considerar "pseudo", pois os títulos, trabalhos e reconhecimentos nada valem se não condizem com uma posição se esta não se mostra no mínimo sensata.

Em relação aos argumentos, discordo que se deva colocar tais obras como um tipo de "praga" cultural já que se desconsidera uma boa parte de seu valor em detrimento do que é "certo", "correto" ou "melhor" para a formação infanto-juvenil. Conceitos por deveras subjetivos para se tornar como fato sem debate em si. O que decide como pior, incorreto ou pior para esse caráter formativo? O fato de ser comercializado amplamente? O fato de ser promulgado pela indústria cultural? Joga-se fora tudo que pertence a determinado rótulo sem uma análise de seu valor como obra e factualmente no desenvolvimento (e porque não, entretenimento) de diversas "crianças" de todas as idades?

Isso sim que gostaria de deixar alerta quando se alerta para se "queimar certos livros" por não serem bons o suficiente. Existiram outros movimentos assim, que julgaram livros ruins demais para serem manuseados, apesar do apreço popular.

Fernando Quirino disse...

E perdão pelos erros, a dor de cabeça pegou forte aqui.

Rodrigo Cássio disse...

Sou formado por professores que nunca consideraram que o "certo", o "correto" ou o "melhor" são conceitos deveras subjetivos. Ainda bem!! Porque, de fato, eles não são.

Bloom também sabe disso. Por isso ele tem bagagem e competência para afirmar que Harry Potter é má literatura. Qual o problema com essa contundência? Será mesmo que Bloom não leva em conta "o valor como obra" do Harry Potter? Ora, mas isso é justamente o que ele faz! Leu a obra e concluiu que ela tem pouco ou nenhum valor literário.

Por qual motivo deveríamos ser "moderados" e "equilibrados" diante de uma obra ruim? Será que o Bloom está querendo queimar os livros do Harry Potter? O radicalismo equivocado estaria nessa reação ao crítico, não na verdadeira intenção dele. Até onde sei, Bloom não andou queimando livros por aí, nem motivou ninguém a fazê-lo.

Qualquer um que tenha uma posição minimamente firme contra a indústria cultural, hoje em dia, é cobrado por não ser "razoável". Enquanto isso, Harry Potter ocupas 17 salas de cinema em Goiânia, e não há sequer três filmes de boa qualidade no circuito comercial. Isso não é um "radicalismo" da própria realidade? Ou os distribuidores podem ser radicais, e os críticos não?

Filmes feitos sob medida para o consumo, acompanhados do refrigerante e da pipoquinha, podem até agradar um espectador mais exigente, em um dia de dispersão e esquecimento de si mesmo. Mas isso, para mim, não é cinema. Para o Bloom, do mesmo modo, um livro de Harry Potter não é literatura. Acho que não é justo sermos acusados de "incendiários" por isso.

Fernando Quirino disse...

Fica complicado quando se tem que explicar os próprios conceitos de analogia, mas... Também complica quando não se compreende que os conceitos de "certo", "errado" e "correto" não se aplicam a moral mas ao julgamento didático que se faz de obras de forma precipitada e tão infantil, mas em outros aspectos, quanto a alguns dos leitores mirins. Um conceito específico do termo "julgamento didático" já me incomoda profundamente, mas isso é para outro debate.

E realmente, moderação e equilíbrio são altamente superestimados atualmente. Para que ser moderado e equilibrado quando a indústria não o é? Abriu o precedente, aproveitemos. Escalonemos se possível, sendo ainda mais intransigentes e radicais. Talvez seja essa a saída, não é mesmo?

De qualquer forma, acredito que o assunto desvirtuou das vantagens e desvantagens do filme para uma questão de estigmatização e condenação, e como não pretendo cursar as artes jurídicas...

lisandro nogueira disse...

Caros amigos,

Vamos valorizar o debate - cada dia mais menosprezado nas universidades e na mídia. O mais importante é manter o diálogo e aproveitar o ensejo para o enriquecimento de todos. Os argumentos são bons, de lado a lado, e é normal uma certa exasperação passageira.

Rodrigo e Fernando estão realizando um bom debate e isso, acima de tudo, deve ser valorizado e respeitado por todos nós - e por eles, certamente.

O olhar a respeito de um filme depende muito do ponto de vista e das referências, ou seja, das nossas filiações teóricas e até mesmo afetivas (lembro aqui o italiano, Luigi Payreson).

Se nos filiamos a Edgar Morin vamos ter uma enorme condescendência com filmes de mercado (O homem e o mundo imaginário); se a afinidade é com os Estudos Culturais, vamos sempre nos reportar aos britânicos Hall e Raymond - talvez eles quisessem problematizar "Harry Potter" na chave que dá enorme importância a autonomia do espectador em negociar os sentidos com a obra; André Bazin e seus comentadores já responderiam negativamente à pletora de malabarismos imagéticos de Potter, ou seja, com os realistas Bazanianos, chance alguma.

David Bordwell talvez relativizasse, como Morin, tb. chamando a atenção para a complexidade da relação entre a obra e o espectador. Por outro lado, os Frankfurtianos problematizam bem e não aprovam as grandes produções da grande indústria cinematográfica.

Harold Bloom, canône teórico da literatura, não suporta as obras mercadológicas e nem as obras oriundas do submarxismo "politicamente correto". Ele é o principal crítico (me lembro também, agora, de Russel Jacoby e seu excelente "Os últimos intelectuais")da decadência do debate nas universidades americanas.

Desta forma, vale sempre lembrar que a leitura da obra (qualquer obra) requer senso crítico, filiações teóricas sólidas e a abertura necessária e importante para acolher outras e diversas interpretações.

Assim vamos formando nosso juízo crítico e, o mais importante, criando parâmetros cada vez mais sólidos para contribuir na formação dos jovens e adolescentes.

Rodrigo Cássio disse...

Fernando, eu não falei dos conceitos de "certo", "correto" e "melhor" em um sentido moral (ainda que em outro sentido eu veja a crítica da indústria cultural como uma atitude ligada à moral). Por que achou isso? Eu também usei esse termos pensando no juízo sobre as obras, seguindo a linha da sua tentativa de argumentação. Citei em especial o "melhor". Se lhe entendo bem, você afirma que uma obra "melhor" ou "pior" é algo que se define deveras subjetivamente, e por isso o Bloom não poderia ter razão ao dizer que certa literatura infanto-juvenil é melhor que Harry Potter na formação de alguém. Para mim não é assim. É necessário propor o "melhor", como faz o Bloom. Fica difícil falar em crítica se relativizarmos os juízos ao extremo.

E talvez por conta dessa relativização há uma resistência, no ponto de vista dos seus comentários, ao que o Bloom tem a dizer. Pois também fica difícil emitir um juízo negativo sobre uma obra, como faz o Bloom, e ouvir do seu interlocutor que você está querendo queimar os livros de que não gosta! Fica difícil dialogar propositivamente se quando eu falo em juízo crítico sou interpretado como um inquisidor ou um ressentido. Será que já não é possível a diferença? Todos precisam ser "moderados"? Ou seja, todos precisam dizer: "Oh, sim, sim, eu não gosto da obra, mas tudo bem, tudo bem, ela tem o seu 'valor'...". E se não vejo ali nenhum valor? Devo me calar?

Aí alguém diria: Mas Harry Potter é a diferença! Você não está sendo resistente a ele? Responderia que não. Harry Potter não é a diferença, mas a norma. E é como norma que ele se impõe ao consumo. É também como norma que ele pode ser entendido em sua especificidade, e daí, sim, em sua diferença para com o bom cinema. Do meu ponto de vista, a única maneira de ser justo com Harry Potter é dizendo o que ele é, ou seja, má literatura.

Essa discussão é meta-crítica. Há questões levantadas sobre a própria atividade da crítica. Ela só não é útil ao tema das vantagens e desvantagens do Harry Potter se reduzimos a crítica a um exercício de "intransigência". Aí sim não há o que debater, nem o que criticar.

Elaine Camargo disse...

Professor, há quanto tempo? Que maravilha de debate. Estou adorando.

Anônimo disse...

Não há de negar, que o filme traz mensagens produtivas, mas são passageiras. Este filme é divertido para se ver e esquecer.

Não fará muito efeito o que vou dizer, talvez nem um, mas para mim, acho que será um pequeno passo e alguém vai concordar comigo. Mesmo que não.

Os adolescentes não são confiantes. Não acreditam em si, verdadeiramente em si. Não existe perfeição (clichê), mas existe a sabedoria de que pode-se melhorar.

Tive a oportunidade de conhecer alguns fãs do Harry, todos o têm como exemplo a se seguido. Menino inteligente, bom, sentimental, mocinho. Com o tempo, estas características se tornam parte do adolescente. Isso é bom.

MAS, vi também, que outros fãs da série, mesmo gostando do Harry, se viam e eram mais ligados aos personagens do mal. Exemplo é aquele menino loiro que não gosta do Harry. Mas o que isso importa?

Esses meninos eram mais despojados, não estavam fantasiados, conversavam bem, comandavam o grupo, inclusive o Poter da turma.

Este tipo de filme, faz dos jovens, jovens sem opinião firme e confiante. Resumindo, é um filme fútil

Anônimo disse...

acho que essa história de adultescência... essas coisas, vocês tão muito querendo uma coisa que já não mais existe. O adulto de hoje é esse - moleque. Tá pior? Não... Tá melhor, também não. E quanto ao Harry Potter; estética literária pequena, faz o uso extensivo da linguagem persuasiva, cinematograficamente responde a hollywood e suas multidões. Fiquei com preguiça de terminar os argumentos...

Anônimo disse...

Prefiro ir ver o filme do Pelé

Minha conta no blogger disse...

Olá professor Lisandro!
Meu nome é Solange e preciso de um favor ser, imediatamente. Vou fazer uma apresentação na Facu dia 8 do 11 e gostaria que você me enviasse alguma arquivo sobre HARRY POTTER e O ACERTO DE CONTA COM O PAI, contextualizado com a FASE DA ADOLESCÊNCIA.
Desde de já agradeço, beijos e até!

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