sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Apenas o fim (em cartaz)





Filme de jovens e o frescor da novidade

Almiro Franco*


         Um relacionamento termina. A garota (Erika Mader) decide fazer uma viagem, sem revelar o destino, e deixar Antônio (Gregório Duvivier). Eles têm apenas uma hora para se despedir, pelo que explica a namorada. O filme de Matheus Souza vai acompanhar o casal durante esse período e toda ação será movida por diálogos. A conversa acontece durante um passeio pela universidade em que os dois estudam.


         Apenas o fim é um filme de estudantes, de jovens. É resultado de um trabalho para o curso cinema da PUC – Rio. O diretor, que também escreveu o roteiro, resolveu a falta de recursos de maneira competente. Decidiu gravar a maioria dos planos em locações externas, convidou amigos para representar os papéis, e estruturou sua história de maneira que pudesse ser comunicada pela fala de pouquíssimos personagens. É tecnicamente bem realizado: câmeras, cortes, continuidade, iluminação, trilha sonora. Contudo, não impressiona como filme. É mais uma boa iniciativa, um esforço criativo que sentimos vontade de elogiar. 


         Souza imagina diálogos bem humorados, consegue armar alguma naturalidade, mas as conversas entre o casal não passam sempre agradáveis. Existe um movimento mínimo sobre um mesmo assunto (o namoro) e as constantes perguntas, de parte a parte, sobre o que um e outro gostam, desgostam, preferem, os gracejos afetivos, podem distrair por alguns minutos, mas depois de muitos, é difícil manter a boa vontade. O filme “pára” muitas vezes: depois de alguma tirada, alguma provocação, novamente começam os protagonistas com o mesmo que tinham antes, é como se tivéssemos a frente aquele interlocutor inconveniente que volteia assuntos desnecessários, sem nenhuma intenção aparente, e nos atrasa algum compromisso. No nosso caso, o interlocutor inoportuno é o próprio filme com muitas falas que demoram o desenvolvimento do encontro derradeiro. 


Aliás, existe um tipo assim no próprio filme. O amigo de Antônio, Lincoln (Álamo Faço), faz um personagem que deveria parecer engraçado para o expectador e chato para os personagens, mas termina irritante para qualquer um. Nathália Dill que interpreta Tayara, outra amiga de Antônio, também soa enfadonha com a sua imitação de algum tipo imaginado de universitária, lota sua prosódia com gírias tolas e chatas de ouvir. Gregório Duvivier fecha a aporrinhação com insistentes repiques em sua fala a cada início de oração, como se o conjunto: sujeito sensível, um pouco atrapalhado e inteligente precisasse de um quarto e obrigatório elemento: a gagueira. Salva-se Erika Mader, que não incomoda a beleza frívola de sua personagem.


         Pois bem, se conseguimos relevar esses “contratempos”, esses aborrecimentos, é possível encontrar uma direção, uma intenção honesta e até confessional na história. O diretor coalha seu filme de referências ao universo pop contemporâneo. E elas são exatas, divertidas, desenham com mestria um tipo de jovem, um tipo social que apresenta posturas muito específicas em relação ao conhecimento de temas aprazíveis e leves. Convertendo esses temas em “perícias”, em maneiras de enunciar um discurso, em comportamento. Sem dizê-lo de início, sem usar apressadamente uma legenda o filme deixa claro que o protagonista é um representante desse tipo social, e já depois de alguns minutos o expectador sabe do que se trata e teria vontade de dizê-lo: Antônio é um nerd. A um momento do filme, Duvivier chega mesmo à referência explícita. Um dos sites preferidos pelo personagem é chamado Jovem Nerd, endereço real na rede. Essa perspicácia em localizar tão bem esse jovem em seu único e efêmero tempo, com naturalidade, é o mais apreciável dos atributos do longa.
          O diretor também acerta, algumas vezes, nas situações em que o casal se desentende. Aqui podemos reconhecer os sentimentos que animam os inevitáveis desencontros amorosos, as ofensas guardadas para o momento propício, as revelações proteladas, as mentiras e falsidades ensaiadas, as razões e desculpas improvisadas. A certa altura Antônio revela, já esperando o rompimento, que sua namorada é de fato uma farsa, que afeta comportamentos; ela reclama da falta de comprometimento do namorado, da falta de romantismo. “Agora” não gosta da “covardia”, das hesitações do companheiro; ele, “repentinamente” se irrita com a gravidade ensaiada, a tristeza arranjada que a namorada gosta de sentir. 


         Apenas o fim é um filme que tem o frescor da novidade, representa um gosto muito atual pela leveza, pela falta de gravidade mesmo nos assuntos mais sérios. Tem o mérito de, ainda assim, mostrar um sofrimento: é possível se convencer da tristeza que acompanha a hora última entre Antônio e sua namorada. É um filme de estreantes, feito mais com descontração que com sisudos profissionalismos. Funciona nesse contexto e apenas assim. De resto, poderíamos ter escapado daquele fechamento. Matheus Souza arruma uma solução piegas e fácil que não combina com a boa iniciativa, com o tom levemente impetuoso de novidade que o filme, apesar dos problemas, consegue imprimir até aqui. O diretor resolve sua “mensagem” com um presumido “continua”, com “um fim é apenas um novo começo”. Uma pena.

* Almiro Franco realiza monografia sobre crítica de cinema na Facomb-UFG.

15 Comentários

Pedro disse...

Pessoal,

O filme está em cartaz no Cine Lumière às 15 horas.

Unknown disse...

Olá Almiro!

Estimei muito o seu texto, concordei com cada palavra, entretanto confesso que você teve uma visão um pouco fria perante o filme, mas só um pouquinho, bem de leve, algo respeitável e considerável, por que você também, tinha que fazer uma crítica né!? Fiquei ansiosa para ler este texto, pois o Lisandro já havia falado em sala de aula, que estava com uma crítica de Apenas o Fim.

Eu gostei muito do filme, enquanto eu assistia me despi de qualquer julgamento que poderia ter, diante das composições e técnicas, me desliguei de qualquer compromisso e me entreguei completamente. Resultado: me diverti a valer. A sala de exibição estava com mais ou menos umas 30 pessoas entre 20 e 30 anos, o que colaborou para que o ambiente ficasse propício para tal divertimento, contudo havia também um casal de velhinhos de aproximadamente uns 65 anos...

O que mais me chamou atenção no filme é o fato de representar a juventude sem usar os temas clichês de sempre dos filmes nacionais, que são: sexo, drogas, violência e pobreza, ou que pelo menos quisesse ensinar uma lição pelo uso dessas características inseridas num melodrama enfadonho. Apenas o Fim, é divertido, leve inteligente e simples.

A verossimilhança é fascinante. Todos que tem hoje entre 19 e 28 anos com toda certeza se identificaram com alguma cena ou citação dos personagens. O filme, na minha opinião, conseguiu ser nostálgico sem ser triste, e isso é característica rara.

Para aqueles que não viram, ele vale muito a pena de enfrentar fila para entrar no estacionamento e depois ficar procurando vaga – e para quem usa o transporte coletivo os transtornos são bem maiores -, pegar fila para comprar ingresso, fila para comprar pipoca, fila para entrar na sala e o pior ficar sentado numa sala com diversas pessoas correndo o risco de se adquirir a gripe H1N1.

Mesmo diante de tudo isso, podem ir que compensa!

Maria Euci disse...

Almiro,

Seu texto é belo e sua juventude está expressa nele. Vou correndo ver o filme pois seu me estimulou.

Elaine disse...

Oi Almiro,
Vocë foi um pouco duro com o filme. Ele tem uma leveza e um descompromisso interessante. Hoje os jovens fazem muitos filmes e poucos, sinceramente, sao interessantes. Esse Apenas o filme nao tem grandes pretensões. E por ser assim é que é muito bom.

Anônimo disse...

Esse filme eu quero veer!!!

Túlio Moreira disse...

Vou ver esse filme na segunda e comento o texto aqui... Gostei do título, "Filme de jovens e o frescor da novidade". "jovens", "frescor" e "novidade" são palavras que eu associo a "Apenas o fim", por tudo o que já li na mídia... Vamos ver se o filme corresponde, hehe

Jonas Eduardo disse...

Se os alunos que fazem filmes fizessem um "Apenas o fim" de vez em quando? Esse filme é muito bom. Estão cobrando demais dele e os garotos fizeram uma pequena obra prima.

Franco Neto disse...

Tatiana, é muito bom ler isso que escreveu sobre como assistiu ao filme. Gostei especialmente disso: “me desliguei de qualquer compromisso e me entreguei completamente”.
Há algum tempo, na disciplina sobre Análise de Filmes, arrumamos a dúvida sobre como o crítico deveria se dirigir ao filme: com distanciamento ou se ele deveria fruir a experiência, se envolver. Uma aluna chegou mesmo a perguntar ao Lisandro como deveria se posicionar. O professor deixou a dúvida como provocação. Mas como a prudência é exercício dos professores me atrevi a responder. Disse: “o crítico deve se arrebatar”. E acrescento aqui: o distanciamento é sempre postiço, calculado, os que se assumem apenas como analistas, dificilmente podemos esperar deles muita honestidade. Só se desejam que acreditemos que um inefável mistério acontece em suas faculdades psicológicas: irritadiços humanos na fila esperando o ingresso que demora e autômatos isentos quando cruzam a sala escura e se acomodam na poltrona. Para o bem do bom senso, sabemos que isso não ocorre.
Por isso gostei do que disse. Só acrescento isso ao que você também já percebeu. A crítica é reflexão, é um pensamento mais demorado, uma espécie de sumário que agora precisa da concentração, depois da impressão. Por isso os textos que se pretendem críticos às vezes parecem “duros”, “frios”, demasiadamente implicantes, alguns querem mesmo sê-lo, infelizmente. E a partir de agora, acho que respondo também à Elaine e ao Jonas Eduardo. É preciso separar, se me concedem a licença para dizer, a experiência imediata com o filme, em relação a ele, da escrita descritiva ou afirmativa sobre esse mesmo filme. Voltar ao filme e avaliá-lo com critério não significa diminuí-lo, mas tampouco será da ordem daquela impressão aprazível e leve (não reproduzível) que Apenas o fim deseja provocar e provoca de fato. É outro momento, e agora é desejável avaliar o que foi voluntariamente produzido. Não tenham dúvida que essa “despretensão” do diretor e de sua equipe foi proposital, teve uma intenção, é mais intenção que efeito espontâneo. Por exemplo, Matheus Souza decidiu filmar um longa metragem já de início, ainda como aluno, o que deixa passar uma veleidade, uma ambição. Essa “seriedade” de quando esses alunos decidiram fazer um filme de qualidade não pode ser diluída no efeito que ele pretende produzir. Não podemos “pegar leve” só porque a produção foi organizada para provocar um efeito agradável ou porque trata de temas aparentemente desinteressados. Apenas o fim tem pretensões verdadeiras como produção cinematográfica e merece uma avaliação a altura. E aí, para terminar, dou continuidade ao que dizia à Tatiana. Essa avaliação deve partir, acredito, do envolvimento com o filme. Vejo o filme como expectador, recebo as impressões, me envolvo e depois vou refletir sobre o visto. Não será a mesma coisa, escrever sobre o que foi sensação é já quebrar uma continuidade, algo como retirar uma “aura”. Mas são “textos” diferentes, a crítica e o filme, com finalidades diferentes. O professor Lisandro pode falar sobre isso com muito mais propriedade, só estou sendo imprudente.
Obrigado pelo que disse, Maria Euci. Foi muito delicada. Que bom que decidiu ver o filme, realmente vale a pena.
Espero seu texto então, Túlio, e o seu, Polly.

Obrigado pelos comentários, pessoal,
Franco Neto

Franco Neto disse...

Ah, e Almiro Franco sou eu mesmo, é Almiro Franco Neto. rs

Lisandro Nogueira disse...

Olá Franco e Tatiana e alunos,

O livro "Ensaio sobre a análise filmica" (editora Papirus), o mais utlizado no Brasil para a análise de filmes, recomenda o distanciamento. Concordo em parte com essa recomendação. É impossível um distanciamento total. O próprio Cristian Metz, que nos anos 70 afirmava ser importante não se deixar levar pela emoção, repensou a questão. Deve haver um equilíbrio. Por isso, a idéia de ver mais de duas vezes é sempre fundamental. E mais: misturar a sensibilidade com a experiência estética, deixar-se impregnar pela obra, duvidar da própria emoção, contornar os estilos, observar o jogo da representação, etc.

Não creio na "análise fria", distante, e tb. não acredito ser possível se deixar levar somente pela emoção. Explico: tente ver "As pontes de Madison" e, logo em seguida, escreva um texto crítico. Fatalmente teremos um texto muito sentimental, carcomido pelas lágrimas. Faça outro exercício: veja esse mesmo filme 3 vezes. Teremos fatalmente um texto crítico com emoção mas sem sentimentalismos.

Fernando Quirino disse...

Se posso dar palpite, sou "cinéfilo" mas longe de ser crítico, pois nem perto da formação audivisual passei. Como "público" e sendo especialmente tão nerd ou mais que um dos protagonistas, acho que me identifiquei tão excessivamente com o personagem que a experiência chegou a um nível de envolvimento total. Claro que senti alguns problemas na narrativa aqui e alí, mas assumi que o filme era tão leve e descompromissado quanto seus personagens que estavam girando em torno do início do descompromisso.

Notei muito mais referências no filme do que provavelmente o próprio crítico. Jovem Nerd, Judão, etc são sites referenciais para nerds assim como várias outras citações nerds contidas no filme. É um filme divulgado via twitter e redes sociais. É construído em torno de atrair os nerds mesmo. O autor é nerd, a personagem é nerd, o filme em si é nerd. E ter um cineasta, mesmo que em formação, que repesente essa categoria, já o transforma em símbolo automático para essa comunidade.

Respeitando a formação e a autoridade de todos os críticos e comentaristas aqui do blog, para um verdadeiro nerd, não teria filme melhor atualmente.

Só uma opinião, muito longe de ser técnica.

Em outros pontos, não concordo com váris críticas do senhor Lisando Nogueira, mesmo o reconhecendo como autoridade sobre o cinema, mas adorei o blog e as discussões levantadas.

Franco Neto disse...

Obrigado pelo complemento, professor. Foi sobre isso, esse equilíbrio entre a impressão e a reflexão, que falava no meu comentário.

Unknown disse...

Concordo e agradeço Lisandro.

Franco Neto disse...

Veja, Fernando Quirino, o “crítico” pode sim ter percebido essas outras referências: o R2-D2 no criado mudo, se não me engano a action figure do C-3PO, que o Luke chamava só “Tripiô”, também aparece espalhada sobre a cama de Antônio; Fanático/ Juggernaut, sem o capacete, que a namorada confunde com o He-Man, do desenho Marters of Universe e que tinha como um dos amigos mais “distantes” o Aríete; o site do Judão, o site Omelete, que já gravou dois videocasts com o Matheus Souza, diretor do filme. rsrsrs.
Enfim, o tempo e a finalidade do texto é que não permitem escrever sobre todas essas coisas. E você percebeu muito bem, como eu disse no texto, o filme caracteriza perfeitamente o nerd, inclusive com aquela, digamos, pendência para ser um pouco “loser”, como o Charlie Brown do genial Charles Schulz. A namorada chega a dizer isso sobre Antônio, que ele é meio “perdedor”. Interessante também é que “Apenas o fim” não faz aquela confusão simples entre nerd e CDF. Bom, fico por aqui. Como diriam os vulcanos: “vida longa e próspera”.

Almiro Franco Neto.

Túlio Moreira disse...

Gostei desse filme! um aspecto meio cult movie, com mtos diálogos legais, pelo menos uma frase que me deixou pensativo ("a vantagem de morrer de amor é que você continua vivo depois"), várias referências nerds legais... me identifiquei mto mesmo.

concordo que os dois personagens maculelês (aqueles que conversam sobre Itabuna) são um porre, mas o casal central me agradou bastante, principalmente o Gregório Duvivier.

para um longa de estreia, "Apenas o Fim" agrada bastante. Basta lembrar que o primeiro filme de Walter Salles foi "A grande arte", um horror. O Matheus saiu bem na frente nesse aspecto, hehe

abraços!

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