sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Che, o argentino - um filme chato!! (em cartaz)




CHE, um filme chato


Fabricio Santos*


Martin Scorsese costumava definir como “contrabandistas” aqueles cineastas que, mesmo sob o contrato e a pressão de um estúdio, conseguiam imprimir uma assinatura autoral aos seus filmes. Ou, um pouco além, mantinha interessante ritmo pendular, capazes de realizarem produtos capazes de atrair público e, em troca, ter algum poder para filmar o que realmente queriam. Scorsese foi (e ainda é) um pouco assim, mas talvez Steven Soderbergh seja o exemplo mais claro de contrabando cinematográfico.

Até o presente momento, Soderbergh realizou três Homens e Um Segredo: Onze, Doze e Treze. Franquia de elenco poderoso, afiado e certeiro (George Clooney, Brad Pitt, Julia Roberts, Andy Garcia, Matt Damon e segue lista), levado por tom de carisma geralmente bem aplicado, é o carro chefe dos lucros do cineasta com a Warner Bros. Entre um e outros, Soderbergh se dedica a filmes mais pessoais e experimentais, como Full Frontal, Bubble e, mais recentemente, Confissões de uma Garota de Programa. Já Che, para o melhor e para o pior, parece caminhar entre os dois lados.

Dividido em duas partes, temos em Che algo ambicioso. É um pedaço de história (e História) jogado em mais de quatro horas de metragem, se somados os dois filmes. Embora não seja um blockbuster, há técnica e produção de custos notáveis a serviço de uma cinebiografia que, de acordo com o próprio cineasta, não pretende ser vista como tal. “Para mim, Che é só um personagem”, disse Soderbergh em uma entrevista, o que de fato traduz essa primeira parte, intitulada “O Argentino”, como um filme de perspectiva. Perspectiva de um personagem: Che, não por acaso.

Soderbergh parece procurar por um sujeito, esse alguém que, antes de se tornar lenda revolucionária, era parte de um grupo. Até chegar a esse ponto, Che terá em Guevara apenas mais um homem, uma pessoa que se dispõe a entrar numa guerra que nem é sua, sem a liderança. A não ser quando intercala com o discurso na ONU, anos depois, Soderbergh se mantém distante, com uma câmera distante, observando táticas e acompanhando Che mesmo que ele não esteja envolvido em eventos que poderiam ser vistos como mais cruciais. Essa noção de múltiplas coisas acontecendo aparece bem presente no filme, e a sensação de documento toma um lugar agradável.

As cenas em preto e branco na ONU são, por sinal, aquelas em que Benicio del Toro tem chance de ser o mais explosivo. Nas outras, segue quase que brilhantemente o passo de Soderbergh em ter uma cinebiografia que não exatamente destaque seu protagonista: ele está ali compondo um grupo maior, de pessoas determinadas à luta, uma motivação que chega a ser comparada a amor (o filme é baseado nas memórias escritas por Che, “Reminiscences of the Cuban Revolutionary War”). Tem-se aqui, então, o que talvez seja um filme sobre esse tipo raro de motivação, de como homens (e mulheres) se apegam a tais idéias, e cena de ataque em que a trilha some e Che faz referência ao "Guerra e Paz" de Tolstói resume isso com uma beleza próxima ao que Terrence Malick fez em Além da Linha Vermelha, aquele filme de guerra versificado.

Sensação, entretanto, é a de um filme que quer chegar a tanto (e às vezes chega, em pequenos momentos) sem realmente se preocupar com isso, pelo menos no que se refere ao isolamento da primeira parte. Falar que é chato é uma crítica fácil, mas Che: Parte 1 – O Argentino é um filme chato, como se estivesse fadado a ser exibido em alguma aula de História das mais enfadonhas, por mais que seu realizador o defenda como um personagem. E é do personagem a sua força, mas é do recorte histórico quase didático a sua fraqueza.

* Fabricio Santos é critico de cinema e membro do projeto "Cine-UFG, debates".

2 Comentários

Pedro disse...

Che, o filme, não é chato. É chatíssimo.

Fabrício C. Santos disse...

A "Parte 1 - O Argentino" é chata (apesar de conseguir elaborar alguns desses pensamentos que mencionei), a "Parte 2" - Guerrilha é que é chatíssima, Pedro =)

Apesar do Soderbergh defender essa visão de Che como apenas um personagem (e, por um lado, ele está certo), me parece ser um filme que só vai despertar mais afeição naqueles que já tem algum interesse a mais na figura histórica. Não que seja errado, mas então a perspectiva de personagem acaba não fazendo muita diferença.

Para citar outro exemplo de cinebiografia recente em que há um narrar cinematográfico e um personagem além da figura histórica, temos em "O Aviador", de Scorsese, uma obra muito mais rica nesse sentido.

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