sábado, 16 de janeiro de 2010

Haiti, por Caetano e Gil

foto Y. Valtetin
HAITI


Caetano Veloso e Gilberto Gil*


Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados

E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada

E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão

Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal

E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

13 Comentários

Lisandro Nogueira disse...

Letra da música "Haiti". CD de 1993 (Tropicália 2).

célia disse...

Brincadeira heim Lisandro, 1993, 2003 (dez anos) mais 7, lá se vão quase vinte anos. Caetano e Gil, profetas da Tropicália, já imaginavam que hoje Haití não é aqui e quase a metade nem lá é mais. Mas vamos acreditar no poder da reconstrução e da solidariedade humanas, essa não há terremoto que conseguirá abalar.

Lisandro Nogueira disse...

Olá Célia,

Caetano estava na casa de cultura no Pelourinho (Salvador-BA). Aí começou uma confusão e alguma pancadaria envolvendo a polícia. Na hora ele começou a pensar na música.

Essa música/letra é muito bonita e mostra aqui e lá os dramas da miséria.

Marcelo disse...

O Haiti de hoje é de um terremoto. Ooou. Terremoto não é político. Ok, no final tudo acaba em política. Mas foi um terremoto, não há como negar.

Marcelo disse...

Célia, acreditar na solidariedade humana é brincadeira hein.

Maria Euci Carvalho disse...

Oi Marcelo, é possivel acreditar na solidariedade humana, sim. Se não fosse ela, a situação do Haiti seria ainda pior. Pense nas crianças! O mundo e os políticos são cruéis mesmo. A solidariedade existe para remediar e fazer paliativos. Isso já é alguma coisa. Vamos pensar com menos pessimismo.

Elaine Camargo disse...

Gente, o Haiti foi explorado por todo mundo. Não gosto de ficar lendo as notícias de lá. É muito sofrimento.

Caroline Pires disse...

Meu primo é sargento do Exército e está no Haiti desde julho. Ele voltaria para o Brasil ainda esse mês.
Mas essa é a vida que ele escolheu e que ama.
Ele está se arriscando todos os dias para ajudar aquele povo. Vendo coisas terríveis e dolorosas. Fazendo nossa família chorar.

Atrás de toda política, artimanhas e jogos de poder existem homens como meu primo Erick, que dedicam a vida, a juventude, o tempo com a família, por amor de pessoas que ele nem conhece.
Não se esquecam disso.
Se isso não é solidariedade, e mais... se isso não é amor... eu não sei o que pode ser... sinceramente.

Marcelo disse...

Maria Euci, pessimismo? A situação no Haiti sempre foi ruim por causa de ladrões de gravata e agora está catastrófica por conta de um terremoto.
Eu acho que esta música está fora do contexto, só isso.
Achei de mau gosto num momento como o de agora postar "Haiti" do Gil e Caetano.

Caroline, lindo, quase fui as lágrimas! Vi as fotos no seu blog. Sorte ao seu sargento e as pessoas.

Marcelo disse...

E tem uma informação muito importante neste post: Haiti é de 93, CD Tropicalia 2.
Se não fala não sabia.
Pra falar a verdade eu acho que nem conhecia essa música. Não estou lembrando

célia disse...

Marcelo e dessa música vc se lembra? "Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento, no sol de quase dezembro, eu vou...O Sol se reparte em crimes, espaçonaves, guerrilhas, em Cardinalles bonitas e eu vou..." Ele diz td de novo com outras palavras e essa temática se reproduz até hoje com outras roupagens e vc tem razão quando acha que acreditar em solidariedade é difícil eu entendo que seja em relação à má vontade política e vc concorda que, na verdade, o único que têm o grande poder da ação é o povo e que, este, unido, pode ser imbatível e reverter o curso da história a despeito das intempéries da natureza?

Eduardo Siqueira disse...

Eu estava num show do Caetano quando ele cantou "Haiti". Ele disse que Salvador, em alguns casos e momentos, se parece com a situação caótica da capital Porto Principe. Eu não gostei foi da maneira como eles cantaram a música. Parece um Rap.

Marcelo disse...

Bom texto do Ricardo Noblat 'Ajuda humanitária converteu-se em projeto de poder' http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/01/18/ajuda-humanitaria-converteu-se-em-projeto-de-poder-258495.asp

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